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Seminário na USP debate metodologia que calcula quanto cada pessoa pode ser responsável pela água do planeta

Em toda a cadeia produtiva do chá são necessários 35 litros de água para produzir o equivalente a uma xícara de chá. Estima-se que meio litro de refrigerante necessite de 170 a 310 litros de água para sua fabricação. Os processos agrícolas para produção de biomassa voltada a alimentos e fibras requerem 86% de toda a água usada mundialmente. Num momento em que a busca de fontes mais limpas de energia tornou-se palavra de ordem, pode não ser uma surpresa muito agradável saber que para produzir energia a partir de biomassa são necessários de 70 a 400 vezes mais água do que outras fontes primárias, com exceção, claro, da hidroenergia. Por outro lado, para produzir todos os bens e serviços necessários à manutenção da economia do planeta, o consumo de água per capta é de 1.240 metros cúbicos por ano.”

Esses valores correspondem à “água virtual” presente em todos os produtos que consumimos, ou seja, toda a água usada para produzir alimentos e produtos, e também aquele volume necessário para diluir poluentes do processo produtivo. Os cálculos, realizados pelo site Water Footprinting (www.waterfootprint.org), podem ser utilizados para saber não só o consumo de água virtual dos cidadãos e conscientizá-los sobre seus padrões de consumo, mas também para avaliar o balanço hídrico no comércio de alimentos e produtos. Países agroexportadores como o Brasil certamente exportam uma quantidade maior de água virtual, dado o volume necessário para as atividades agropecuárias.

Os hábitos de consumo variam conforme a região e a cultura, e dependem de uma série de variáveis, entre elas o poder aquisitivo. Avaliar a disponibilidade e o consumo da água por meio dos hábitos das pessoas e de variáveis socioeconômicas tornou-se um método de gerenciamento dos recursos hídricos e há estudos avançados nesse campo, sobretudo na Europa. O balanço hídrico estudado pelo prisma da chamada Water Footprint (WF), ou “pegada hídrica”, reúne uma rede de parceiros mundiais em torno da Water Footprint Network. Um de seus representantes, e também um dos criadores da metodologia WF, o cientista Ashock Chapagain, esteve na USP entre os dias 13 e 14 de junho para participar do seminário internacional “A pegada hídrica e sua aplicabilidade no setor público e privado: experiências nacionais e internacionais”.

O seminário, promovido pelo Programa de Pós-graduação em Ciência Ambiental (Procam) da USP, mostrou que, apesar das poucas iniciativas mundiais que lançam mão dessa ferramenta, há experiências capazes de mostrar aos governos a melhor forma de gerenciar não só suas bacias hidrográficas, mas também suas atividades econômicas, em especial o uso da terra.

Um estudo empreendido na Espanha, encabeçado pelo professor Alberto Garrido, da Universidad Politécnica de Madrid, mostrou que não vale a pena o país investir tanto no cultivo de cereais, por exemplo, dados o alto consumo de água e baixo retorno financeiro dessa atividade.

“Num país de estresse hídrico em todas as suas regiões, como acontece na Espanha, o governo precisa reavaliar o que é mais rentável. Manter o cultivo de cereais significaria uma escassez hídrica induzida. Sabemos que a maneira mais barata de obter água é importá-la através de determinados produtos”, afirmou Garrido. O professor também é membro do Observatorio del Agua da Fundación Marcelino Botín e pesquisador do Centro de Estudios e Investigación para La Gestión de Riesgos Agrarios Y Ambientales (Ceigram), da Espanha.

Fronteira política – O bloco europeu não tem capacidade para aumentar suas áreas dedicadas à agricultura orgânica, afirmou o professor Garrido. “Se isso ocorrer, aumentarão as importações de outros produtos e, por consequência, a demanda de água e de terra em outros países”, afirmou. “Nessa ótica, produtos orgânicos são para poucos privilegiados”, disse.

Se governos, cientistas e empresas de diversos países compartilham pesquisas e projetos para a aplicação da metodologia da pegada hídrica, no Brasil existem algumas iniciativas começando nesse sentido.

O engenheiro Marco Neves mostrou projeto da Agência Nacional de Águas (ANA) para construir indicadores capazes de auxiliar na produção de estudos baseados na metodologia da WF. Trata-se de uma base de dados intitulada Matriz de Coeficientes Técnicos para Recursos Hídricos no Brasil, que, entre outros objetivos, deverá analisar a demanda de água no País sob a ótica de usos múltiplos. Os indicadores deverão produzir informações aprofundadas e atualizadas sobre os volumes de retirada das bacias hidrográficas, dos efluentes gerados e do consumo.

O biólogo Sérgio Camargo mostrou um dos poucos projetos de empresa brasileira voltados a analisar a pegada hídrica de seus produtos. “A Natura tem grande interesse nesse tipo de análise, pois a água permeia a produção e consumo de todos os seus produtos”, disse.

Segundo Camargo, a grande dificuldade da equipe voltada à análise da pegada hídrica dos produtos da Natura foi a falta de dados para compor a base de cálculo. “Muito do que fizemos foram estimativas e em muitos momentos tivemos de usar dados comparativos de outros países. Faltam informações numa série de etapas das cadeias produtivas”, disse.

“É fundamental entendermos que a pegada hídrica não é uma metodologia substitutiva para qualquer outra. Ela é complementar, uma ferramenta adicional para uma série de comparações, especialmente útil para políticas públicas”, ressaltou o professor do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) Wilson Cabral de Sousa Júnior, participante da mesa-redonda “A pegada hídrica e seu potencial de utilização na gestão de recursos hídricos”.

Para o professor do ITA, lançar mão dessa ferramenta é uma decisão política, que também deve se basear nas finalidades de investigação dos padrões de consumo da água. Sousa Júnior lembrou outros conceitos inovadores sobre sustentabilidade hoje amplamente utilizados na gestão dos recursos naturais.
“Quando Mathis Wachernagel e William Rees criaram o conceito da pegada ecológica, naquele momento era difícil comparar o potencial impacto das atividades antrópicas em escala global. Mas o estudo relacionou quanto os países são diferentes e mostrou em especial a relação de consumo e de poder no mundo, ainda que em números macro e dados algumas vezes pouco precisos.”

Sousa Júnior lembrou também o clássico estudo de Robert Costanza e colegas, intitulado The Value of the World’s Ecosystem Services and Natural Capital, de 1987, apontando o valor do ambiente global. “Não vou fazer nada com esse número, mas o estudo lançou luz sobre o valor da diversidade global. Estou citando esses estudos porque impulsionaram outros campos do conhecimento e proporcionaram depurar e aprimorar uma série de estudos e dados. Da mesma forma, a pegada hídrica também é uma metodologia nova e que vem sendo aprimorada”, disse.

Ministraram palestra por videoconferência Maite Aldaya, consultora da United Nations Environment Programme (UNEP Paris), e Eduardo Lanna, consultor de recursos hídricos da AlfaSigma Consultoria. Os debates contaram com a participação do professor Mario Mendiondo, da Escola de Engenharia da USP de São Carlos, e da pesquisadora do GovÁgua Vanessa Empinotti. As mesas foram coordenadas por Paulo de Almeida Sinisgalli, professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP e do Procam, além do coordenador do Procam e professor da Faculdade de Educação da USP, Pedro Jacobi. “A ideia do seminário foi discutir sustentabilidade e gerenciamento da água e dar visibilidade aos estudos de pegada hídrica empreendidos pelo grupo de Governança da Água do Procam”, disse o professor Jacobi.

Reportagem de Sylvia Miguel, no Jornal da USP, publicada pelo EcoDebate, 29/06/2011

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