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Usinas do Madeira: problemas nos projetos foram ignorados, artigo de Telma Monteiro

[EcoDebate] A vida útil das usinas do Madeira já foi objeto de discussão. Uma das principais dúvidas ainda é o assoreamento dos reservatórios das hidrelétricas Santo Antônio e Jirau. Em 2007, o governo contratou o especialista em sedimentos Sultan Alam para dar seu parecer sobre a usina de Santo Antônio.

O consultor internacional, na verdade, foi contratado pelo Ministério de Minas e Energia (MME) para “confirmar” a tese contida nos estudos de Furnas e Odebrecht de que não haveria assoreamento dos reservatórios e perda da vida útil dos empreendimentos. Especialistas e ambientalistas estavam bombardeando o governo com estudos que comprovam a inviabilidade de barrar o rio Madeira, o terceiro maior rio do mundo em transporte de sedimentos.

Sultam Alam elaborou seu parecer sobre a usina de Santo Antônio com base na revisão de relatórios dos estudos de viabilidade, visita ao rio e análises das características de transporte de sedimentos com o reservatório a fio d’água. O reservatório a fio d’água, tem discursado o governo, reduziria os impactos ambientais.

O relatório original, em inglês, do consultor Sultan Alam, foi traduzido na íntegra pelo MME em janeiro de 2007. A minuta, ainda em inglês, só foi encaminhada ao Ibama três meses depois. A minuta da versão do Ibama, em português, foi juntada ao processo de licenciamento com diferenças de conteúdo e de número de páginas. Na versão incompleta faltava um estudo comparativo entre o arranjo original aprovado pela Aneel e outro, mais eficiente, proposto por Sultan Alam e que estava na versão original em inglês e na tradução do MME.

Em 2007, o especialista em hidrossedimentologia contratado pelo governo concluiu que o projeto da usina de Santo Antônio deveria ser alterado. Se fossem modificados os arranjos das estruturas haveria uma economia no custo das obras, diminuição do depósito de sedimentos junto à barragem, maior eficiência no funcionamento das turbinas e redução da área alagada.

Sultan Alam indicou a necessidade de melhorar o processo de saída de areia e cascalhos para evitar o assoreamento do reservatório. Portanto, ele assumiu que haveria assoreamento  e a redução da vida útil da usina. Sultan Alam, em outras palavras, apontou as fragilidades do projeto.

No entanto, a interpretação que o MME e  a ex- Ministra Chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, fizeram do parecer de Sultan Alam, foi diferente. Para eles o parecer confirmara que não haveria assoreamento no reservatório e nem perda de vida útil das hidrelétricas,  além terem sido descartados os impactos na Bolívia.

Sultan Alam detectou e enumerou os problemas no arranjo do projeto original da usina de Santo Antônio, da autoria de Furnas e Odebrecht. Alertou que haveria um custo maior para a sociedade e aumento no prazo de construção. Foi mais além. Fez várias recomendações que no final não foram divulgadas porque não iam de encontro aos interesses do governo. A seguir um texto extraído do relatório do especialista:

“mudança (novo arranjo) deve alterar o procedimento, tempo e custo de construção. Isso pode eliminar a barragem de enrocamento e reduzir significantemente o volume total de escavação. A largura total da superfície d’água no reservatório a fio d’água seria de 1.700 m no lugar de 2.700 m, com redução de 1.000 m.”

Sultan Alam enfatizou também a urgente necessidade de se contruir um modelo hidráulico reduzido para observar o comportamento dos sedimentos no reservatório e na barragem, tanto no arranjo original como no proposto por ele. Fez uma importante advertência: que deveria estar no projeto  formas adicionais de escoar a água em caso  de  cheias além do normal do rio (ele apontou que isso  não estava previsto no projeto aprovado) para evitar uma catástrofe no caso de  emergência. Esse detalhe extra na construção reduziria variações nos níveis de água a jusante e a montante no caso de uma parada total da usina.

Essas informações, conclusões e o layout da proposta do novo arranjo idealizado por Sultan Alam não foram divulgados pelo MME ou pelo Ibama. As sugestões de segurança significariam uma mudança no projeto que traria até redução dos custos das obras e dos impactos. Custos de construção menor levam a preço do MWh menor.

Mais uma informação interessante: o parecer de Sultan Alam, contratado pelo governo, estava pronto em janeiro de 2007, antes, portanto, do Parecer Técnico 14/2007, de 21 de março de 2007, emitido pelo Ibama, que recomendava a não concessão da licença prévia.

Em 12 de abril os técnicos do Ibama, através da Informação Técnica 17/2007, diante das novas e sérias dúvidas levantadas sobre a gestão de sedimentos, inclusive as do parecer de Sultan Alam, apresentaram um questionamento com 40 perguntas para serem respondidas pelos empreendedores.

Apesar dos riscos que prevalecem até hoje, a Licença Prévia para as duas usinas foi concedida em 9 de Julho de 2007. Em 2008 Sultan Alam foi contratado também para dar um parecer sobre Jirau.

Dúvidas que ainda não foram  esclarecidas:

O arranjo do projeto proposto por Sultan Alam faria cair o valor do MWh, no leilão da usina de Santo Antônio?
Foram realizadas as alterações de projeto e de segurança propostas por Sultan Alam?
Qual o motivo para que o  parecer de Sultan Alam levasse três meses para chegar ao Ibama?
Para ler o parecer completo de Sultan Alam em inglês, clique aqui
Para ler a minuta da versão em português, clique aqui
Para ler a versão completa em português, clique aqui
Para ler o ofício do Ibama ao MME, clique aqui

Telma Monteiro
https://twitter.com/TelmaMonteiro

EcoDebate, 25/03/2011

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