Assassinato da juíza Patrícia Accioli: Faltou o Ofício, artigo de Montserrat Martins
[EcoDebate] Deu na TV: a família da juíza assassinada mostrando documento em que ela pedira escolta policial. Um desembargador do TJ (Tribunal de Justiça) do Rio, Siro Darlan, já havia acusado os dois últimos Presidentes do Tribunal daquele Estado de negligência, em texto emotivo ilustrado por uma frase de um destes Presidentes, de que não teria recebido Ofício solicitando tal proteção, por parte da juíza. Para Darlan, é injuriosa essa versão, na qual Patrícia Accioli é tratada como se fosse uma suicida.
O Presidente Nacional da OAB cobrou explicações do ex-Presidente do TJRJ, Luiz Sveiter, sobre a retirada da escolta da juíza. Este disse que a fornecia a todos que pediam e que nunca falou com Patrícia sobre isso, só a chamou ao seu gabinete para tratar de um conflito que esta tivera com seu namorado em público, que afetaria a imagem da magistratura. Segundo o blog do Siro Darlan, para chamar a juíza para esta conversa não foi necessário Ofício.
O mundo do Direito tem sua própria lógica e uma delas reza que “o que não está nos autos, não está no mundo”. Isso tem uma razão de ser, o amplo direito de defesa, segundo o qual o acusado deve conhecer tudo o que é dito contra ele para que possa esclarecer todos os pontos, sendo os chamados “autos” (o conjunto dos papéis com os conteúdos que constituem o processo) o local adequado onde tudo deve constar. Os juízes não poderiam levar em conta o que não está nos autos porque isso seria obscuro em relação ao acusado. Um certo formalismo é necessário, portanto. Mas merece reflexão a distância entre o mundo real e o mundo do Direito, quando esse fica preso às formalidades e não acompanha o que a sociedade requer da Justiça. No caso da falta de proteção da juíza, essa questão veio à tona.
“Não se esqueça de Patrícia Accioli”, título do artigo de Darlan, é um chamado importante para esse mergulho na realidade. A falta de um Ofício não pode servir como justificativa para a desproteção quando a ameaça de morte era de conhecimento público. No meio jurídico, Darlan é uma figura polêmica, mas neste caso sua cobrança forte sobre as próprias autoridades está em sintonia com muitos outros juristas. O presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Gabriel Wedy, condenou o fato de ela estar sem escolta policial. Em nota, lembra que ela já teve o carro metralhado em outra ocasião.
Os países europeus, onde são mais frequentes ataques contra juízes, já foram despertados para a busca de respostas mais eficazes. Na Itália, por exemplo, se debatem novas estratégias para o enfrentamento da máfia, que incluem uma legislação mais específica contra o crime organizado. Patrícia Accioli deve ser lembrada, sim, para que a sociedade crie formas mais eficazes de prevenção e de combate aos grandes criminosos, que hoje são tratados de modo mais brando do que os “ladrões de galinha”, grande parte da população carcerária. Para que o Direito esteja mais próximo do mundo real, os legisladores e toda sociedade tem muito a fazer. Mesmo que falte um Ofício, ou um carimbo de recebimento nele.
Montserrat Martins, colunista do EcoDebate, é Psiquiatra
EcoDebate, 22/08/2011
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No mínimo o estado deveria garantir um carro blindado aos juíes ameaçados. Não é o ideal mas é ao menos uma forma de proteção.