Mudança em curso do rio Ribeira destrói casas no litoral sul de São Paulo
O Rio Ribeira está engolindo a faixa de areia da Praia do Leste, em Iguape, no litoral sul de São Paulo. Dentro da água é possível ver árvores e construções que ficaram em parte submersas com o avanço da água.
Entre elas está o antigo imóvel da comerciante Maria Aparecida Silva. Ela conta que aos poucos a água foi “comendo” as margens. Mas, em princípio, “ninguém percebeu porque não estava comendo nenhuma casa”, explica. Até que, em 2009, o processo se acelerou e o quiosque, que também servia de moradia, acabou dentro do Ribeira.
Com fotos, Maria Aparecida mostra que há 11 anos, quando se mudou para o local, seu primeiro imóvel estava a mais de um quilômetro do rio. Para substituí-lo, Maria construiu outra casa a cerca de 500 metros da água. Como a praia continua sendo engolida, essa também já está ameaçada.
O fenômeno é causado pela perda de volume do rio, que faz com que ele avance em direção ao terreno mais frágil, explicou o diretor da Divisão de Meio Ambiente da prefeitura de Iguape, André Gimenez. Isso ocorre por conta do fluxo desviado pelo canal do Valo Grande. A obra, do século 19, foi feita para encurtar o trajeto do transporte de arroz até o porto da cidade, o mais importante do estado à época.
Ao longo do tempo, a força da água alargou os 4 metros iniciais do canal para quase 200 metros. Dois terços do Ribeira passaram a desaguar no estuário de Iguape pela saída artificial.
A queda no fluxo de água na desembocadura original provoca o “serpenteamento” do rio nessa parte, explica Gimenez, o que causa a invasão da Praia do Leste. A construção de uma barragem é apontada pela prefeitura e pelo governo do estado como a solução para o problema.
A ideia é antiga, mas voltou a ser discutida em 2007, conta o analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) Eliel Pereira de Souza. Naquele ano, o aumento rápido do volume de água que passa pelo Valo Grande destruiu um conjunto de cerca de dez casas em uma região próxima ao centro da cidade.
Maria Aparecida não tem certeza, no entanto, se a obra já iniciada realmente lhe trará benefícios. “Para fechar a barragem, tem que dragar [o leito assoreado do rio], senão vai piorar”, afirma. Segundo ela, nenhum representante do Poder Público apareceu na praia para dar explicações sobre a represa ou oferecer qualquer ajuda. Resignada, Maria espera pela boa vontade da natureza para que o quiosque atual, onde vende de sorvete a bebida alcoolica, não seja destruído. “Estamos aqui enquanto o rio quiser”, desabafa a comerciante.
André Gimenez consultou a Defesa Civil do estado para saber que providências poderiam ser tomadas em benefício dos moradores da praia. O órgão respondeu, de acordo com ele, que a única medida possível é a remoção das pessoas, devido à proximidade com o rio, após a mudança de curso do Ribeira.
População de Iguape tem dúvidas sobre obras para fechamento do Valo Grande
As obras para o fechamento da barragem do Valo Grande já começaram, mas no município de Iguape (litoral sul paulista) a população ainda tem muitas duvidas sobre o que de fato será feito. A placa colocada na entrada da obra contém praticamente as únicas informações repassadas pelo governo do estado aos habitantes da cidade. O letreiro diz que serão empenhados R$ 8,61 milhões para a recuperação das estruturas construídas na década de 90 e que atualmente funcionam apenas como ponte.
Nem a prefeitura tem acesso ao cronograma de obras, segundo o diretor da Divisão de Meio Ambiente do município, André Gimenez. Ele ressalta que “toda a população” gostaria de saber quais serão as intervenções feitas.
O diretor lembra que não se trata simplesmente de interromper o fluxo de água que vem pelo canal. Existe o problema do assoreamento do rio, que também precisa ser resolvido para evitar que o fechamento produza inundações. “Logicamente a gente não quer penalizar os municípios acima, por isso a gente se preocupa com essa questão do desassoreamento do leito original para suportar a vazão”.
A represa deve interromper ou reduzir o fluxo de água proveniente do Rio Ribeira e que atualmente deságua no estuário de Iguape, prejudicando a flora e a fauna locais.
A população não conhece a extensão das obras, nem como serão operadas as comportas da barragem devido à falta do Estudo de Impacto Ambiental (EIA), segundo o analista do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) Eliel Pereira de Souza. “O processo de licenciamento não prevê a realização de audiências públicas, porque isso não está sendo licenciado por meio de um Estudo de Impacto Ambiental”.
Apesar da construção ter impactos diretos na economia e na vida na cidade, Souza afirma que o único evento público sobre a barragem foi a abertura das obras, em fevereiro de 2010, pelo então governador de São Paulo, José Serra.
Ele conta ainda que nem os pedidos de informação feitos pelo ICMBio são atendidos pelo Departamento de Águas e Energia Elétrica (Daee) do estado, responsável pelas obras. Souza ressalta que o órgão estadual tem interesse direto na barragem, uma vez que a construção deve alterar todo o ecossistema no estuário de Iguape.
Para o diretor de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica, Mario Mantovani, a falta de informações é uma estratégia do governo para evitar cobranças da população. “O Poder Público não quer comunicação para não ser cobrado”, concluiu.
Reportagem de Daniel Mello, da Agência Brasil, publicada pelo EcoDebate, 20/01/2011
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