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A utopia verde de Masdar City, em Abu Dhabi, se depara com a realidade

Masdar City, em Abu Dhabi

O emirado petroleiro, diante da crise financeira, revê as metas do projeto da cidade ecológica de Masdar

Visível em um raio de quilômetros, uma fortaleza ocre se ergue nas areias de Abu Dhabi, presença imprópria no deserto que cerca o aeroporto. Nenhum vestígio histórico aqui: primeiro esboço da cidade ecológica de Masdar, o conjunto de prédios, sede do Instituto de Ciência e Tecnologia, forma a vitrine de um futuro no qual o emirado petroleiro se vê como a capital das energias renováveis. Reportagem de Grégoire Allix, Le Monde.

Ruelas para pedestres refrescadas por um nebulizador gigante, pequenas lojas abertas para praças sombreadas, cobertas por painéis solares: a ilhota, que abriga os laboratórios e as residências de quase 200 pesquisadores, oferece uma visão sedutora do futuro rosto de Masdar, o oposto do modelo urbano consumidor de energia que domina nos emirados, assim como em boa parte do planeta.

O projeto de Masdar, que ao longo das publicações na imprensa e das conferências internacionais se tornou o ícone da cidade ecológica, foi lançado em 2006, com a ambição de se tornar, em 2016, a primeira cidade no mundo com emissão zero de carbono, livre de resíduos e de carros. Uma cidade que deveria acolher 40 mil habitantes e 50 mil trabalhadores em 700 hectares, em um cenário espetacular assinado pelo prestigioso arquiteto britânico Norman Foster, misturando inovações high-tech e arquitetura árabe tradicional. O custo desse projeto, realizado pela empresa estatal Mubadala, é igualmente impressionante: US$ 22 bilhões (cerca de R$ 35 bilhões) – ao menos se o programa for respeitado.

Pois a utopia verde, confrontada à realidade, tem encontrado dificuldades para manter suas promessas. A crise financeira não poupou os países do Golfo. Ela também afetou duramente as companhias estrangeiras que poderiam dar vida à cidade, que pretende se tornar “o Vale do Silício das tecnologias verdes”, um verdadeiro laboratório de energias do futuro.

Resultado: o término das obras foi adiado para 2025, na melhor das hipóteses. Acima de tudo, as metas foram revistas, a ponto de o emirado não falar mais em cidade com “emissão zero de carbono”, mas sim em “baixo nível de emissões de CO2”. “Alguns elementos eram inutilmente custosos, e nós devemos ser sustentáveis, inclusive no plano econômico”, explica o diretor do projeto, Alan Frost.

À frente de uma equipe de 75 pessoas instaladas em uma vila de bangalôs pré-fabricados ao redor do local, esse engenheiro australiano, especialista em mega-operações imobiliárias, está lutando para relançar um projeto que corre o risco de atolar na areia. “Para a primeira fase, nós mesmos desenvolvemos os programas imobiliários: o setor privado está esperando até que a operação tenha atingido uma massa crítica, para se arriscar. Atrair boas empreendedoras levará tempo”, reconhece Frost. Embora Masdar seja uma zona franca, é difícil atrair investidores para uma operação experimental em pleno deserto, a 25 quilômetros do centro da cidade, sendo que nesse mesmo momento Abu Dhabi está aumentando os projetos de desenvolvimento urbano, 50 mil hectares do novo distrito de Capital City nos bairros balneários de Saadiyat Island. Em um momento, também, em que a crise está interrompendo ou desacelerando vários programas, como mostram as estruturas de torres abandonadas há dois anos em um canteiro de obras de Al Raha Beach, entre pontes inúteis que passam por cima de areia, somente.

Para evitar que Masdar tenha o mesmo destino, foi preciso fazer escolhas. Sai de cena a plataforma de sete metros de altura sobre a qual deveria ser erguida toda a cidade, a exemplo do Instituto de Ciência e Tecnologia, para captar o frescor das brisas e relegar os transportes ao subsolo. A cidade será construída diretamente sobre o solo, uma economia de 15% em relação a seu custo total.

Adeus também aos futuristas carrinhos elétricos de orientação magnética, que transportariam os habitantes por uma rede de galerias subterrâneas. “Nós seríamos prisioneiros dessa tecnologia, sendo que os veículos elétricos padrão têm feito enormes progressos e oferecem soluções evolutivas flexíveis”, argumenta Alan Frost.

Do projeto inicial, resistirá somente a instalação-piloto de treze carros que já atendem o Instituto de Ciência e Tecnologia. Quanto ao resto, as ruas de Masdar serão simplesmente “favoráveis aos pedestres”, que deverão dividir as vias com ônibus e carros – elétricos, se possível.

Por fim, é deixado de lado o objetivo de cobrir todos os edifícios com painéis solares para torná-los autossuficientes em energia elétrica: o projeto agora se orienta para uma ligação a uma rede externa, alimentada em parte pelas usinas solares ou eólicas desenvolvidas pela subsidiária Masdar Power.

Será que esses ajustes farão de Masdar City uma operação imobiliária como outra qualquer, revestida somente de um verniz ecológico, da mesma forma que outros bairros de Abu Dhabi têm apostado na cultura ou na Fórmula 1? “Hoje, Masdar é menos utópica e mais realista. Isso torna o projeto mais pertinente, pois seus avanços serão mais fáceis de reproduzir”, acredita seu diretor. Uma reprodução que ainda é difícil de distinguir entre os outros projetos de Abu Dhabi, do lado de fora dessa área de 7 quilômetros quadrados.

Tradução: Lana Lim

Reportagem do Le Monde, no UOL Notícias.

EcoDebate, 05/04/2011

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