Os problemas mundiais de energia, artigo José Goldemberg
[O Estado de S.Paulo] Viena, a bela capital do Império Austro-Húngaro, foi um dos mais importantes centros culturais da Europa desde o século 18 até 1938, quando a Áustria foi incorporada pelos nazistas à Alemanha. Nesse longo período, em Viena brilharam Mozart, Beethoven, Strauss e inúmeros outros expoentes da música e da cultura. Sigmund Freud, que viveu desde os 4 anos de idade nessa cidade, ali criou a psicanálise.
Hoje em dia Viena é a sede de numerosas organizações internacionais, como a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), a Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (Unido), a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep). E também de renomadas instituições dedicadas à pesquisa, como o Instituto Internacional para a Análise de Sistemas Aplicados (Iiasa), que durante a guerra fria foi o único local de encontro de cientistas americanos e soviéticos. O Brasil recentemente se tornou um dos países-membros do Iiasa.
Ao que parece, estamos presenciando um renascimento das contribuições de Viena à ciência e à governança mundial. Lá se realizou, há cerca de um mês, um Fórum de Energia promovido pela Unido, no qual foram apresentados os resultados de um grupo de mais de cem técnicos e cientistas reunidos no Iiasa, que, depois de quatro anos de trabalho, relataram as conclusões de um estudo intitulado Energia, uma Avaliação Global.
Como se sabe, a energia que a nossa civilização exige origina-se em grande parte de combustíveis fósseis (carvão mineral, petróleo e gás natural). Apesar de sua enorme contribuição para promover o conforto de parte importante da população mundial, esse sistema está criando problemas que ameaçam a estabilidade e a continuidade do tipo de civilização que temos hoje.
Isso porque os combustíveis fósseis são a principal fonte de poluição nas grandes cidades e em regiões inteiras do mundo, com sérias implicações para a saúde. Emitem gases que estão provocando o aquecimento do planeta. E são a origem de inúmeros problemas que comprometem a segurança de abastecimento energético, uma vez que muitos países não têm reservas de petróleo e gás e ficam dependentes de pressões políticas dos fornecedores, como os países do Oriente Médio e a Rússia.
Além disso, pouco se faz, por causa do seu custo, para resolver o problema de quase 3 bilhões de pessoas sem acesso a formas modernas de energia nas regiões mais pobres do mundo.
As propostas que existem para solucionar tais problemas se originam, de modo geral, nos países industrializados, que têm acesso a combustíveis fósseis, mas estão preocupados com o aquecimento da Terra – o que só vai ocorrer a médio prazo, havendo ainda tempo para corrigir os rumos atuais. Daí o entusiasmo de alguns deles pela energia nuclear, que contribui para resolver essa questão, mas cria várias outras, de gravidade maior e imediata, como se viu no recente desastre nuclear de Fukushima, no Japão.
Já nos países em desenvolvimento os problemas são mais amplos, incluindo a necessidade de incorporar ao sistema os bilhões de habitantes que não têm acesso a serviços de energia moderna, além da necessidade de pagarem pela importação de combustíveis fósseis, o que compromete suas economias.
O Fórum de Energia de Viena analisou os resultados daquele grupo de cientistas reunidos no Iiasa e as soluções propostas. Esses estudos mostram que existem várias combinações de recursos naturais e tecnologias que permitiriam resolver simultaneamente os problemas acima mencionados sem a necessidade de energia nuclear nem de outras tecnologias ainda não completamente testadas, como a captura de carbono ou tecnologias planetárias ainda mais problemáticas.
A declaração ministerial que emergiu de Viena adotou três decisões básicas, recomendando aos países que adotem medidas para:
* Garantir acesso universal de serviços de energia aos 3 bilhões de pessoas que não os possuem e a toda população mundial até 2030;
* melhorar a eficiência no uso de energia em 40% até 2030;
* aumentar a contribuição das energias renováveis no sistema para 30% até 2030.
A base técnica que deu origem a essas metas não vai exigir muito mais recursos do que os que são usados atualmente, mas seu redirecionamento. Ficou evidente no estudo que energias renováveis, como a eólica, a solar e a biomassa, que em geral são consumidas no local onde são produzidas, reduzem a insegurança energética.
Há também uma sinergia, isto é, uma complementação favorável entre maior eficiência energética e energias renováveis, porque maior eficiência permite realizar as mesmas tarefas com menos energia, o que favorece o uso das renováveis.
As metas do Fórum de Energia de Viena têm caráter global e cada país deverá tentar cumpri-las de acordo com suas características próprias. Para o Brasil elas não apresentam nenhum problema, porque nossa matriz energética já é renovável em 45%. Onde novos esforços poderão ser feitos é no uso mais eficiente de energia, o que pode ser conseguido etiquetando todos os equipamentos usados – como, aliás, já é feito com muitos eletrodomésticos – e aos poucos eliminando do mercado os menos eficientes.
No plano geral, as metas de Viena deverão ter grande impacto na conferência das Nações Unidas, em junho de 2012, no Rio de Janeiro, para marcar o 20.º aniversário da Convenção do Clima e da Convenção da Biodiversidade realizadas, também no Rio, em 1992. Com isso deverão tomar novo impulso os esforços para orientar o desenvolvimento energético numa direção sustentável.
PROFESSOR EMÉRITO DA USP, É COPRESIDENTE (BRASIL), JUNTAMENTE COM GED DAVIES (REINO UNIDO), DO ESTUDO ”ENERGIA, UMA AVALIAÇÃO GLOBAL” (”GLOBAL ENERGY ASSESSMENT”)
Artigo originalmente publicada pelo O Estado de S.Paulo.
EcoDebate, 19/07/2011
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