Madeireiras peruanas avançam e índios entram em conflito na Amazônia, diz Funai
O avanço de madeireiras peruanas na Amazônia está levando ao aparecimento de povos indígenas até agora desconhecidos na fronteira com o Brasil e ocasionando confrontos entre índios isolados e grupos já contatados, diz a Funai (Fundação Nacional do Índio).
A situação é descrita pelo sertanista José Carlos Meirelles, do Departamento de Índios Isolados do órgão e coordenador da Frente de Proteção Etno-Ambiental do rio Envira, no Acre. Estima-se haver 600 índios não contatados na região. A reportagem é de Matheus Pichonelli e João Carlos Magalhães e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 16-08-2008.
Existem três terras indígenas de proteção a índios isolados no Acre que, juntas, somam cerca de 630 mil hectares.
Segundo Meirelles, os isolados estão há mais de um ano e meio sendo expulsos de seus territórios por outros povos aliciados por madeireiras, com o objetivo de abrir espaço à derrubada da floresta no Peru.
Sinais dos grupos desconhecidos foram vistos entre abril e maio deste ano, quando, em um sobrevôo, foram encontradas duas malocas nunca observadas no local – para o sertanista, são de isolados expulsos do Peru. Ele diz saber que se trata de um povo estrangeiro devido ao formato dos objetos encontrados e pela descrição feita por quem já os observou. O corte de cabelo, por exemplo, é diferente entre índios já monitorados.
Ao chegar ao Brasil, diz ele, os isolados encontram integrantes brasileiros das etnias que os expulsaram no Peru, e entram de novo em conflito.
Há dois meses, tiros foram disparados contra uma criança ashaninka – que não ficou ferida. A aldeia dela foi saqueada dias depois. Indígenas relatam, ainda, que têm sofrido ataques com arcos e flechas. É possível que os “migrantes” tenham furtado armas em comunidades de brancos, diz o sertanista. Meirelles cogita ainda a hipótese de que os ataques tenham sido feitos por índios (isolados ou contatados há pouco tempo) usados por madeireiros para afastar grupos rivais e deixar o “terreno limpo” para as empresas.
Para Antenor Vaz, da coordenação de isolados da Funai em Brasília, pode estar acontecendo uma disputa por território. Expulsos de sua área, “migrantes” tentam tomar outras terras do grupo que os expulsou.
“A hora que morrer algum índio outros vão se vingar. Estamos próximos de uma pequena guerra se os governos do Brasil e do Peru não solucionarem esta questão”, afirma Meirelles.
Segundo ele, os índios do Acre já deram um “ultimato” ao órgão federal: “Eles já disseram: “se vocês não derem jeito na situação, nós daremos'”.
No ano passado, uma comunidade de seringueiros chamada Liberdade, na região de Feijó (AC), foi saqueada por isolados, que esperaram os homens do local saírem para atacarem.
Meirelles disse que se reuniu, junto com a cúpula da Funai, com o embaixador do Peru, Hugo de Zela, em 24 de julho, para discutir a situação. Há a possibilidade de que um acordo futuro entre os dois países toque na questão. Procurada desde o começo da semana, a Embaixada do Peru não atendeu aos pedidos de entrevista.
[EcoDebate, 18/08/2008]