MPF/TO requer condenação de empresário por redução de trabalhadores à condição de escravo
Em alegações finais apresentadas à Justiça Federal, são ressaltadas provas da sujeição a condições degradantes de trabalho, além da negativa em prover direitos assegurados pela legislação trabalhista
O Ministério Público Federal no Tocantins (MPF/TO) manifestou-se favorável à condenação de Walter Luiz da Silva Martins e Galdino José do Vale por reduzirem 21 trabalhadores rurais a condição análoga à de escravo na fazenda Ouro Verde, no município de Dois Irmãos, sujeitando-os a condições degradantes de trabalho e frustrando mediante fraude seus direitos trabalhistas. Em alegações finais apresentadas à Justiça Federal, o MPF ressalta o pedido da ação penal proposta em março de 2009 que imputa aos dois denunciados a prática do crime tipificado no artigo 149 do Código Penal. Walter responde sozinho também pelos crimes previstos nos artigos 203 e 297, parágrafo 4º, na forma do artigo 70, todos do Código Penal brasileiro.
Walter era sócio-gerente da empresa Reflorestar Com. Atacadista de Produtos Florestais Ltda., que tem como atividade o cultivo de eucaliptos, para o que arrendou fazendas no Tocantins, dentre elas a Ouro Verde. O gerente Galdino contratou os trabalhadores na região do Bico do Papagaio, de onde foram transportados em caminhão coberto com lona preta. As condições degradantes foram constatadas durante fiscalização do Grupo Especial de Fiscalização Regional de Combate ao Trabalho Degradante, no período de 4 a 26 de abril de 2007.
Os trabalhadores foram encontrados em barracos de lona, sem acomodações adequadas para refeição, dormindo em redes excessivamente próximas umas das outras e trabalhando sem equipamentos de proteção individual e sem garantia de descanso remunerado. A água disponibilizada era imprópria para o consumo, coletada de um poço localizado próximo à cozinha e de córregos que passavam nas imediações das frentes de serviços. Apesar de suja, não passava por nenhum tipo de tratamento.
O repouso noturno era comprometido em virtude da precariedade dos alojamentos, sendo um sem paredes ou qualquer outro tipo de proteção que ultrapassasse o telhado coberto de lona preta, e outro de madeira sem qualquer janela que fornecesse meios de circulação de ar no local. Não havia instalações sanitárias nem condições de habitabilidade. Quando chovia, as goteiras tornavam o ambiente ainda mais insalubre. Os trabalhadores dormiam em redes quase sobrepostas umas as outras, o que contribuía para a inexistência do descanso.
Os trabalhadores não tinham anotação do vínculo de emprego na CTPS. A fraude na frustração dos direitos dos trabalhadores é caracterizada pela circunstância de os trabalhadores serem obrigados a assinarem contra – cheques, sem receber a contrapartida em salários, pois o pagamento era relativo apenas às diárias trabalhadas. Eles não dispunham de repouso semanal remunerado, pois trabalhavam aos domingos para receber a diária correspondente.
A circunstância de os trabalhadores libertados terem se deslocado da região do Bico do Papagaio para o município de Dois Irmãos também caracteriza ofensa ao direito de liberdade. Seja pela distância do seu município de origem, seja pela inexistência de outras oportunidades, os trabalhadores não tinham possibilidade de evitar as condições degradantes de trabalho.
Escravidão moderna – A manifestação ressalta que para reduzir uma pessoa a condição análoga à de escravo basta submetê-la a trabalhos forçados ou jornadas exaustivas, bem como a condições degradantes de trabalho, ou ainda restringir sua liberdade de locomoção. No caso em análise, foi comprovada a ocorrência da sujeição dos empregados da Fazenda Ouro Verde a condições degradantes de trabalho.
A legislação atual possui um conceito de escravo que deve ser considerado em seu sentido amplo, sem retorno à ideia de trabalhadores aprisionados ou acorrentados, sob total vigilância do patrão e sujeitos a violentos castigos pelo não cumprimento de suas funções. Para a configuração do delito, é suficiente que exista uma submissão fora do comum, com ou sem recebimento de salário, porém sem conseguir dar rumo próprio à sua vida.
Fonte: Procuradoria da República no Tocantins
EcoDebate, 11/04/2011
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