O ‘indescartável’ descarte do lixo atômico
O principal problema da fissão nuclear é a produção de rejeitos radiativos (também chamado lixo atômico), que podem emitir radiações ionizantes por milhares de anos. Como exemplo crucial mencionamos o plutônio 238, cuja meia-vida é de 88 anos. Caso mais dramático ainda é o do plutônio 239, com meia-vida de 240 séculos. Inexiste solução prática e, tampouco, em nível mundial para o problema. Pois não se pode acelerar o processo do decaimento radioativo de um isótopo senão respeitar o seu tempo de meia-vida. Parte dos rejeitos pode ser reaproveitada, como o 239Pu gerado nos reatores. E essa foi a opção adotada pelas autoridades nucleares do Japão, de empregar o MOX numa das unidades do complexo de Fukushima.
Tradicionalmente os rejeitos nucleares são classificados em três tipos: (1) HLW (High Level Waste), que é o combustível irradiado pelo núcleo; (2) ILW (Intermediate Level Waste), representado pelo material metálico que entrou em contato com o combustível nuclear ou com o reator; e (3) LLW (Low Level Waste), que engloba as roupas de proteção, equipamentos de laboratório ou algum outro material que tenha tido contato com o material radiativo.
Os rejeitos do tipo ILW e LLW devem ser armazenados em locais fechados e blindados até que a atividade radiativa decaia em nível de baixo impacto ambiental. Já os rejeitos HLW devem ser isolados por milhares de anos. Algumas soluções já foram levantadas por pesquisadores. Até mesmo a possibilidade de enviar o lixo atômico para o espaço sideral, onde em elevadíssimas altitudes a radiatividade é mais intensa ainda. Essa saída, contudo, esbarra na baixa confiabilidade no lançamento de foguetes. Prova disso é que, por volta de 1985, uma espaçonave tripulada norte-americana da missão Challenger explodiu 30 segundos após o seu lançamento da base de Cabo Canaveral.
Outras soluções sempre temporárias envolvem o sepultamento dos resíduos de alta radiatividade em minas subterrâneas de sal. É o que faz a Alemanha, por supor que, como estruturas geológicas antigas e estáveis, as minas salinas desativadas se manterão íntegras por longo período de tempo. Já os Estados Unidos optaram por enterrar os rejeitos em regiões desérticas. Há décadas eles depositam o lixo atômico em túneis construídos no deserto do Arizona. E ainda está em fase de discussões acaloradas e de grandes polêmicas a escolha como local para depósito desse tipo de rejeito em Yucca Mountain (no Estado de Nevada e a cem quilômetros de região habitada).
Em Angra dos Reis, que conta com duas centrais nucleares em operação e a terceira planta em fase de construção, os resíduos de baixa radiatividade (na maior parte luvas e equipamentos contaminados) são guardados em contêineres alojados em galpões de concreto construídos em prédio anexo às usinas.
Os de média atividade também ficam em galpões, mas recebem tratamento especial. “Garras” de metal empilham os recipientes que armazenam os líquidos do circuito fechado que passam pelos reatores, em galpões envoltos por concreto. O operador dessas “garras” fica em uma antessala protegida por vidros reforçados por chumbo para evitar contato com a radiação.
Ainda não foi definido, segundo o governo, o destino final do preocupante e sempre perigoso lixo nuclear brasileiro. Porém, as usinas são obrigadas a armazenar o material provisoriamente. Em 2019, esgota-se o espaço nos depósitos intermediários de Angra 1 e 2. Ainda estão em andamento (sempre segundo o poder público) estudos para a construção de um depósito definitivo, onde os rejeitos de baixa e média atividade descansarão até que se tornem menos nocivos. Mas por enquanto nada foi decidido. O início do funcionamento de Angra 3, previsto para dezembro de 2015, está condicionado à construção de um depósito definitivo.
Já os rejeitos de alta radiatividade, constituídos pelo combustível nuclear após sua utilização, são armazenados em uma “piscina” junto aos reatores. Embora alguns países reutilizem esse tipo de rejeito, o Brasil diz ainda não ter planejado reciclá-lo. O certo é que esse tipo de material deve permanecer com a usina permanentemente e sob cuidado, mesmo depois de ela ser descomissionada (o que no jargão técnico significa ser desativada). Além de depósitos em piscinas, Angra 1 e 2 contam com sarcófagos reforçados que abrigam o maquinário utilizado nas usinas.
Como imagens valem mais que palavras, sugerimos que os interessados pelo tema assistam pela internet ao curtíssimo vídeo, disponível apenas em inglês, Johnston island and radioactive residues, como adequadamente nos lembrou o destacado docente do Instituto de Química da USP (do qual foi um dos diretores) Paulo Sérgio Santos. Preparem-se, contudo, para assistir a imagens estarrecedoras. Seja como for, somos reconhecidos ao professor Paulo Sérgio, a quem agradecemos pela feliz e oportuna lembrança. E com quem, aliás, concordamos em gênero, número, grau e caso.
Paulo Marques é jornalista
Reportagem de Paulo Marques, no Jornal da USP, publicada pelo EcoDebate, 17/05/2011
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