‘Venenos agrícolas matam’. Entrevista com Julio Cesar Rech Anhaia
“Venenos agrícolas matam”, ressalta o pesquisador e engenheiro agrônomo Julio Cesar Rech Anhaia. Em entrevista à IHU On-Line, realizada por telefone, ele destaca a importância de se abrir o debate sobre o uso dos transgênicos e agrotóxicos. “Não temos controle sobre o uso dos transgênicos. Quem tem o controle são as multinacionais que hoje estão posando de ‘donas’ das sementes. Com isso, nosso pequeno produtor vai ficar a mercê disso aí, porque as nossas sementes nativas propriamente ditas acabam sendo contaminadas e, por conseguinte, deixam de ser nativas”, afirma.
Julio Cesar Rech Anhaia é engenheiro agrônomo. Trabalha na Secretaria Municipal do Meio Ambiente de Alegrete, no Rio Grande do Sul, e é tutor do curso de Agricultura no Instituto Federal Farroupilha.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Quais são os principais venenos agrícolas utilizados no Rio Grande do Sul, atualmente?
Julio Cesar Rech Anhaia – O que é mais usado é o herbicida. Depois vêm os inseticidas e os fungicidas, nesta ordem de utilização.
IHU On-Line – Quais são os mais problemáticos?
Julio Cesar Rech Anhaia – Lamentavelmente, o que está faltando é responsabilidade dos próprios colegas. Não podemos generalizar, mas uma boa parte do pessoal que trabalha nessa atividade, de técnicos de nível médio a profissionais de nível superior, não tem dado a devida atenção ao fato de que muito veneno está sendo utilizado. Eles não observam as normas técnicas, a umidade, a temperatura, o vento. Nos campos sulinos ou no bioma pampa nós temos quase que semanalmente denúncias sobre o uso abusivo de agrotóxicos que causam inúmeros acidentes. E esses acidentes ocorrem principalmente com os herbicidas e acabam dizimando as plantações de frutíferas.
O nosso pequeno produtor acaba sendo desestimulado em função dessas perdas, o que acaba causando um problema que influencia até no aumento do êxodo rural. Desde as crianças e os jovens até os educadores e os formadores de opinião, todos devem fazer uma reflexão sobre a maneira como nós estamos tratando a nossa qualidade de vida e a biodiversidade. A situação é muito preocupante. Se você procurar informação sobre os atendimentos do pronto-socorro aqui na região, não conseguirá obter dado algum, porque não há um interesse em notificar acidentes em decorrência do uso de agrotóxicos e, por consequência, que se tome uma atitude em relação a isso. E não é só a cidade de Alegrete, onde vivo, que está passando por esse tipo de problema. Cidades como Uruguaiana, São Borja, Barra do Guaraí, Itaqui e Maçambará também estão sofrendo com problemas causados pelo uso de agrotóxicos de forma intensa.
IHU On-Line – Quase 100% do milho colhido no RS neste ano é transgênico. O que isso significa para a agricultura do estado?
Julio Cesar Rech Anhaia – É um risco terrível. Canguçu, por exemplo, é o berço da agricultura familiar, inclusive lá existem trabalhos fortes no sentido de se produzir produtos que venham da pequena atividade agrícola. Mas já está passando por problemas em decorrência do uso de sementes geneticamente modificadas. Não temos controle sobre o uso dos transgênicos. Quem tem o controle são as multinacionais que hoje estão posando de “donas” das sementes. Com isso, nosso pequeno produtor vai ficar a mercê disso aí, porque as nossas sementes nativas propriamente ditas acabam sendo contaminadas e, por conseguinte, deixam de ser nativas.
IHU On-Line – Num artigo, o senhor diz que a difusão do uso de venenos agrícolas, para o controle de pragas e plantas invasoras na agricultura brasileira, foi favorecida pelo sistema de crédito rural. O sistema de crédito precisa mudar para que possamos mudar a cultura do uso dos venenos nas plantações?
Julio Cesar Rech Anhaia – Com certeza. As instituições financeiras estão cobrando questões e documentações extras do responsável técnico para que o crédito rural possa ser dado, embora nós tenhamos construído um manual de crédito rural. Há bem pouco tempo, no pacote do crédito rural era exigido, embora o nosso produtor não precisasse utilizar venenos, que obrigatoriamente os venenos precisavam ser comprados para que fosse usar ou não na sua atividade. Isso tem que ser mudado, tem ser discutido, realmente com os produtores, as entidades, as cooperativas porque, muitas vezes, essas normas regulamentadoras acabam vindo de cima para baixo e o pequeno produtor fica sendo o mais prejudicado. O crédito, inclusive, muitas vezes é negado porque o produtor não quer se submeter a esse tipo de condição que é exigido.
IHU On-Line – Quais as consequências para ambientes como o aquífero Guarani em função do uso de venenos agrícolas hoje no RS?
Julio Cesar Rech Anhaia – Alegrete fica localizada em cima do aquífero Guarani e do aquífero Botucatu. Essa é denominada uma zona de recarga. E nessa área nós temos monocultura do arroz que usa muito veneno. Além disso, nós temos a monocultura do eucalipto que já está causando um desequilíbrio ambiental muito grande. É necessário que voltem a ocorrer pesquisas que meçam a influência do uso dos agrotóxicos nesses aquíferos.
Já percebemos, através de pesquisa, que a Bacia Hidrográfica do rio Santa Maria assim como a do rio Uruguai, em função do uso intenso de veneno nas lavouras e a destinação inadequada das embalagens de agrotóxicos que são jogadas na beirada de recursos hídricos, acabam gerando intoxicações e degradação de toda a nossa biodiversidade. Sabemos que a luta contra as transnacionais é terrível e, muitas vezes, desigual, mas não podemos cruzar os braços. Nós seguimos lutando através da educação, da conscientização, da percepção das pessoas e alertando que estamos acabando com a vida quando utilizamos venenos nas plantações. A questão do agrotóxico ela deve continuar sendo debatida, para que nós tenhamos uma reversão. As consequências estão aí.
(Ecodebate, 24/01/2011) publicado pelo http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=40119, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.
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