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Uma quinzena de meio ambiente contra anos de degradação, artigo de Gustavo T. Gazzinelli

Gustavo T. Gazzinelli1

[EcoDebate] Começou a Quinzena do Meio Ambiente, mas ao revés dos índices de “crescimento econômico”, os últimos dez anos são uma década perdida para a defesa e o avanço das políticas e ações públicas que de fato promovam e protejam o meio ambiente. É necessário mais do que ação coletiva e cooperativa da sociedade civil para salvar esse patrimônio natural e coletivo, que deveria orgulhar a todos e que, bem preservado, seria certamente um forte insumo para afirmarmos que nosso país e nosso Estado de Minas Gerais estão no caminho certo e se desenvolvem.

É paradoxal que o meio ambiente está no caminho inverso do “desenvolvimento”. A nosso ver, a palavra DESENVOLVIMENTO deveria ser abolida quando se tratar de um contexto em que o meio ambiente é maltratado e vilipendiado. Desenvolvimento não pode ser atribuído apenas aos que enchem os bolsos e criam alguns postos de trabalho, subtraindo recursos e sustentabilidade ao bem comum. Isso é a patética afirmação do atraso, que algumas pessoas e instituições hipócritas papagueiam aos quatro cantos ser “desenvolvimento sustentável”. Muito cuidado quando ouvirem essa expressão, ou quando alguém subir no banquinho pra dizer que é “desenvolvimentista”. Essa fachadase encaixa nos que na verdade advogam pela ditadura das grandes corporações econômicas em curso.

Na quinzena do Meio Ambiente, o governo estadual de Minas Gerais resolveu votar algumas “deliberações normativas” no Conselho Estadual de Recursos Hídricos. As versões assinadas pelo Secretário de Estado Adriano Magalhães Chaves vêm regulamentar a cobrança do uso de água da bacia do Rio Doce e sub-bacias afins. Podem ser conferidas na pauta da 70ª Reunião do CERH: http://200.198.22.171/reunioes_cerh_01.asp?x_seq_camara=26&x_data=8/6/2011&x_seq_reuniao=829. Peguemos por exemplo a proposta de DN do Rio Piracicaba – ponto 6 da dita reunião. Ela vem legitimar entre outras coisas a “transposição” de águas entre bacias e sub-bacias hidrográficas.

Peguemos o exemplo de uma empresa que vem propagandeando sua responsabilidade com a água – a Samarco-Vale, que agora está preparando seu terceiro ou quarto mineroduto. Segundo soubemos, os dois primeiros pegam água do rio Piranga para levá-la para o Espírito Santo. O novo mineroduto pretende tirar a água do rio Conceição, no município de Santa Bárbara, afluente do rio Piracicaba. É água boa, que deixará de ajudar o trabalho de diluição de agentes poluentes no baixo Piracicaba e nas águas do Rio Doce – para levar minério para outro Estado. Quando águas para transposição passam a ter um atributo legal, o que o Estado está anunciando é que essa técnica de transporte começará a ser comum. E quando se permite que uma sub-bacia tenha suas águas direcionadas para outra, sem nenhuma discriminação pecuniária ou sobre limite diferenciado para tal uso em relação a outros no território da sub-bacia atingida, está se dizendo que o “Mercado” está mandando no “Estado” (se é que ele está a merecer esse nome) e nos interesses da sociedade. O que se quer, está nos parecendo, é legalizar o caos.

E tomem ainda a diferença de preço que estão propondo cobrar entre águas classe especial e classe 1 (respectivamente destinadas ao abastecimento e consumo humano, “com desinfecção” e “com tratamento simples”) e uma água classe 2 (destinada ao consumo humano, após “tratamento convencional” – Resolução Conama 357/2005). A DN nº 15 do rio Piracicaba propõe que a água Classe Especial custe 15% a mais e a Classe 1 custe só 10% a mais que aquela que demanda tratamento convencional, com uso de vários reagentes químicos etc. No caso do rio das Velhas, segundo soubemos, os grandes usuários gastam um centavo por metro cúbico usado, tendo um desconto de 50% sobre este valor – ou seja, pagam meio centavo por metro cúbico. Quanto pagará pelo metro cúbico o consumidor dos serviços da COPASA? Faz-se necessário um encontro de contas do valor bruto da água de abastecimento público e o aumento que este valor terá em vista da redução de teores de água devolvidos aos rios como efluentes, pelos grandes usuários. Do mesmo modo, faça-se tal encontro de contas em relação aos subtraídos por eles para transposição, que farão aumentar o custo do tratamento de água dos serviços de abastecimento a jusante, uma vez penalizados pela redução de água de alta qualidade que concorreria para reduzir a poluição e o consequente gasto com tratamento químico, para não falarmos da função ecológica da água para as expécies que dela dependem.

A realidade é que um movimento de indignação (para tomar a expressão aos espanhóis) começa a se formar nessas paragens – em Congonhas, em Conceição do Mato Dentro, Itabira, em Brumadinho e região metropolitana de Belo Horizonte, na região do Alto Rio das Velhas e pelo Espinhaço afora, em Caetité e Jacobina, na Bahia. Estamos cansados de ver a subserviência e a conivência das autoridades do Estado e da Assembléia Legislativa/MG, similar à dos portugueses que martirizaram Tiradentes no período Colonial, a favor da expoliação da nossa riqueza, da nossa natureza e da nossa democracia.

Quando dizemos que os conselhos estaduais do meio ambiente de Minas Gerais são uma fraude (e não parece outro o caso dos conselhos nacionais), é porque entendemos que não é possível legislar pelo interesse público se a maioria deles é dominada pelos segmentos econômicos que se lixam para o interesse público. O governador Anastasia não deu mostra ainda que quer mudar esse quadro. Pelo contrário, na recente chamada para composição dos conselhos a composição dos mesmos permanece em completo desequilíbrio – além de não atender ao princípio básico da gestão integrada de “meio ambiente” e “recursos hídricos”, – como defende a equipe do Projeto Manuelzão – só viável na territorialidade das bacias hidrográficas e, acrescento, dos divisores de bacias, se considerarmos as águas subterrâneas comuns que as alimentam.

A propósito da emenda 164 ao Código Florestal (apoiada pelo PCdoB, PMDB, PSDB e os apoiadores todos do Relatório Aldo Rebelo) – chamou atenção a leitura que o Deputado (este sim) Alfredo Sirkis fez dela no calor da votação da Câmara dos Deputados. Com a emenda, o caput do artigo 8º passou a ter a seguinte redação:

Art. 8º A intervenção ou supressão de vegetação em Área de Preservação Permanente e a manutenção de atividades consolidadas até 22 de julho de 2008 ocorrerão nas hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental previstas em lei, bem como nas atividades agrossilvopastoris, ecoturismo e turismo rural, observado o disposto no § 3º.”

E ainda dizem que estão protegendo e anistiando os pequenos. Desde 2006, a Resolução Conama 369 conferiu à mineração o título de atividade de “utilidade pública”, desta forma permitindo sua intervenção em APPs – sequer se teve o zelo de proteger utilidades públicas mais nobres e pretéritas sobre APPs, APEs e APAs criadas, por exemplo, para proteger o abastecimento público de água. A proposta votada na Câmara é realmente um verdadeiro Cavalo de Tróia, enaltecida pela massa de manobra dos pequenos (que merecem ser tratados distintamente), mas levando dentro um verdadeiro exército de criminosos ambientais que está dominando o Brasil, e ainda falando em “desenvolvimento sustentável”.

1 Jornalista e integrante do MovSAM – Movimento pelas Serras e Águas de Minas

EcoDebate, 07/06/2011

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Alexa

One thought on “Uma quinzena de meio ambiente contra anos de degradação, artigo de Gustavo T. Gazzinelli

  • Parabéns pelo artigo Gustavo. Mais uma vez, vc foi esclarecedor sobre esse assunto. Temos que entender o que está se passando por trás dessa política de regulamentação do uso das águas que está sendo proposta. Mais uma vez interesses políticos e empresariais estão prevalecendo. Até quando continuaremos nas mãos de políticos que não revelam a menor intenção em defender os interesses e anseios populares e sim das empresas financiadoras de campanhas? O voto é dado pelo povo e nós (povo) temos que nos apodeirarmos disso definitivamente.

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