Suicídio da agricultura, artigo de Rubens Ricupero
Excelente desempenho da atividade econômica só vai se sustentar se o Brasil encontrar uma solução para os desafios do ambiente
[Gazeta do Povo] Se a agricultura brasileira não conseguir sustentar a impressionante trajetória das últimas décadas, será devido à incapacidade de resolver com inteligência o desafio do meio ambiente.
Talvez não haja na história econômica do Brasil nenhum exemplo tão indiscutível de transformação de eficiência e produtividade como na agropecuária. Essa modernização só se tornou possível graças à pesquisa tecnológica, que erradicou o pessimismo sobre a agricultura tropical.
A tecnologia, afirma-se, permitiria expandir a produção sem devastar mais a floresta e o cerrado que restam. Os 70 milhões de hectares de pastagens degradadas poderiam servir de reserva à expansão agrícola ou florestal.
Em teoria, tudo isso é verdade. Na prática, o que se vê é pouco. Sinais positivos como o aumento de produção em proporção maior do que a expansão da área plantada são largamente compensados pela destruição. De forma inexorável, a fronteira agrícola avança rumo ao coração da Floresta Amazônica.
O choque da devastação em Mato Grosso estimulada pelo projeto de lei aprovado na Câmara provocou a mobilização do governo em verdadeira operação de guerra. O resultado foi pífio: a destruição apenas se reduziu marginalmente.
Essa mesma desproporção entre esforços de preservação e resultados precários, geralmente revertidos logo depois, caracteriza o panorama de desolação em todas as regiões e em todos os biomas: mata atlântica, caatinga, Amazônia, cerrado, árvores de Carajás convertidas em carvão para o ferro-gusa.
As entidades do agro protestam que suas intenções são progressistas. Contudo o comportamento de parte considerável de seus representados desmente as proclamações. Mesmo em Estado avançado como São Paulo e lavoura rentável como a da cana, quantos recuperaram as matas ciliares de rios e nascentes?
Tem-se a impressão de reeditar o debate sobre o fim da escravatura. Todos eram a favor, mas a unanimidade não passava de ilusão.
É fácil concordar sobre os fins; o problema é estar de acordo sobre os meios e os prazos. Sempre que se falava em datas, a maioria desconversava: o país não estava preparado, era preciso esperar por futuro incerto e distante.
Em 1847, um agricultor esclarecido, o barão de Pati de Alferes, se escandalizava com a aniquilação da mata atlântica no manual prático que escreveu sobre como implantar uma fazenda de café: ‘Ela mete dó e faz cair o coração aos pés daqueles que estendem suas vistas à posteridade e olham para o futuro que espera seus sucessores’.
De nada adiantou: o café acabou devido à destruição dos solos. A joia da economia imperial deu lugar às cidades mortas fluminenses e paulistas. Não foi só naquela época. No auge da pecuária no Vale do Rio Doce, como lembra o ex-ministro José Carlos Carvalho, um hectare sustentava 2,8 cabeças de gado; hoje, mal chega a 0,6!
Produto do passado da erosão e da secagem das nascentes, o processo agora se acelera por obra do aquecimento global, que atingirá mais cedo e mais fortemente áreas tropicais como o Brasil. Sem compatibilização entre produção e ambiente, o destino da agricultura será o do suicídio dos fazendeiros fluminenses e do Rio Doce.
Rubens Ricupero, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda no governo Itamar Franco.
Artigo originalmente publicado pelo Gazeta do Povo.
Artigo indicado por Valdir Lamim-Guedes e republicado pelo EcoDebate, 28/06/2011
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Como é reconfortante ler este artigo do ex-ministro Rubens Ricupero, poderia ter aproveitado o ritmo e o tema para demonstrar a insensatez da construção de Belo Monte, que inundará uma área de mais de 500km² e destruirá mais de 9milhões de hectares, ou seja o equivalente a duas cidades do Rio de Janeiro. Creio que esse é um verdadeiro assassinato, ou indução ao suicídio)que aliás vem ocorrendo em várias tribos indígenas, atingindo não apenas a agricultura que produz alimentos para a população e não a que produz commodities para exportação.Creio que agora é o momento do ex ministro e professor entre outros cargos dignitários que já exerceu, unir-se àqueles que protestam contra a execução da UHE de Belo Monte, uma vez que sua voz e parecer ajudarão a evitar o que parece ser uma birra movida a dinheiro herdada do governo anterior que não encontra quem a defenda exceto os seus idealizadores. Vamos ministro Ricupero, ajude-nos com o seu nome e prestígio.O país, a população indigena e ribeirinha do Xingu lhe serão eternamente gratos.