Até hoje, 25 anos depois, pessoas afetadas pelo desastre de Chernobyl vivem com as sequelas
Infográfico no Correio Braziliense
Em 1986, Nathalia Manurova levava uma vida tranquila como engenheira em Chelyabinsk, na fronteira da Rússia, então parte da União Soviética, com o Cazaquistão. Seguindo ordens do governo comunista, ela foi mandada para ajudar a minimizar as consequências de um acidente em uma central nuclear. Nada demais para uma pesquisadora que estudava justamente formas de reduzir os efeitos de vazamentos nucleares no meio ambiente. Nathalia ainda não sabia, mas aquela missão mudaria seu destino. Reportagem de Max Milliano Melo, no Correio Braziliense.
Naquele momento, ela se tornava um dos 600 mil “liquidadores” — como são chamadas as pessoas que trabalharam na descontaminação da área — da usina de Chernobyl, na Ucrânia, onde há 25 anos ocorreu o maior desastre atômico da história. Sem saber que estava sendo mandada para uma região altamente contaminada, onde qualquer ser vivo corria perigo, Nathalia cumpriu sua missão durante cerca de quatro anos, buscando forma de despoluir rios, florestas e o ar do local.
Os efeitos da exposição à radiação não demoraram a surgir. “Em 1988, dois anos depois de ter chegado à região, fui hospitalizada pela primeira vez, para cuidar de problemas gastrointestinais causados pela absorção de material radiativo”, conta hoje ao Correio. Sem terem informações corretas do governo sobre a extensão do desastre, a engenheira e seus colegas permaneceram durante meses na região, vendo sua saúde se deteriorar. “Em 1990, foi encontrado um câncer na minha tireoide, que foi extraído. No ano passado, outro tumor foi detectado, mas, graças a Deus, dessa vez não era maligno”, completa.
Os dois tumores e o problema gastrointestinal não foram nem de longe o principal problema de saúde causado pela exposição à radiação de Chernobyl. Quando deixou o trabalho na antiga usina, em 1994, a engenheira russa estava com a saúde tão debilitada que nem sequer podia garantir o sustento da filha e o próprio. Foi então viver com a avó. “Logo antes de eu deixar a região, minha mãe morreu de câncer, também vítima da radiação. Eu estava sem emprego, sem saúde, sem família, sem meios de subsistência e tinha que cuidar da minha filha. Para sobreviver, todas as noites, quando ninguém estava olhando, eu saía para recolher garrafas. No dia, seguinte as vendia para comprar comida”, relembra. Para piorar a situação, ela descobriu que a radiação causou uma mutação em 20% de seus cromossomos. “Tenho síndrome diencefálica, uma alteração em uma área cerebral chamada diencéfalo. As dores de cabeça são terríveis e não cessam por um minuto.”
Mortes e doenças
O contato com outras pessoas que enfrentavam problemas semelhantes fez a russa perceber que não era um caso isolado. A falta de informação no período do vazamento ampliou o poder destrutivo da nuvem radioativa. Hoje, ela trabalha para que aqueles que sofreram de maneira direta ou indireta recebam apoio dos seus governos. “Nas contagem oficiais, os filhos das vítimas da radiação não são contados como vítimas, o que eu discordo. E seu sofrimento mental? A pobreza que tiveram que passar? O medo do futuro?”, questiona. Segundo a ONG Chernobyl Union, 35 mil dos liquidadores morreram por causa da radiação e outros 95 mil apresentam sequelas da exposição.
A falta de informações e orientações oficiais provocou pânico e desespero em boa parte da população da região onde aconteceu o acidente. “Não havia informação nenhuma. Embora nada fosse dito oficialmente, todos sabiam que algo de muito grave estava acontecendo”, diz Ihor Hrushko, hoje embaixador da Ucrânia no Brasil. “A única informação que recebemos foi para ficarmos em casa e mantermos portas e janelas fechadas”, conta.
No auge da contaminação, mais de 5 milhões de pessoas tiveram que sair de suas casas em busca de regiões mais protegidas. A evacuação começou por mulheres e crianças. “Nosso maior medo era de que a radiação atingisse Kiev, onde morávamos. Sem explicações, o governo retirou mulheres e crianças. Tive que me separar de minha família”, lembra o diplomata. A esposa e o filho do ucraniano foram mandados em imensos comboios que seguiam para o sul do país. “Fiquei meses sem vê-los.”
Cidades abandonadas
Com o objetivo de conscientizar o mundo sobre a importância de se investir em segurança nas usinas nucleares, o governo da Ucrânia liberou a região para visitas de turistas. O engenheiro carioca criado em Brasília Frederico Cesarino, 30 anos, foi um dos que experimentaram o passeio pelas cidades fantasmas de Chernobyl e Pripyat. Dentro de uma van lacrada, ele visitou as ruínas da região que já abrigou um dos principais centros energéticos do leste europeu. Carros de combate, instalações militares, prédios residenciais e escritórios se decompõem com o tempo. Tudo foi abandonado às pressas após as ordens de evacuação soviéticas. “Sinceramente, a impressão que dá é que, se eu prestasse mais atenção, poderia até mesmo ouvir os gritos de desespero do povo que residia lá. Não é uma sensação muito agradável”, conta. Cesarino preferiu não entrar na usina abandonada, onde os visitantes podem permanecer por até 20 minutos. “Por receio, quis sair de lá o mais rápido possível.”
O fotógrafo belga Thierry Buysse, que registra locais abandonados ao redor do mundo, visitou a região duas vezes. Em 2005, conseguiu uma autorização para percorrer a região a pé e passar a noite. A impressão dele foi tão marcante quanto a do brasileiro. “Foi uma sensação esmagadora estar a poucos metros do epicentro do maior acidente nuclear da história”, relembra o rapaz. “Andar e passar a noite em um lugar onde já viveram 50 mil pessoas e hoje é um retrato do abandono foi uma sensação única e extremamente intensa”, conta Buysse, que voltou à região em 2008 e mantém uma exposição virtual (www.reactor4.be) sobre a tragédia.
Presidente russo visita usina
O aniversário de 25 anos do desastre de Chernobyl, ontem, foi marcado pela primeira visita de um presidente russo às ruínas da antiga usina nuclear. Acompanhado pelo colega ucraniano Viktor Yanukovych, Dmitri Medvedev visitou o antigo complexo energético, palco da maior tragédia nuclear de todos os tempos. “Estamos lembrando uma data trágica. Vinte e cinco anos se passaram e nós entendemos que acidentes nucleares têm consequências colossais para a população”, afirmou Yanukovych.
Os dois presidentes homenagearam os chamados liquidadores, pessoas que trabalharam na contenção da radiação que era liberada na usina. “O mundo compreendeu que catástrofes como essa não podem ser enfrentadas por um país sozinho”, completou Yanukovych. “As consequências desse acidente poderiam ter sido ainda piores. Elas já foram gigantescas, mas precisamos nos lembrar disso”, afirmou Medvedev, em referência ao trabalho realizado por cerca de 600 mil pessoas que contiveram o vazamento de material nuclear e impediram que os danos fossem ainda maiores.
Cúpula
Apesar de inúmeros protestos que utilizaram a data para pedir o fim do uso da energia nuclear, os dois países, que com a Bielorrússia foram os mais atingidos pelo acidente, reafirmaram a importância do uso da energia atômica. “Ninguém ofereceu ainda novas fontes de energia”, disse o chefe de Estado da Rússia, que anunciou que está convocando outras nações para uma cúpula regional sobre energia nuclear. “Enviei hoje aos dirigentes dos principais países, a nossos amigos e parceiros da Comunidade de Estados Independentes, e certamente à Ucrânia, uma proposta buscando garantir o desenvolvimento necessário da segurança nuclear no mundo”, completou.
EcoDebate, 28/04/2011
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