O Slow Food e o alimento bom, limpo e justo. Entrevista com Fabiana Thomé da Cruz
“O conceito de alimento bom, limpo e justo, definido no Manifesto Slow Food para a Qualidade, compõe a filosofia do Movimento Slow Food e refere-se, em linhas gerais, ao sabor e a o modo de cultivo dos alimentos e também ao reconhecimento dos produtores pelo seu trabalho”. A definição é da engenheira de alimentos Fabiana Thomé da Cruz, na entrevista que concedeu por e-mail à IHU On-Line. Por outro lado, o modelo de alimentação classificado como “fast” é caracterizado por ser composto por “alimentos altamente processados, ricos em gorduras, carboidratos, açúcares e sódio”.
Fabiana estará nesta quinta-feira, 20-10-2011, no Instituto Humanitas Unisinos – IHU onde abordará o tema Repensando a qualidade dos alimentos e da alimentação: o “bom, limpo e justo” na perspectiva do Movimento Slow Food.
O evento ocorre 17h30min, na Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros e faz parte da programação do
Ciclo de Debates Alimentação Saudável e Sustentável.
Graduada em Engenharia de Alimentos pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, Fabiana é mestre em Agroecossistemas pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC e doutoranda em Desenvolvimento Rural pela UFRGS com a tese Do normativo ao simbólico: as atitudes dos consumidores ressignificando a qualidade dos alimentos. Integra o Grupo de Estudos e Pesquisas em Alimentação e Cultura (PGDR/UFRGS) e é co-editora da Coluna Alimentação e Cultura, mantida no website do Slow Food Brasil.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O que é bom, limpo e justo na perspectiva do Slow Food?
Fabiana Thomé da Cruz – O conceito de alimento bom, limpo e justo, definido no Manifesto Slow Food para a Qualidade, compõe a filosofia do Movimento Slow Food e refere-se, em linhas gerais, ao sabor e a o modo de cultivo dos alimentos e também ao reconhecimento dos produtores pelo seu trabalho. Alimento bom é entendido como decorrência de modos de produção e de processamento que tenham o objetivo de preservar ao máximo a naturalidade dos alimentos.
Alimento limpo é aquele produzido por meio de modos de cultivo que adotam práticas de agricultura, manejo animal e processamento que buscam, em todas as etapas, ter menor impacto possível para o meio ambiente a para a biodiversidade, não oferecendo, ao mesmo tempo, riscos à saúde dos consumidores. Nessa proposta, alimento limpo seria, por exemplo, aquele produzido sem uso de agrotóxico e processado preferencialmente com mínimo emprego de aditivos químicos.
Alimento justo é aquele que, durante todo o processo produtivo, oferece condições de trabalho justas para os produtores, tanto em termos de geração de renda como em relação ao respeito pela diversidade de culturas e modos de vida.
IHU On-Line – Qual é a importância de se repensar a qualidade dos alimentos e o tipo de alimentação de nossa sociedade?
Fabiana Thomé da Cruz – De modo geral, repensar a qualidade dos alimentos e da alimentação significa orientarmos nossas escolhas para atender ao conceito de alimento bom, limpo e justo, que discutimos. Se considerarmos que as escolhas alimentares que fazemos têm implicações diretas não apenas em nossa saúde, mas também na “saúde” do meio ambiente e nas condições de trabalho na agricultura, em vez de privilegiarmos modelos pautados pela produção massiva e padronizada de alimentos, podemos valorizar alimentos produzidos localmente, por produtores que tenham seus métodos de produção e processamento reconhecidos por respeitar à saúde dos consumidores o meio ambiente.
Repensar a qualidade dos alimentos e da alimentação significa reconhecermos que nós, consumidores, podemos influenciar os rumos da produção e sistema de distribuição de alimentos e, na medida do possível, orientarmos nossas atitudes, comportamento e, particularmente, nossas compras, para a valorização de modos de produção e distribuição de alimentos que, de acordo com a filosofia do Movimento Slow Food, sejam considerados bons, limpos e justos.
IHU On-Line – Quais são os principais problemas decorrentes da alimentação errada, do estilo “fast”?
Fabiana Thomé da Cruz – Falar que existe uma alimentação “errada” supõem aceitar que existe uma alimentação “certa”. Contudo, é importante reconhecer que não se trata de determinar qual é a alimentação certa, mas sim de compreender que cada sociedade se alimenta de acordo com seus hábitos e sua cultura. Se tomarmos a diversidade alimentar de cada sociedade como “certa”, podemos argumentar que um dos desafios decorrentes da alimentação “errada” refere-se à perda da diversidade alimentar e culturas alimentares locais em prol de um modelo de alimentação homogeneizante, global, padronizado. Esse modelo de alimentação, que poderíamos genericamente considerar “fast”, tem por base alimentos altamente processados, ricos em gorduras, carboidratos, açúcares e sódio. Dietas com essas características, que nas últimas décadas vêm se difundido rapidamente também no Brasil, apresenta como consequências problemas de saúde como obesidade, diabetes, doenças cardiovasculares, hipertensão, etc. Mas é importante ressaltar que, além da perda de diversidade alimentar e de problemas associados diretamente à saúde dos consumidores, esse modelo apresenta também implicações ambientais (consequências de práticas de agricultura intensiva, mecanizada, com elevada utilização de insumos químicos), e implicações sociais (ocasionadas pela significativa marginalização e empobrecimento de produtores rurais).
IHU On-Line – Em que medida o Slow Food promove uma valorização de melhores hábitos alimentares e, também, de convívio e sociabilidade entre as pessoas?
Fabiana Thomé da Cruz – A tendência contemporânea aponta para a diminuição do tempo dedicado ao preparo e consumo de alimentos, a flexibilização dos horários e a individualização das refeições. Contudo, diferentemente da maioria das refeições durante a semana, feitas rápida e individualmente em frente à televisão ou ao computador, as refeições de final de semana ou de datas festivas requerem que pensemos os cardápios e quem serão os convidados com quem iremos compartilhar esses momentos. Nessas ocasiões, o cardápio é cuidadosamente pensando pelos anfitriões para responder ao estilo e ao gosto dos convidados. Essas atitudes remetem à forte associação entre comida e comensalidade, convívio, sociabilidade. O Slow Food, na medida em que promove a valorização e diversidade de ingredientes, receitas e hábitos alimentares locais, reforça o prazer presente na escolha de ingredientes, no preparo das refeições, na convivência e degustação da comida e incentiva que, na medida do possível, esse prazer esteja presente à mesa não apenas nos finais de semana e dias festivos, mas também diariamente.
(Ecodebate, 19/10/2011) publicado pela IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
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