Plantas medicinais geram renda para agricultores familiares
foto: Arquivo SAF
Há cinco anos, a produção de plantas medicinais tornou-se a principal fonte de renda da família da agricultora familiar Roseli Eurich, 49 anos. Na propriedade de 21 hectares, localizada em Arvoredo, há oito quilômetros de Turvo, no Paraná, Roseli, seu marido Sidney e seu filho Max Gustavo cultivam alcachofra, melissa, alecrim, capim limão, orégano e tomilho. No primeiro ano de atividade, a família obteve uma renda mensal média de R$ 90,00. Cinco anos depois, passou para R$ 1,2 mil. “Na época da melissa, tiramos entre R$ 3 mil e R$ 4 mil durante três a quatro meses”, destaca. Na propriedade, também são produzidos alimentos para autoconsumo, como feijão, milho, ovos e legumes.
Uma das características da propriedade da família Eurich é a sustentabilidade. Toda a produção é agroecológica, com certificação orgânica pela Ecocert. Roseli lembra que a propriedade conta com 70% de cobertura vegetal. Como permite agregar valor em um pequeno espaço de 1 hectare, o cultivo de plantas medicinais também contribui para a preservação da mata. E a diversidade de culturas assegura, em caso de mau tempo, como geadas, opções de comercialização.
A produção de plantas medicinais na região de Turvo está amparada na estruturação dos processos de comercialização e assistência técnica. A comercialização é feita por meio da Cooperativa de Produtos Agroecológicos, Artesanais e Florestais de Turvo (Coopaflora), fundada pelos próprios produtores e que conta com 86 associados. Desde 2005, o Instituto Agroflorestal Bernardo Hakvoot (IAF) desenvolve atividades de assistência técnica para estruturar a produção agroecológica de plantas medicinais, condimentares e aromáticas, e a formação de sistemas agroflorestais. Atualmente, 160 famílias agricultoras são atendidas pelo IAF nos municípios de Turvo, Boa Ventura de São Roque e Iretama, no Paraná.
Engenheiro agrônomo da entidade, Douglas Dias de Almeida destaca que os produtos são comercializados para indústrias de cosméticos, fármacos e chás. “As plantas são desidratadas, ou seja, é vendida a matéria-prima”, explica, destacando que são cultivadas espécies como alcachofra, alfazema, camomila, carqueja, manjerona, menta, pata de vaca, alecrim, calêndula, capim limão, cavalinha, espinheira santa, melissa, poejo, funcho, entre outras. A produção tem certificação que atesta a responsabilidade ambiental e social dos agricultores.
A força do Paraná
O Paraná é responsável por 90% da produção brasileira de plantas medicinais. São 15 mil toneladas/ano, retiradas de uma área de três mil hectares, com a participação de 1.100 agricultores familiares na atividade. O restante da produção vem do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina e de São Paulo.
O Estado possui tradição no cultivo de plantas medicinais. Há mais de um século, a cultura de camomila foi introduzida pelos imigrantes europeus na Região Metropolitana de Curitiba. O cultivo comercial passou a ser estruturada há 40 anos, tornando uma alternativa de renda para o período de inverno. Hoje, 19 espécies ocupam hoje 92,5% da área destinada ao cultivo de espécies medicinais, aromáticas e condimentares no Paraná. A camomila, cujo mercado cresce de 5% a 10% ao ano, tem grande expressão pelo valor econômico-social e o número de produtores envolvidos.
O técnico da Empresa Estadual de Assistência Técnica e Extensão Rural do Paraná (Emater-PR), Cirino Corrêa Júnior, explica que, em geral, os agricultores familiares cultivam e vendem a planta seca (a erva) para indústrias de alimentos(chás, condimentos), laboratórios (produção de fitoterápicos) e grandes atacadistas de São Paulo. Estima-se que o volume de plantas coletadas represente três mil toneladas, cujo Valor Bruto da Produção (VBP) é de R$ 5 milhões. “Em 2009, a atividade de cultivo e coleta de plantas medicinais, aromáticas, e condimentares totalizou, no estado, R$ 35 milhões”, compara Cirino.
O incentivo à estruturação da cadeia produtiva de plantas medicinais e à formação de agentes e lideranças da agricultura familiar no Paraná conta com o suporte de entidades como a associação sem fins lucrativos Produtores Associados para o Desenvolvimento de Tecnologias Sustentáveis (Sustentec), criada em 2003, que tem parceria com o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Apoiados pela Sustentec, os agricultores familiares criaram a Cooperativa Gran Lago – Cooperativa de Produtores Orgânicos, com 24 cooperados distribuídos em cinco municípios do Oeste do Paraná (Vera Cruz do Oeste, São Pedro do Iguaçu, São José das Palmeiras e Diamante d´Oeste). Em 2009, foram destinados aproximadamente dez hectares para a produção de plantas medicinais como alcachofra, alfavaca folha, alecrim, carqueja, calêndula, capim cidreira, cavalinha chapéu de couro, cidrozinho, hortelã, melissa e poejo.
Para agregar valor à produção de espécies medicinais e fomentar arranjos produtivos locais, foi criada, na cidade de Pato Bragado (PR), a Unidade de Produção de Extratos, com capacidade de produção de extrato seco de 32 toneladas/mês, fornecendo extratos de plantas e atendendo a indústria alimentícia e farmacêutica. Além disso, a cooperativa conta com cinco estufas de produção de mudas de plantas medicinais instaladas nos municípios de Ramilândia, Mercedes, Vera Cruz do Oeste, São Pedro do Iguaçu e Diamante d’Oeste.
Segundo o presidente do Conselho de Administração da Sustentec, Euclides Lara Cardoso Júnior, no atual estágio do projeto os agricultores cultivam e comercializam a granel e na forma de chá (rasura) para os programas de segurança nutricional. “O processo de industrialização está sendo implantado, e a Unidade de Produção de Extratos opera de forma experimental”, explica.
Inclusão da agricultura familiar
Em 2006, foi assinado decreto que criou a Política Nacional de Plantas Medicinais, como parte das políticas públicas de saúde, meio ambiente, desenvolvimento econômico e social. Isto possibilitou a criação do Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (PNMF), que tem como objetivos melhorar o acesso da população a plantas medicinais e fitoterápicos, a inclusão social e regional, o desenvolvimento industrial e tecnológico, a promoção da segurança alimentar e nutricional, o uso sustentável da biodiversidade brasileira e a valorização e preservação do conhecimento tradicional associado das comunidades e povos tradicionais. O Comitê Nacional do PNMF é composto por 26 integrantes, entidades vinculadas aos ministérios e representantes da sociedade civil.
Entre as ações realizadas estão a capacitação, em vários estados, de recursos humanos, em especial de técnicos de assistência técnica e extensão rural e agricultores sobre manejo de plantas medicinais, incentivo à pesquisa, desenvolvimento tecnológico de inovações apropriadas à agricultura familiar, para manejo e produção/cultivo de plantas medicinais e incentivo à cadeia produtiva. Em 2010, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), por meio da Secretaria da Agricultura Familiar (SAF), lançou uma Chamada de Projetos para a contratação de projetos na área de plantas medicinais e fitoterápicos, que selecionou o Instituto Agroflorestal Bernardo Hakvoot (IAF) e a entidade Produtores Associados para Desenvolvimento de Tecnologias Sustentáveis (Sustentec). Os projetos selecionados vão desenvolver, nos próximos 18 meses, ações voltadas para estruturar e fortalecer redes de negócios sustentáveis de plantas medicinais com foco no arranjo produtivo local e a promoção de geração de renda e agregação de valor.
Fitocosméticos
Em Buriti de Goiáis (GO), no Centro-Oeste, uma importante iniciativa é desenvolvida há três anos por uma associação de mulheres agricultoras e extrativistas para fortalecer a organização comunitária e a assistência técnica na elaboração de projetos e desenvolvimento de produtos cosméticos com o aproveitamento da palmeira gueroba (Syagrus oleracea). O projeto envolve diretamente um grupo de 13 mulheres que integram a Associação dos Ipês e indiretamente 120 famílias de agricultores da região, que coletam os frutos da gueroba de seus pastos para vender à Associação. Atualmente, a entidade participa do projeto de capacitação e gestão em rede para o fortalecimento dos empreendimentos socioeconômicos familiares do Cerrado, apoiado pela SAF/MDA, e desenvolve a cadeia de aproveitamento da Gueroba. A iniciativa recebe a assistência da Articulação Pacari, rede formada por grupos comunitários que trabalham com plantas medicinais do Cerrado em Minas Gerais, Tocantins, Maranhão e Goiás.
A coordenadora técnica da Articulação Pacari, Lourdes Cardozo Laureano, explica que dos frutos da gueroba utilizam-se as amêndoas para a extração de óleo vegetal, para o preparo de cosméticos. O óleo é envasado e enviado para a uma fábrica terceirizada de cosméticos, para que possam ser elaboradas as formulações cosméticas (sabonete, loção e óleo de massagem corporal). “O produto cosmético terceirizado é comercializado na associação, na comunidade, em vendas de porta em porta e em feiras regionais ou nacionais, como a Feira Nacional da Agricultura Familiar e Reforma Agrária”, diz Lourdes. O sub-produto torta da farinha da amêndoa serve para preparar doces ou para alimentação animal. A casca do fruto é transofrmada em cinzas, utilizadas no preparo de sabões e sabonetes.
Na mini-agroindústria da Associação, o grupo de mulheres agricultoras garante um reforço na renda familiar com o beneficiamento (quebra, retirada da amêndoa e extração do óleo). Uma das formas buscadas pela entidade para alcançar a sustentabilidade do grupo é o trabalho feito em conjunto com a Articulação Pacari para a busca de mercados que valorizem o conceito da marca: produtos oriundos da agricultura familiar e do agroextrativismo sustentável dos recursos do Cerrado. A Associação dos Ipês já participa da Central do Cerrado (rede de comercialização de produtos do Cerrado) e, recentemente, a Rede Pacari foi selecionada para participar do Sistema Nacional de Comércio Justo e Solidário.
Produção
Existem quatro estágios de produção e utilização das plantas medicinais. O primeiro é com o uso de plantas medicinais ‘in natura’, meio mais tradicional no qual o cultivo ocorre no fundo do quintal, em pequenas hortas ou vasos e colhem as plantas para fazer chá. O segundo estágio é o da planta seca, no qual a produção e o uso pode ser tanto para consumo familiar como para comercialização. Com a aprovação da política de fitoterapia no Sistema Único de Saúde (SUS), estima-se que a demanda será maior para estes produtos e, consequentemente, o fornecimento de matéria prima será maior por associações ou núcleos de agricultores familiares.
No terceiro estágio há a produção e utilização de tinturas e extrato seco, o que requer maior investimento e mais capacitação, mas, também, pode possibilitar uma importante oportunidade para agricultores familiares. O extrato seco padronizado é insumo para farmácias de manipulação e indústrias de medicamentos fitoterápicos. O quarto estágio é o medicamente fitoterápico propriamente dito, que requer alto valor de investimento desde a sua implantação. Contudo, também pode ser uma oportunidade para a agricultura familiar no fornecimento de insumos para as indústrias.
SUS
Segundo o Ministério da Saúde, a partir de 2010, os postos de saúde poderão oferecer fármacos produzidos à base de alcachofra, aroeira, cáscara sagrada, garra do diabo, isoflavona da soja e unha de gato. Com isso, o número de fitoterápicos financiados pelo SUS passa de dois para oito. Os novos produtos – preparados a partir de plantas medicinais – são indicados para o tratamento de problemas como prisão de ventre, inflamações, artrite reumatóide e sintomas do climatério.
O Ministério da Saúde divulgou, em 2009, a Relação Nacional de Plantas Medicinais de Interesse ao SUS (Renisus). São 71 espécies, entre elas, Cynara scolymus (alcachofra), Schinus terebenthifolius (aroeira da praia) e a Uncaria tomentosa (unha-de-gato), usadas pela sabedoria popular e confirmadas cientificamente, para distúrbios de digestão, inflamação vaginal e dores articulares, respectivamente. Para acessar a lista completa: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/RENISUS.pdf
Links interessantes:
– Link do site do Ministério da saúde que trata de Fitoterapia
http://portal.saude.gov.br/portal/saude/profissional/area.cfm?id_area=1336
– Site da Cooperativa de Produtos Agroecológicos, Artesanais e Florestais de Turvo (Coopaflora)
http://www.arvoredobrasil.com.br/
– Site da Secretaria de Agricultura Familiar do Ministério do Desenvolvimento Agrário (SAF/MDA) – link sobre Plantas Medicinais e Fitoterápicos
http://www.mda.gov.br/portal/saf/programas/div/2294038
Informe do Ministério do Desenvolvimento Agrário publicado pelo EcoDebate, 22/12/2010
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