Uruguai: trabalhadores florestais e uso de agrotóxicos
Uma das promessas das empresas florestais para obter sua aceitação- por parte do governo e das comunidades locais- é a geração de emprego. O que não é esclarecido com antecedência é qual o tipo de emprego e sob quais condições salariais e de saúde será realizado o trabalho.
A maioria dos trabalhos vinculados com o florestamento- exceto a poda- implica o uso de agrotóxicos em alguma etapa. Nos viveiros são aplicados fungicidas principalmente de forma permanente; na preparação do campo para plantar são aplicados herbicidas, fertilizantes químicos e formicidas; após realizada a plantação durante o primeiro ano continua a aplicação de agrotóxicos para o controle das ervas daninhas. Por último, ao realizar raleamentos ou quando são cortadas as árvores mais uma vez se usam os herbicidas para eliminar os rebrotes.
Um estudo recente da organização RAPAL-Uruguay sobre os trabalhadores nas plantações florestais e o uso de agrotóxicos (vide “Uruguay: trabajo y agrotóxicos en la forestación” em http://www.rapaluruguay.org/agrotoxicos/Uruguay/FOSA.pdf) apresenta interessantes elementos para o debate. A pesquisa é baseada no caso da FOSA (Forestal Oriental S.A.), empresa transnacional que pertence à UPM (ex- Botnia) e que entre outras coisas está certificada pelo FSC (Forest Stewardship Council).
O estudo oferece um detalhado resumo dos diferentes herbicidas (Acetoclor, Glifosato, Oxifluoren, Haloxifop metil), do formicida Fipronil e os diversos fertilizantes (sulfato de amônio, fosfato de amônio) utilizados, alertando que estas substâncias são potencialmente cancerígenas e que provocam alterações hormonais, entre outros efeitos na saúde. Desses dados infere-se que se bem é certo que as substâncias usadas nas plantações estão autorizadas pelo Ministério da Pecuária, Agricultura e Pesca e pela certificadora Forest Stewardship Council (FSC), não deixa de ser certo que todas são altamente tóxicas, tanto para os trabalhadores que as manuseiam quanto para o ambiente.
A aplicação de agrotóxicos implica que os trabalhadores estejam expostos às substâncias químicas de forma constante, prolongada no tempo e todo dia. A isso acrescenta- se que alguns lugares de trabalho não contam com suficiente água potável para consumo nem condições adequadas para a higiene, o que agrava a exposição aos agrotóxicos. A meia hora do almoço resulta breve para tirar os trajes e menor ainda para higienizar-se, e assim os trabalhadores ou trabalhadoras geralmente tiram apenas as luvas e o tapa-boca para comer.
Os trabalhadores comentam que “a modalidade que a empresa usa para escolher pessoal é através de convocações e quem quiser trabalhar se inscreve”. Na primeira visita ao campo, o trabalhador “comprova” ele próprio se está apto ou não para realizar as tarefas solicitadas já que se passa mal (dor de cabeça, vômitos, enjôos) por causa do produto que está sendo usado, fica evidente que é uma pessoa que não pode realizar esse trabalho. Tal é a toxicidade dos produtos usados que leva a uma “auto-seleção” do pessoal de acordo com sua resistência física. Uma das esposas dos trabalhadores acrescenta que “quando eu lavava o macaco jogava a água na grama que ficava marrom como se tivesse sido queimada”.
Outro ponto importante para salientar é que o trabalho de aplicação com mochila- colocado na categoria peão comum apesar de exigir uma especialização- é por tarefa, o que implica altos níveis de exigência e rendimento para chegar a receber um jornal digno no final do dia, e que os dias de tempo ruim não se trabalham (e não são pagos). Caminhar com as mochilas que pesam cerca de 16 quilos entre sulcos e ervas daninhas e em longas extensões de campo, faz com que seja quase impossível suportar- principalmente no verão- os trajes protetores.
Uma mulher conta que “cada trabalhadora devia cobrir uma ‘melga’ (largura de sulco a sulco). Era preciso se apressar já que tudo estava programado para realizar o trabalho em um tempo determinado sem levar em conta a temperatura nem a ‘sujeira’ dos terrenos”.
De acordo com o testemunho de outro trabalhador, as temporadas de calor são as piores, “quando tiramos o macaco parece que tenha saído de um balde com água, ensopado de suor”. “Depois de ter caminhado 30 metros você ‘sente’ que não ‘pode’ caminhar mais. Contudo caminham-se quilômetros; os terrenos não são planos, têm subidas e descidas, isso te esgota, entre o peso que se carrega e as chircas altas é difícil caminhar. Este esforço te produz uma intensa dor nos joelhos. As caminhadas são longas e com peso, se formam bolhas e calos de tanto caminhar”.
“As ervas são altas e algumas têm espinhos, como o arrebenta-cavalo, o cardo e o picão- preto que tem espinhos pequenos que se aderem ao macaco à altura dos joelhos. Também você tem que ter muito cuidado com os espinhos para que não rasguem a mangueira. No caso que aconteça, você tem que continuar trabalhando, se parar significa que não haverá pagamento. Como tem que cumprir com um mínimo, é preciso caminhar depressa e em alguns casos até correr. Às vezes, por causa da pressa a tampa da mochila fica solta e goteja sobre o corpo”.
A isso tudo é preciso acrescentar o fato de o sistema de contrato ser através de empresas terceirizadas ou empreiteiras. Este sistema e o regime de mobilidade dos grupos de trabalhadores tendem a dificultar a sindicalização já que os trabalhadores ficam isolados em grupos pequenos, sob a ordem e as normas da empreiteira. Esta situação conspira contra reivindicações salariais, de saúde laboral e outros direitos dos trabalhadores.
Um trabalhador esclarece que “não existe organização sindical na Forestal Oriental. Além de haver uma pressão social muito forte contra os sindicatos, a própria modalidade de contratação dos trabalhadores, que é através de empreiteiros, faz com a tarefa de nos organizar seja muito difícil”.
Os produtos químicos usados afetam também a fauna, vão se acumulando na terra e chegam às correntes de água por filtração ou por escoamento nos dias de chuva. Algumas conseqüências da poluição: morte de lebres, e também tatus e mulitas entre outras espécies de fauna nativa; degradação do solo que sofre importantes perdas de matéria orgânica e um aumento de acidez, associados por sua vez à alteração dos valores normais de outras propriedades físico-químicas; poluição da água de poços e algibes usada para consumo humano e mortandade de peixes em rios de água doce.
Por outra parte, o estudo da Rapal- Uruguay traz à tona que a Forestal Oriental junto com a Bio- Uruguay (organização privada) realizaram uma pesquisa sobre o controle biológico de formigas cortadoras (principal inseto que afeta o florestamento) com fungos entomopatogênicos (vide http://www.biouruguay.org/noticias/photos/informefinal%20hormigas2.pdf). O que isso significa? Que diante do uso de um inseticida como o Fipronil- cuja toxicidade é atualmente reconhecida não apenas para as abelhas como também para a saúde humana- pesquisou-se e encontrou-se uma alternativa não poluente para o controle das formigas cortadoras usando um fungo nativo considerado inócuo para o pessoal envolvido na tarefa e para o ambiente. Apesar de a pesquisa ter finalizado em maio de 2008 a empresa FOSA ainda não o está usando em suas plantações.
A despeito de tudo o exposto, a empresa se escuda no selo verde outorgado pelo FSC (selo desprestigiado internacionalmente, entre outras coisas por avalizar práticas como esta) e que certifica suas plantações como “ambientalmente apropriadas, socialmente benéficas e economicamente viáveis”. Tudo o anteriormente dito é prova mais do que contundente de que as plantações de monoculturas de árvores não podem estar certificadas porque impactam no meio ambiente, dificultam a sindicalização, colocam em risco a saúde dos trabalhadores e trabalhadoras, e economicamente só beneficiam as empresas plantadoras.
Artigo baseado em “Uruguay: trabajo y agrotóxicos en la forestación”, uma publicação conjunta das organizações Rap-Al Uruguay (http://www.rapaluruguay.org) e Rel-UITA (www.rel-uita.org), por María Isabel Cárcamo, e-mail: coord@rapaluruguay.org. A publicação está disponível em http://www.rapaluruguay.org/agrotoxicos/Uruguay/FOSA.pdf
Boletim número 161 do Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais
EcoDebate, 11/01/2011
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