Alta da soja põe em xeque pacto na Amazônia
O aquecimento do mercado internacional de soja pode levar as grandes tradings do setor a rediscutir alguns tópicos da moratória que proíbe a compra de grãos de áreas da Amazônia. A guinada na demanda pela commodity, que tem provocado recordes sucessivos nos preços, já levanta questionamentos sobre algumas “amarras” do acordo. Por César Felício e Bettina Barros, Valor Online, 07/03/2008.
A principal delas é a impossibilidade de desmatamento dentro do limite permitido por lei – no caso do bioma amazônico, 20% da área total da propriedade. Nos moldes de hoje, a moratória vai além da legislação ambiental brasileira, proibindo a compra de soja proveniente de qualquer área desmatada da região amazônica.
“É difícil para o setor manter o compromisso de não comprar soja de áreas novas, se estiverem dentro dos limites legais. A União Européia com certeza vai pressionar, mas o crescimento da demanda da China tende a diminuir o peso do prêmio pago pelos europeus”, afirmou ao Valor Jacyr Bongiolo, presidente do Grupo André Maggi. O grupo é um dos maiores produtores de soja do mundo.
O grupo Maggi pré-financia a produção de cerca de 700 sojicultores – o equivalente a cerca de 70% de seus fornecedores -, que são obrigados a aceitar o monitoramento completo de seu manejo ambiental. Mesmo com terminais fluviais em Porto Velho (RO) e Itacoatiara (AM), o executivo diz que a empresa não compra produção do sul do Amazonas ou da região ribeirinha do Madeira.
A reclamação do setor, no entanto, ocorre desde o início das negociações para a moratória, anunciada em meados de 2006, mas tem subido de tom por uma razão simples: de dois anos para cá, a saca de 60 quilos da soja avançou de US$ 10 para US$ 23.
Segundo Bongiolo, o mercado em alta pode estimular tradings menores, não-signatárias do acordo, a entrarem no mercado amazônico. “É preciso ajuda financeira do governo para a preservação da floresta, ou empresas que estão fora do acordo podem dar liquidez à produção de soja em áreas novas.”
Paulo Adário, do Greenpeace, um dos grandes propulsores da moratória no Brasil, diz ter ouvido declarações semelhantes. “Ouvi alguns produtores em Alta Floresta [norte do Mato Grosso] dizendo que tem chineses batendo na porta deles… como quem diz, se vocês encherem muito, vendo pra eles. Mas claro que estamos falando de uma minoria”.
Segundo o ambientalista, uma flexibilização da moratória – que permitisse corte de 20% da área florestal da propriedade rural – poderia ser feita no futuro, mas não sem contrapartidas. “Antes, todas as propriedades teriam de ser cadastradas no Incra, comprovar a reserva legal, o que quase ninguém faz”, diz ele. “Começamos com restrição total, porque uma vez que começam a cortar, ninguém segura, perdemos o controle”.
Um dos desafios será criar um marco legal para a preservação da reserva legal. Segundo Adário, muitos produtores não regularizam suas propriedades, porque acreditam que a medida provisória que determina o percentual de 80% de preservação da floresta pode mudar. “Há uma margem de insegurança jurídica. Com a transformação da medida provisória em lei definitiva, a regularização deslancha”, concorda Bongiolo.
Adário cita avanços propiciados pela moratória – o maior deles talvez tenha sido o de colocar à mesa traders e ambientalistas -, mas afirma que os desmatamentos ainda estão ocorrendo. Em diversos vôos rasantes realizados ao longo do ano passado sobre as propriedades de soja da região, os ambientalistas detectaram novas áreas abertas, ainda inutilizadas. “As áreas estão abertas e certamente eles não irão plantar tulipas ali.”
Com o mercado de grãos em alta, essas áreas sugerem novo avanço na plantação para a próxima safra. Para a safra atual, de 2007/08, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) já projeta elevação para 5,6 milhões de hectares (alta de 9,5%) no Mato Grosso apenas na produção de soja.
“É duro controlar a ponta da oferta quando a demanda é maior”, admite o deputado federal Homero Pereira (PR/MT). “Só se planta muita soja, porque alguém está comendo muita soja”. Ele pondera, no entanto, que ainda é grande a margem de expansão da cultura em áreas fora do bioma amazônico. Segundo Bongiolo, dos 22 milhões de hectares de pastagem no Mato Grosso, 70% estão degradados e poderiam ser transformados em produção de grãos.