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Em ‘Comer Animais’, o premiado escritor Jonathan Safran Foer detalha os motivos de seu vegetarianismo

Carne indigesta – Jonathan Safran Foer estreou na literatura sem turbulências. Seu primeiro livro, Tudo se Ilumina (2002), foi mimado com resenhas elogiosas e até ganhou uma versão para o cinema. O segundo, Extremamente Alto & Incrivelmente Perto (2005), voltou a deixar a crítica de queixo caído ao contar a história de um garoto talentoso que é incapaz de enfrentar a morte do pai, uma das vítimas do ataque ao World Trade Center. Quando se esperava por mais um salto do escritor americano com rosto de bom moço, a surpresa: Foer decidiu enveredar pela não ficção, publicando, em 2009, Comer Animais (tradução de Adriana Lisboa), que a editora Rocco, também responsável por seus dois primeiros títulos, lança nesta semana. Reportagem/entrevista de Ubiratan Brasil, em O Estado de S.Paulo.

Em linhas gerais, trata-se de uma detalhada reportagem, temperada com reminiscências familiares, sobre a poderosa indústria especializada em carne animal que, só nos Estados Unidos, abate mais de dez bilhões de espécimes por ano apenas para alimentação. Não apenas o número impressiona mas a forma como esses animais são tratados antes de ornamentar o prato de milhares de pessoas.

Foer conta que o assunto já o acompanhava há um certo tempo – garoto, era um apaixonado por galinha com cenoura, único prato que a avó sabia preparar; jovem, recusava-se a comer carne em público (ainda que, confessa, a atitude era mais para impressionar meninas ativistas). Mesmo assim, o vegetarianismo ainda não era uma opção de vida. “Mark Twain disse que parar de fumar era uma das coisas mais fáceis de se fazer; ele fazia isso o tempo todo. Eu acrescentaria o vegetarianismo à lista das coisas fáceis”, escreve, em Comer Animais.

Foi o nascimento do primeiro filho, no entanto, em 2006, que desencadeou uma ferrenha tomada de posição: Foer questionava, ao lado da mulher, a também escritora Nicole Krauss, a forma de alimentação da criança e, por extensão, do próprio casal. “Éramos vegetarianos que de vez em quando comiam carne.” Disposto a descobrir a origem de sua alimentação de origem animal, Foer passou três anos fazendo pesquisas, conhecendo fazendas (e sendo expulso de algumas) e descobrindo a forma cruel com que os animais são tratados e, pior, abatidos. O resultado não apenas alterou seu hábito alimentar como gerou um livro que provoca discussões.

”Não necessitamos desse tipo de alimentação”

Foer aponta estatísticas sobre o aumento de pessoas que comem menos carne a cada ano, e adianta: voltará à não ficção já no seu próximo livro

Em sua maratona de pesquisas, Jonathan Safran Foer descobriu detalhes aterradores, especialmente sobre a forma como os animais são tratados e abatidos. Notou também que a engenharia genética, diante de um desejo desenfreado de produzir animais cada vez mais suculentos, provocou deformidades substanciais em diversas espécies.

O ponto mais interessante de seu debate é a relação que as pessoas desenvolvem com os animais: se cães e gatos despertam compaixão, por que o mesmo não acontece com bois, galinhas e peixes? “Nenhum leitor desse livro toleraria alguém balançando uma picareta na cara de um cachorro”, escreve. “Nada seria tão óbvio ou menos carente de explicação. Seria essa preocupação moralmente inaplicável aos peixes, ou nós é que somos tolos por ter essa preocupação inquestionável com os cachorros?”

O escritor também pondera que a agricultura animal contribui para o aquecimento global com mais de 40% do que todos os meios de transporte do mundo somados. Com isso, é a causa número 1 das mudanças climáticas. Nem é preciso ressaltar que Foer, a mulher e os filhos aderiram em definitivo ao vegetarianismo. A atitude, aliás, já era notada quando eles estiveram em Paraty, em 2006, convidados da Flip – no jantar em homenagem aos escritores, eles preferiram saladas a suculentos peixe e carne vermelha.

Também Oskar Schell, o talentoso menino que é o personagem principal de Extremamente Alto & Incrivelmente Perto, é descrito como vegetariano. Mesmo assim, Foer não defende seu livro como uma nova bíblia do vegetarianismo, como explica na seguinte entrevista, por telefone, de Nova York.

Como foi o processo de pesquisa?

Conversei com muitas pessoas, com amigos, estudantes, pesquisadores, fazendeiros, e praticamente todos revelavam um conhecimento muito raso sobre como são tratados os animais criados para abate. Assim, encaminhei minha pesquisa e escrevi o livro não como um panfleto favorável ao vegetarianismo, mas como uma espécie de reportagem sobre o funcionamento da indústria que são as fazendas criadoras de carne, em que, na maioria dos casos, os animais vivem enclausurados, sem contato com a luz solar e também sem tocar o solo. Animais tratados com drogas que os fazem crescer mais rápido que o normal. Por conta disso, não é possível respeitar pessoas que se dizem vegetarianas, mas comem carne só no fim de semana, ou, pior, que não querem pensar a respeito.

Você acha possível existir um balanço entre a necessidade nutricional de carne, especialmente na fase infantil, e o controle no criação de animais?

Não, porque simplesmente não necessitamos comer carne, seja qual for a idade. Comemos carne porque gostamos, não porque precisamos. Na verdade, provavelmente viveríamos melhor sem esse tipo de alimentação. Também teríamos a chance de alimentar muito mais pessoas no mundo, se abandonássemos ou, ao menos, diminuíssemos a agricultura animal.

Mas você acredita que isso realmente possa acontecer?

É uma mudança gradativa. As estatísticas mostram que aumenta o número de pessoas que comem menos carne a cada ano. Isso é animador. Outro detalhe importante é que a mídia vem noticiando mais continuamente sobre detalhes da indústria da carne, o que ajuda na divulgação.

O vegetarianismo ainda é marcado por estereótipos, como ser praticado apenas por hippies?

Sim, parece ser uma prática restrita a hippies e universitários. Mas também isso vem mudando – além de ser uma opção pessoal, o vegetarianismo provoca um consenso de que a indústria é cruel ao cultivar animais. E o bom é que a informação circula mesmo entre não vegetarianos.

Por falar nisso, o que você pensa de celebridades defenderem a causa? A atriz Natalie Portman, por exemplo, que já era vegetariana, tornou-se ainda mais radical depois de ter lido seu livro.

Bem, isso é legal. O grande trunfo do livro foi despertar discussões. Eu não pretendia provocar os amantes de carne, tampouco aumentar as fileiras vegetarianas – queria despertar a atenção das pessoas sobre a origem de sua alimentação. E atitudes como a de Natalie contribuíram para isso.

Sua experiência com a não ficção deve continuar?

Acredito que não. Essa foi uma resposta às minhas dúvidas sobre como criar meu filho. Meu terreno é a ficção. Já estou até rascunhando as primeiras linhas do meu próximo livro, mas não me pergunte, porque não adianto nada.

OUTROS DEFENSORES DOS ANIMAIS

Natalie Portman
A atriz favorita ao Oscar deste ano confessou que, depois de ler o livro de Foer, tornou-se uma vegetariana mais radical.

Paul McCartney
Tornou-se vegetariano em uma pescaria: “Percebi que a vida do peixe era tão importante para ele quanto a minha é para mim”.

Brigitte Bardot
A ex-atriz protestou contra a matança de bebês focas, a caça a lobos, e o hábito de se comer cães, cavalos e outros animais.

EcoDebate, 11/02/2011


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