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A crise hídrica na China


Aparentemente o tema nada interessa ao Brasil, mas isto é apenas aparente, principalmente se a China continuar com grandes problemas socioambientais, com impactos globais.Bem, mas em que a crise hídrica chinesa nos interessa? Vejamos algumas considerações. Por Henrique Cortez, do EcoDebate.

Recentemente a China anunciou a construção de 30 novos reatores nucleares, até 2020 e a interrupção de 26 grandes projetos hidrelétricos, o que parece inconsistente com a imensa demanda de energia elétrica exigida pelo crescimento econômico chinês.

Os mega-reservatórios da hidrelétricas chinesas causaram problemas socioambientais que o governo não mais pretende suportar. Dezenas de milhões de pessoas foram reassentadas, houve uma grande perda de terras férteis (absolutamente fundamentais para o desenvolvimento da China) e os reservatórios acumulam poluição.

Diante da contaminação de 70% dos rios chineses, os reservatórios, na prática, tornaram-se grandes tanques de decantação. Isto sem falar da contaminação por arsênico, que já ultrapassou quaisquer limites aceitáveis.

Isto é um sério problema, se considerarmos que os reservatórios possuem usos múltiplos, com destaque para abastecimento urbano e irrigação. Em relatório de avaliação, no início de 2005, o governo de Beijing reconheceu que 360 milhões de chineses bebem água contaminada e que 70% dos rios e lagos estão poluídos. Dados oficiais indicam que 90% da água consumida na China não é tratada e o tratamento de esgoto não chega a 5%.

Neste quadro, a contaminação dos reservatórios é uma verdadeira tragédia. Este foi o primeiro argumento para a opção nuclear. A demanda de energia elétrica para os sistemas de purificação de água por osmose reversa é o segundo argumento.

A China, atualmente com 1,3 bilhão de habitantes, possui 21% da população mundial, mas apenas 7% dos recursos hídricos. Isto deve agravar-se até 2030 quando as projeções indicam que chegará a 1,6 bilhão de habitantes.

Mantida a oferta atual, em 2030 haverá uma demanda de 1.760 metros cúbicos por habitante, o que significará 400 metros cúbicos a menos do que em 2004.

Atualmente, das 660 cidades chinesas, cerca de 100 já estão em situação critica, tendo em vista a poluição dos mananciais. Outras 400 tendem a enfrentar problemas de abastecimento e A disponibilidade de água por pessoa é somente 1/ 32 do nível médio internacional.

De acordo com Qiu Baoxing, ministro da construção, efluentes domésticos e industriais já despejaram 200 bilhões de toneladas de resíduos em rios e lagos chineses, contaminando 90% dos rios em áreas urbanas, o que é um problema ainda mais grave no árido norte chinês.

O norte da China possui um terço da população, mas apenas 6% dos recursos hídricos. Os governos da China e Rússia negociam a transposição de águas do lago Baikal, na Sibéria, para a fronteira chinesa com Mongólia. O lago Baikal possui o volume de 23.600 quilômetros cúbicos de água, o que equivale a 20% da água superficial mundial.

O norte semi-árido da China é a sua nova fronteira agrícola e exigirá um imenso esforço para sua irrigação. Por isto é tão estratégico para o desenvolvimento chinês.

Na tentativa de remediar o problema de oferta no norte do País, o governo lançou um gigantesco programa de transposição a partir do rio Amarelo que, quando estiver plenamente operacional em 2050, deverá transpor 45 bilhões de metros cúbicos de água, ao custo total de 60 bilhões de dólares, o dobro da represa Três Gargantas, o maior projeto hidrelétrico do mundo.

Os canais projetados, com 1.300 quilômetros de extensão, se integrarão a 32 rios e 12 dos principais afluentes.

Considerando um desnível médio de mil metros entre o rio Amarelo e o norte semi-árido, é perceptível a grande demanda de energia elétrica para o bombeamento. Este é o terceiro argumento da opção nuclear, porque os reatores podem ser “espalhados” ao longo do sistema com mais eficiência.
E eficiência do sistema é uma questão chave porque a China ainda não possui um sistema interligado de geração e distribuição de energia elétrica, nos moldes do que acontece no Brasil.

Séculos de negligência no tratamento de efluentes somam-se ao crescimento populacional, levando a China a uma crise gigantesca.

O Brasil, diante dos desafios chineses, mais do que exportar soja, pode oferecer experiência e tecnologia em saneamento, tratamento de água, geração de energia, de integração de geração e distribuição de energia elétrica, agricultura sustentável e gestão de recursos naturais, dentre outras oportunidades potenciais.

Por outro lada, esta tragédia chinesa deve servir de alerta para a maioria dos Países do mundo. E o Brasil, com mais de 10% dos recursos hídricos mundiais, é historicamente tão negligente e irresponsável quanto foi a China

Se aprendermos a lição, talvez não tenhamos uma crise com as dimensões da que acontece na China.

Nota do EcoDebate: sugerimos, ainda, que leiam a matéria “A poluição envenena o desenvolvimento da China“, de 02/08/2008.