Fundo Amazônia é promissor, mas é preciso mais ações para garantir floresta em pé
A expectativa é que o Fundo Amazônia arrecade US$ 1 bilhão em seu primeiro ano. Para pesquisadores, o fundo é uma boa notícia, mas a manutenção da floresta em pé depende de alternativas para a geração de renda e inclusão social. Luís Amorim escreve para o “Jornal da Ciência”:
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, lançaram no dia 1º de agosto, no RJ, o Fundo Amazônia e apresentaram a proposta de Projeto de Lei que cria o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima.
O Fundo, que será gerido pelo BNDES, visa captar doações para investimentos não-reem-bolsáveis em ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento e de promoção da conservação e do uso sustentável das florestas no bioma amazônico, dentro das áreas de gestão de florestas públicas e áreas protegidas; controle, monitoramento e fiscalização ambiental; manejo florestal sustentável; atividades econômicas desenvolvidas a partir do uso sustentável da floresta; zoneamento ecológico e econômico, ordenamento territorial e regularização fundiária; conservação e uso sustentável da biodiversidade; e recuperação de áreas desmatadas.
Na cerimônia de lançamento, Lula defendeu que a criação dos fundos Amazônia e Nacional Sobre Mudança Climática “possibilitarão ao Brasil fazer as coisas direito e transitar em fóruns internacionais de cabeça erguida e com a sensação do dever cumprido”. Para Carlos Minc, o Brasil deu o primeiro exemplo prático pós-Quioto. No caso do Fundo Amazônia, ele disse que o instrumento é uma forma de “financiar o jeito certo”.
Para Adalberto Val, diretor do Instituto Nacional da Pesquisas da Amazônia (Inpa), localizado em Manaus, Amazonas, a criação do fundo é uma boa notícia, mas são necessárias outras ações para a conservação da floresta.
“Trata-se de uma ação para ampliar os investimentos em várias áreas na Amazônia e isso é de fundamental importância. Contudo, penso que a manutenção da floresta em pé depende de alternativas para a geração de renda e inclusão social. O alto volume de conflitos está sendo gerado pela nossa ampla capacidade de monitoramento da floresta simultaneamente a nossa baixa capacidade de produzir e socializar essas alternativas. Não se trata de fé cega na ciência, mas é apenas por este caminho que informações adequadas e robustas podem ser geradas de forma específica. Portanto, penso que o fundo deve disponibilizar recursos para ampliar a base instalada, infra-estrutura e pessoal qualificado, para atender a ampla demanda de informações sobre a Amazônia”.
Nilson Gabas Jr., diretor substituto do Museu Paraense Emilio Goeldi, de Belém, segue o mesmo caminho. Ele diz que “a idéia do Fundo não pode ser desvinculada de outras ações, a serem implementadas pelos estados que compreendem a região Amazônica”.
Recursos
Segundo Minc, os primeiros recursos para a composição do Fundo Amazônia chegarão ainda em setembro, com uma doação de US$ 100 milhões da Noruega. Ele informou ainda que espera novas contribuições da Alemanha e Suíça, além de três empresas privadas nacionais.
Pelas projeções do governo, a captação potencial de recursos nacionais e estrangeiros poderá ser superior a US$ 21 bilhões até 2021. Para o primeiro ano de vigência, espera-se a captação de R$ 1 bilhão.
Na opinião do diretor do Inpa, o R$ 1 bilhão previsto “é um volume expressivo, mas ainda aquém das necessidades da região. A proposta da Academia Brasileira de Ciências [subscrita pela SBPC] Amazônia: Desafio Brasileiro do Século XXI: A Necessidade de uma Revolução Científica e Tecnológica prevê um investimento próximo desse montante para dobrar o número de doutores na região. Evidentemente que C&T é apenas uma vertente das ações necessárias. Penso, assim, que o volume de recursos precisará ser ampliado”.
Ele acrescenta que os recursos devem ser investidos em CT&I. “Sem informações não temos como fazer intervenções seguras na Amazônia. Além disso, temos de incluir a Amazônia na agenda brasileira e para isso precisamos de uma ampla conscientização nacional sobre a importância da Amazônia para o Brasil”.
Já o representante do Museu Goeldi acredita que, com o sucesso da empreitada, mais dinheiro será investido. “Acho que os doadores são comedidos, mas à medida que as receitas do Fundo vão sendo internalizadas e comecem a produzir resultados palpáveis no combate ao desmatamento, mais recursos tenderão a ser destinados pelos países ricos ao Fundo.”
Mas ele observa que “a destinação dos recursos do Fundo à área da pesquisa, realmente, não está prevista na lei, e isso é preocupante”. A seu ver, é impossível realizar o zoneamento ecológico e econômico e a conservação e uso sustentável da biodiversidade, dois dos diversos objetivos do Fundo, sem pesquisas.
“Quem, atualmente, trabalha na ponta com tecnologias para recuperação de áreas degradadas? A Embrapa. Quem tem trabalhado incisivamente no estabelecimento e implantação do Zoneamento Ecológico Econômico no Pará? O Museu Goeldi, com diversas parcerias. Então, se recursos não forem destinados à pesquisa, boa parte do que está estabelecido no Decreto não será possível de ser efetuado”.
Ele diz ainda temer que “mesmo que o Fundo destine recursos para a C&T, eles venham na forma de Editais, para os quais os pesquisadores da região terão que competir com pesquisadores de outras regiões que podem não ter o mesmo grau de comprometimento com a região”.
Comitês
O Fundo Amazônia contará com um Comitê Técnico, que avaliará a metodologia de cálculo da área de desmatamento e a quantidade de carbono por hectare utilizada no cálculo das emissões. O grupo será formado por seis especialistas, designados pelo Ministério do Meio Ambiente.
O Fundo contará também com um Comitê Orientador. Os membros do governo federal que farão parte virão dos Ministérios do Meio Ambiente; Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; Relações Exteriores; Agricultura; Desenvolvimento Agrário; C&T; Casa Civil; Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República; e do BNDES.
Dos governos estaduais, haverá um representante de cada um dos estados da Amazônia Legal que possuam plano estadual de prevenção e combate ao desmatamento. Da Sociedade Civil, terão assento o Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento; Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira; Confederação Nacional da Indústria; Fórum Nacional das Atividades de Base Florestal; Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura; e SBPC.
Sobre a configuração dos Conselhos, Gabas Jr. diz que “ministérios de grande relevância para a questão, como os da C&T, da Agricultura, da Saúde – que nem têm assento no Comitê Orientador –, com reconhecido papel de liderança no que concerne ao problema – inclusive social – do desmatamento na Amazônia, não têm representatividade no Comitê Orientador à altura desse papel. Da detecção ao conhecimento e estudo da sociobiodiversidade, ao auxílio no desenvolvimento de políticas públicas para evitar o desmatamento, os pesquisadores ligados a esses ministérios, principalmente, poderão não ter voz ativa na implementação do Fundo”.
Fundo Clima
No caso do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima, Minc destacou que o Brasil vai transformar “superávit fiscal em superávit ambiental”. Isto porque ao criar o fundo foram propostas alterações na Lei do Petróleo.
O texto atual da lei destina 10% da chamada “participação especial” sobre os lucros da indústria de petróleo para o MMA, mas esse recurso só pode ser utilizado em casos de acidentes e derramamentos, o que faz com que boa parte dos recursos não sejam usados e se transformem em superávit fiscal.
Com as alterações, esse dinheiro poderá ser utilizado, por exemplo, para estudos e projetos de prevenção e mitigação às mudanças climáticas; em novas práticas e tecnologias menos poluentes, incluindo ações para tratamento de resíduos e rejeitos oleosos.
(Com dados da Agência Brasil e da Comunicação do MMA)
Nota da redação: Esta matéria foi publicada originalmente no “Jornal da Ciência”. Para assinar a publicação quinzenal da SBPC, entre em contato pelo fone (21) 2295-5284 ou e-mail jciencia@alternex.com.br.
[EcoDebate, 19/08/2008]