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Mudanças Climáticas: Terra da garoa agora é berço de tempestades, entrevista com Carlos Nobre

Mudanças do clima em São Paulo são alerta para o Brasil

São Paulo nunca mais será a terra da garoa. Em estudo recentemente concluído, o pesquisador Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), e sua equipe descobriram que a temperatura na capital paulista subiu entre 2 e 3 graus Celsius nos últimos 70 anos.

Em consequência, o padrão de chuvas foi alterado, acabando com as condições para a típica garoa. O aquecimento paulistano – diferentemente do aquecimento global, que chegou próximo a 0,4 grau Celsius no mesmo período – foi causado pela urbanização da cidade.

Essa situação, segundo ele, é irreversível. Resta agora tentar se adaptar e adotar medidas, como o plantio de árvores, para evitar que o aquecimento global agrave ainda mais a situação. São Paulo, diz Nobre, se tornou um grande laboratório sobre as consequências dos desastres climáticos. Reportagem de Adauri Antunes Barbosa, em O Globo.

Leia a entrevista:

– Qual a diferença entre as mudanças climáticas ocorridas em São Paulo e o aquecimento global?

A mudança climática já ocorrida em São Paulo deve-se principalmente à urbanização da cidade, e não ao aquecimento global. Este daria, talvez, um aumento 0,4 grau nos últimos 70 anos. A temperatura em São Paulo subiu entre 2 e 3 graus Celsius. A principal causa desse aumento de temperatura é a diminuição das áreas verdes, a grande quantidade de concreto e asfalto, as construções. O que a gente espera que aconteça no planeta em 100 anos aconteceu aqui em pouco mais de 50 anos. As chuvas mudaram também, não é só a temperatura.

– São Paulo “terra da garoa” acabou mesmo…

Acabou. A garoa praticamente desapareceu. A razão do desaparecimento da garoa é o aumento da temperatura. A gotícula que era a garoa não se forma mais, ela evapora porque está muito quente. Essa é a razão principal.

– E qual é a principal mudança provocada por essa virada no clima?

O principal aspecto da mudança climática de São Paulo é o aumento acentuado do número de episódios de chuva intensa. Essas que causam inundações, deslizamentos. Isso não acontecia há 70 ou 100 anos.

– É possível aprender com essa mudança?

São Paulo deveria ter sido vista desde o início como um laboratório de como você adapta uma grande cidade à convivência com um clima extremo. Mas isso não aconteceu. O clima foi mudando, os fenômenos foram se tornando extremos e a cidade foi se acomodando com isso, com impactos negativos para a economia e a sociedade.

– Já deveríamos ter aprendido com isso, não é?

São Paulo seria o melhor laboratório do Brasil de como devem ser as políticas públicas para fazer com que a sociedade vá gradativamente se adaptando ao fato de que o clima está mudando e que ele está se tornando, em geral, mais extremo. Extremos climáticos acontecem com mais frequência e intensidade.

– O senhor acha que ainda é possível reverter essa situação?

Podemos fazer uma adaptação, que é diferente de eliminar a mudança climática. Você pode atenuá-la com uma série de medidas. Podemos recuperar um pouco da área verde perdida. As áreas de risco têm de voltar a ser de vegetação de porte. Com isso, São Paulo poderá melhorar minimamente seus indicadores ambientais e climáticos. Mas será uma coisa pequena. A mudança climática já é permanente.

– É irreversível?

Irreversível em uma escala de tempo de séculos. Mesmo que alguém congelasse o crescimento de São Paulo, ainda há o aquecimento global. E este não é São Paulo quem controla. É o planeta.

– Houve influência do aquecimento global no processo de urbanização paulistana?

Pouca. Dos 2 a 3 graus Celsius que a temperatura subiu na cidade nos últimos 70 anos, nós podemos dizer que 0,3 ou 0,4 grau é do aquecimento global.

– Quais são hoje as projeções para o aquecimento global?

A média global da temperatura pode subir entre 2, 4 ou 5 graus Celsius neste século. O nível do mar subirá entre 40 centímetros até acima de 1 metro no mesmo período. O regime de chuvas tende a mudar. Serão menos dias de chuvas durante um ano, mas, quando acontecerem, elas serão mais intensas, e concentradas.

– Onde haverá impacto no país?

Há um impacto muito grande previsto na agricultura. As regiões semiáridas, por exemplo, poderão ficar com menos chuvas, o que já é o problema principal do semiárido no Nordeste. Há também um impacto muito grande na biodiversidade. Nós podemos perder entre 10% e 30% da Floresta Amazônica, do Cerrado e da Caatinga.

– Esses impactos têm a ver com o que já aconteceu em São Paulo?

A lição que a região metropolitana de São Paulo nos ensina é que se a sociedade não fizer nada, os impactos continuam crescendo, cada vez mais prejudiciais, e vão se instalando até sermos completamente incapazes de uma reação. A queda na qualidade de vida em São Paulo, associada com poluição do ar, altas temperaturas, inundações frequentes, deslizamentos de encostas, fatalidades, tudo isso junto mostra que nunca olhamos as mudanças climáticas de forma integrada.

– O Brasil não deve repetir o que aconteceu em São Paulo?

Isso é um sinal para que o Brasil não faça o que São Paulo fez. Inação não é uma resposta. O Brasil, e São Paulo em particular, tem agora que recuperar o tempo perdido.

– O que o cidadão comum, preocupado com isso, pode fazer?

Normalmente a preocupação do cidadão comum é contribuir para a redução do risco futuro. Então, ele pensa logo na redução das emissões, o que é importante. Só que ele também tem que pensar em ações para conviver com as mudanças climáticas. Ele precisa apoiar políticas públicas relacionadas a isso.

– Quais expectativas sobre a Conferência de Cancún?

A expectativa é que haja pequenos progressos. Como Copenhague praticamente zerou o jogo, então ninguém tem grandes expectativas. É possível que haja um avanço na constituição do fundo em que, até 2020, os países ricos doarão US$ 100 bilhões para as nações pobres, que sofrerão as maiores conseqüências das mudanças climáticas.

– A questão das compensações interessa ao Brasil quando se fala no desmatamento.

A questão do desmatamento é de interesse direto do Brasil. Tivemos uma redução nesse índice de mais de 10% em relação ao ano passado, segundo dados do Inpe. Devemos ganhar muito com a implementação do REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação), um mecanismo que fará os países ricos ajudarem nações tropicais a reduzir essa devastação. O Brasil tem a melhor tecnologia para fazer este monitoramento, e podemos transferi-la para regiões de outras florestas.

– Pessoalmente o senhor acredita em acordo em Cancún?

Só com uma bola de cristal para saber pelo menos se o REDD e o fundo para países pobres serão de fato assinadas, quer dizer, se haverá um acordo por escrito. Na Conferência do Clima tudo tem que ser por unanimidade. Mas estou otimista com avanços nessas áreas.

EcoDebate, 13/12/2010


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