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Região serrana fluminense poderá ter ‘epidemia’ de problemas mentais, alerta psicóloga

Os municípios da região serrana do Rio atingidos pelas chuvas que já causaram mais de 790 mortes devem se preparar para enfrentar uma verdadeira “epidemia de problemas mentais”. A perda de parentes e amigos vai deixar marcas que levarão meses, até anos para, cicatrizar. O alerta é da psicóloga Katrina Pereira, que trabalha no Hospital Pedro Ernesto, no Rio. Desde os primeiros dias da catástrofe, ela se transferiu para Nova Friburgo, onde está atuando como voluntária no hospital de campanha da Marinha.

“A nossa cidade vai sofrer com a saúde mental durante muito tempo e vai precisar de um suporte. Os lutos patológicos vão ser grandes, porque muitas pessoas não conseguiram sequer enterrar seus familiares. Então, fica aquela esperança de que podem estar em algum hospital, que tenham sido socorridos. Outros conseguiram enterrar, mas foi de uma forma tão rápida que nem elaboraram ainda essa perda“, explicou a psicóloga.

Katrina Pereira alertou também para um possível aumento de casos de suicídio, que deve ser detectado com antecedência por uma rede de atendimento público. “Haverá aumento nos casos de depressão e riscos de suicídio e a cidade vai ter que acordar para isso. Perder filhos, mulher, perder tudo, acaba ficando sem sentido para a vida.”

Segundo ela, também haverá mais incidência de doenças físicas como pressão alta, diabetes e úlceras, decorrentes de problemas psicológicos. Outros buscarão nas drogas e no alcoolismo uma fuga para a dor das perdas.

Ela explica que cada indivíduo vai trabalhar de forma diferente essas perdas e que, nesse momento, é importante que se fortaleça a rede de relacionamentos em torno da pessoa atingida pela tragédia, seja de vizinhos, colegas de trabalho ou amigos. Só agora, alerta a psicóloga, passados mais de dez dias da tragédia é que as pessoas vão realmente acordar para o que aconteceu.

“Depois que ela [vítima] sair da fase aguda [da crise psicológica], é preciso fazer um trabalho para que se crie novamente esperança para reconstruir uma casa, para ir atrás de uma vida melhor, de um novo emprego, de uma nova família. Não vai apagar essa dor que ficou. A saudade vai se estender, mas existe vida pela frente. Cada um vai encontrar um motivo próprio para encarar e superar tudo isso”, assegurou a psicóloga com otimismo.

Crianças nos abrigos lidam melhor com situação que adultos, diz psicóloga

Isabele Benvindo Zeferino tem sete anos e passa o dia brincando com os amigos da mesma idade. Brincadeiras de roda, bambolê, futebol, esconde-esconde e pintura são algumas das diversões. Seu sonho, como o de muitas crianças, é ganhar uma bicicleta.

A história da pequena Isabele seria comum à de qualquer outra se não fosse o drama que vive há dez dias. Vítima da tragédia que atingiu a região serrana do Rio de Janeiro, Iela está alojada, ao lado da mãe, da irmã e mais 200 desabrigados, no galpão da fábrica de Bebidas Comari, no bairro Meu Dom, em Teresópolis.

Com um bambolê doado nas mãos, Isabele conta que apesar de dividir o lugar com desconhecidos, não gostaria de voltar ao local onde morava, no bairro Salaco. “Aqui está bom. Não quero voltar para casa porque saímos de lá de madrugada, no escuro, descalça. Estava chovendo e ficamos em uma garagem. Senti medo”.

A psicóloga da prefeitura de Teresópolis, Fernanda Delgado, que está trabalhando na atenção aos desabrigados do alojamento, explicou à Agência Brasil que as crianças conseguem lidar melhor do que os adultos com a situação. No entanto, principalmente à noite, elas demonstram insegurança pela mudança radical na rotina.

“As crianças conseguem administrar melhor porque se sentem em um grande parque de diversões. Não têm consciência da realidade. Algumas, quando vão embora, até choram”, disse a psicóloga. “Aqui, elas recebem carinho, brinquedos, atenção. Em alguns casos, apresentam sintomas de estresse pós-traumático, com enurese noturna, quando vão muito ao banheiro; têm tremedeiras e choro aparentemente sem motivo”, acrescentou.

A falta de privacidade é o principal problema enfrentado pelos adultos. “A gente não pode reclamar, até porque todos estão nos tratando muito bem, mas é complicado ter que fazer tudo ao lado de quem a gente não conhece”, afirmou Sandra Lourenço que desde domingo está no abrigo acompanhada da filha, do genro e de dois netos.

Fernanda Delgado disse que é preciso conversar com os desabrigados para confortá-los e passar o sentimento de acolhimento. “Já na acolhida, a gente demonstra carinho e tenta suprir a falta que eles têm.” Em alguns casos, voluntários e agentes da prefeitura têm que intermediar pequenos conflitos familiares e outros desentendimentos.

“Os mesmos problemas que as pessoas têm em casa, elas têm aqui. Discussão de marido e mulher, a gente tenta apaziguar os ânimos que já estão mais à flor da pele devido à tragédia”, acrescentou Fernanda.

Nas paredes do abrigo, crianças e adultos manifestam o sentimento de perda. Em alguns desenhos feito à mão, figuras de casas, jardins com flores e dias de sol. Também há frases de agradecimento e de esperança. “O que mais desejo é ter minha casa de volta com meus filhos”, diz o recado de um desabrigado, colado na parede. “Todos aqui nos tratam muito bem, graças a Deus. Mas quero ir para minha casa”, está escrito em outro mural.

De acordo com a prefeitura, em Teresópolis cerca de 800 pessoas estão alojadas em abrigos. Essas pessoas começaram nessa sexta-feira (21) a ser cadastradas no programa Aluguel Social. A partir de segunda (24), aqueles que estão alojados em casas de parentes ou amigos poderão se inscrever.

O benefício será no valor de R$ 500,00, por 12 meses. O aluguel social será pago pela Caixa Econômica Federal, por meio do cartão do Bolsa Família ou conta corrente simplificada aberta nas agências do banco nos municípios atingidos.

Reportagens de Vladimir Platonow e Ivan Richard, da Agência Brasil, publicadas pelo EcoDebate, 24/01/2011


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