Rio Paraíba do Sul sofre contaminação por vazamento de resíduos químicos em depósito da CSN, diz MPF
Um vazamento de resíduos químicos em depósitos da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) em Volta Redonda, na região sul do Rio de Janeiro, está levando material tóxico para o rio Paraíba do Sul – a principal fonte de abastecimento de água para mais de 12 milhões de pessoas no Estado, entre os quais 85% dos moradores da região metropolitana. Segundo o procurador da República Rodrigo Lines, ainda não é possível mensurar as proporções e o impacto dessa contaminação. Reportagem de Hanrrikson de Andrade, no UOL Notícias.
“Nas primeiras intervenções que fizemos, descobrimos a existência de um córrego que passa por todas essas áreas e deságua diretamente no rio Paraíba do Sul. Ainda não é possível precisar o grau de contaminação e o impacto socioambiental, mas não tenho a menor dúvida de que esse riacho está levando material tóxico para o rio”, afirma Lines.
O material teria vazado para o córrego que passa pelos quatro depósitos (irregulares, segundo o Ministério Público) mantidos pela CSN na região e, consequentemente, poluído as águas do rio. De acordo com o assessor técnico do Instituto Estadual do Ambiente (Inea), Sérgio Alves, estima-se que os resíduos industriais que deságuam no Paraíba do Sul podem ter contaminado um volume de até dez mil litros de água, mas ainda não fora constatada morte de espécies e, por esse motivo, a situação não é emergencial.
O Inea diz que a Nickol do Brasil, empresa contratada pela Companhia Siderúrgica Nacional para elaborar estudos geoambientais das áreas afetadas, colocou pontos de monitoramento na região. Esse procedimento indicará o grau de contaminação, que pode variar de acordo com as características do solo.
“A gente ainda não sabe os detalhes da estrutura subterrânea. Se o solo for poroso, a contaminação se dá com mais velocidade, diferentemente do solo argiloso. Às vezes aquele trecho pode ter rochas permeáveis. Nós ainda estamos descobrindo o que tem ali. (…) Mas acho que não vai chegar tanto material ao rio Paraíba. Esses produtos vão percolar (termo técnico para vazar para o solo) do lençol e o próprio material pode acabar funcionando como uma espécie de barreira”, disse Alves.
De acordo com o procurador da República, não está descartada a possibilidade de a CSN ser indiciada por crime ambiental, mas o processo pode levar até mais de um ano. Segundo o artigo 68 da Lei de Crimes Ambientais, cabe ação judicial se o acusado “deixar, aquele que tiver o dever legal ou contratual de fazê-lo, de cumprir obrigação de relevante interesse ambiental”. Contudo, Lines diz que esse não é o foco inicial da investigação.
Outro lado
Em nota oficial divulgada nesta terça-feira (10), a Companhia Siderúrgica Nacional se defende das acusações e diz que “o monitoramento ambiental da referida área é regularmente realizado até os dias de hoje”. Além disso, a empresa argumenta que um dos depósitos, conhecido como Márcia 1, nunca operou clandestinamente e que “a utilização do local deu-se com absoluto conhecimento das autoridades competentes”. A CSN não entrou em detalhes sobre os outros três aterros.
A reportagem do UOL Notícias tentou entrar em contato por telefone com a empresa Nickol do Brasil, mas o funcionário responsável pelo projeto em Volta Redonda não estava disponível para comentar o caso.
Bairro contaminado
O bairro Volta Grande 4, vizinho a um dos depósitos da CSN, pode estar inteiramente contaminado, o que ofereceria risco para cerca de 770 famílias. O estudo que apontará o grau de contaminação e as possíveis consequências para a saúde dos moradores ainda não foi concluído. Por ora, não se pode plantar ou captar água subterrânea no local.
O Ministério Público Federal cobra da CSN um plano de ação que possibilite a remoção total dos resíduos tóxicos por meio da assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), porém a empresa só aceita esse tipo de tratamento se for constatado que ainda há vazamento no local. O terreno fora doado pela companhia ao Sindicato dos Metalúrgicos no fim da década de 90 e deu lugar a um bairro construído nas proximidades de duas células de material tóxico.
No decorrer da construção do Volta Grande 4, anos mais tarde, uma das células – caixa que armazena resíduos do processo industrial – se rompeu e o material químico entrou em contato com o solo. De acordo com o Inea, o solo e o lençol freático da região foram afetados. O vazamento foi descoberto há 11 anos.
Multa bilionária
Os quatro depósitos – irregulares, segundo o Ministério Público Federal – mantidos pela CSN em Volta Redonda são identificados como Márcia 1, Márcia 2, Márcia 3 e Wandir. A área de abrangência dos aterros, que está localizada a cerca de um quilômetro do rio Paraíba do Sul, recebia resíduos da classe 1, isto é, materiais que oferecem maior risco à saúde. Por ora, o Ministério Público Federal move uma ação civil pública contra a companhia siderúrgica pelo Márcia 1, o primeiro lixão industrial descoberto, em agosto de 2010.
O MPF calculou uma multa de R$ 1 mil por metro cúbico, o que representaria cerca de R$ 500 por tonelada de resíduos. Como o local possui 300 mil metros cúbicos e algo em torno de 540 mil toneladas de material industrial, o valor da ação está em quase R$ 300 milhões. A considerar que os outros depósitos possuem características e estatísticas semelhantes, o valor total de uma possível indenização ultrapassaria R$ 1 bilhão.
“Esse é um valor módico de indenização, se considerarmos que são R$ 500 por tonelada. Mas essa multa vai servir para demonstrar o quão grave é a extensão desse problema”, diz o procurador da República Rodrigo Lines.
A próxima audiência sobre a ação civil pública no Tribunal Regional Federal está marcada para o dia 17 de maio, na qual será julgado o recurso da suspensão da liminar. “A decisão monocrática do relator do TRF, que suspendeu a liminar, acabou servindo como um salvo-conduto para que a CSN não faça nada a respeito dos depósitos e, inclusive, desrespeite ordens da Justiça”, diz o procurador.
O MPF ainda pretende abrir processos individuais para cada depósito, segundo Lines. “Vamos tratar separadamente cada aterro. A ideia é que cada um tenha uma ação judicial individual”, disse.
O Márcia 1 foi descoberto por acaso durante a construção da Rodovia do Contorno, obra da estrutura viária em Volta Redonda. Um grupo de operários que estava escavando um trecho da via passou mal ao sentir um forte cheiro de produto organofosforado, que tem odor semelhante ao do enxofre.
De acordo com o procurador da República, a interdição do trecho em razão das obras do Rodovia do Contorno é o principal ponto a ser discutido para que o problema nessa área seja enfim solucionado. Segundo ele, o Márcia 1 não oferece tanto perigo ambiental e o perfil litográfico do local permite que os resíduos sejam tratados sem a necessidade de remoção.
A Companhia Siderúrgica Nacional informou que a empresa firmou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com a antiga Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (Feema), atual Instituto Estadual do Ambiente (Inea), em 2000, que preconizava o monitoramento obrigatório do aterro em questão. A CSN argumenta que está cumprindo desde então os compromissos estabelecidos. Segundo a companhia, o Márcia 1 começou a ser utilizado em 1983 e foi encerrado quatro anos depois.
Negociação
O Ministério Público Federal e o Inea acusam a Companhia Siderúrgica Nacional de dificultar as negociações. Em fevereiro deste ano, o Tribunal Regional Federal suspendeu uma liminar aprovada pela Justiça Federal em Volta Redonda que obrigava a CSN a se responsabilizar pela remoção imediata dos resíduos do aterro Márcia 1. Desde então, relata Lines, a companhia chegou a apresentar um novo plano de ação, que fora aprovado pelo Inea, mas desistiu da execução na última hora.
“Eles disseram que só fariam o acordo se o Ministério Público desistisse do pedido de indenização. (…) O processo de negociação com a CSN é extremamente difícil. A gente nunca tem acesso aos dirigentes que efetivamente têm poder de decisão. Tudo depende do interesse deles, às vezes a empresa manda um diretor corporativo ou um gerente ambiental, sempre acompanhados dos advogados locais. Já são dois anos negociando com a CSN e o processo é realmente complicado”, explica.
O assessor técnico do Inea Sérgio Alves também reclama da postura da CSN e diz que a companhia envia advogados para as reuniões entre as partes interessadas em vez de técnicos ou especialistas que possam ajudar efetivamente na resolução do problema.
“Eles têm relutado para retirar esse material de lá, desde agosto de 2010, quando o depósito foi descoberto. Querem amarrar com outros procedimentos. Há um aterro clandestino lá e isso precisa ser resolvido, tanto a retirada dos resíduos como a recuperação do local. Mas eles não querem discutir tecnicamente, querem impor procedimentos jurídicos”, reclama.
Por meio de sua assessoria de imprensa, a CSN considerou precipitada a acusação do Ministério Público Federal em relação ao vazamento de resíduos industriais para o rio Paraíba do Sul e argumentou que ainda não há um estudo técnico que comprove a contaminação
Histórico negativo
Em dezembro do ano passado, a Companhia Siderúrgica Nacional foi multada em R$ 20,16 milhões pelo Inea em razão de um vazamento de resíduos de carvão mineral, altamente tóxico, no rio Paraíba do Sul. O acidente teve origem na Estação de Tratamento de Efluentes do Alto-Forno 2 da CSN, que levou à suspensão da captação de água nas estações de Pinheiral e Vargem Grande, da Cedae.
O acidente liberou dois milhões de litros de resíduos tóxicos no rio, o que colocou em risco o abastecimento de água de mais de oito milhões de consumidores, em especial na Baixada Fluminense. O problema começou com uma falha num tanque de acumulação de resíduos da lavagem de gases do alto forno da siderúrgica. Na ocasião, a então secretária estadual de Meio Ambiente, Marilene Ramos, reclamou da frequência com que ocorrem vazamentos na empresa prejudicando o rio Paraíba do Sul.
O governo estadual chegou a cogitar a possibilidade de intervir diretamente no departamento ambiental da empresa. Segundo Ramos, a ideia era “colocar uma equipe de fiscalização 24 horas lá dentro”, nomeada pelo Estado e custeada pela siderúrgica.
Em 2009, depois do vazamento de um material oleoso da unidade de carboquímicos que também atingiu o Paraíba do Sul, a CSN passara por uma ampla auditoria e se comprometeu por meio de um TAC a realizar investimentos em compensações ambientais e ações preventivas. A auditoria concluiu que a siderúrgica, instalada há mais de 50 anos, não atendia aos padrões ambientais previstos na legislação. Na ocasião, a companhia foi multada em R$ 5 milhões.
EcoDebate, 12/05/2011
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