COP-16 não dá mostra de que negociações vão além do decidido no ano passado em Copenhague
Governo japonês surpreende e assume posição contrária a acordo que reafirme as bases do Protocolo de Kyoto
Depois de uma semana morna, marcada por discursos ideológicos, poucos representantes de peso e nenhuma negociação, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-16) tem até sexta-feira para promover avanços nas discussões que podem ser decisivas para a construção de um acordo pós-Kyoto. Mesmo que no início do encontro, na semana passada, não houvesse expectativas de que um documento substituto ao protocolo fosse criado, esperava-se que os negociadores chegassem ao menos a um esboço das questões a serem discutidas no ano que vem, na África do Sul.
Apesar da chegada de ministros e alguns chefes de Estado na sexta-feira, Cancún provavelmente não vai terminar melhor do que Copenhague. Pelo contrário, a semana crucial da conferência começou com uma baixa: o anúncio de que o Japão não pretende assinar um acordo vinculante para dar continuidade a Kyoto, cuja primeira fase expira em 2012. O país oriental segue o exemplo dos Estados Unidos, que nunca ratificaram o acordo e — principalmente agora, com a derrota dos Democratas nas eleições legislativas (leia mais nesta página), devem se esforçar pouco para reduzir emissões de CO2. Reportagem de Paloma Oliveto, no Correio Braziliense.
A avaliação de observadores que participam do encontro é que, até agora, houve o “triunfo do estilo sobre a substância”. Essa foi a definição de Mohamed Adow, conselheiro sênior da organização não governamental britânica Christian Aid. Um esboço do texto que será apresentado pela presidência do evento ao governo mexicano circulou nos bastidores da COP-16 e não agradou os países em desenvolvimento nem os ambientalistas. “Apesar de o texto conter algumas questões interessantes sobre mitigação e financiamento, os países ricos continuam vinculando esses pontos às demandas que querem ver atendidas por parte das nações mais pobres”, denunciou Adow, em um texto divulgado à imprensa.
A briga dos ricos e pobres vem dando o tom da COP-16. Enquanto os países em desenvolvimento cobram metas mensuráveis, investimentos reais (seja no fundo verde ou no REED , mecanismo de combate ao desmatamento de florestas) e transferência de tecnologia, os desenvolvidos insistem na ideia de que as nações que experimentam um crescimento econômico mais robusto — o bloco Bric, do qual o Brasil faz parte com Índia, Rússia e China — também precisam provar que cortam emissões de carbono. Algo que as nações em desenvolvimento não aceitam, já que atribuem aos mais ricos danos históricos, originados na Revolução Industrial.
Concessões
Mantendo o mesmo discurso do ano passado, o negociador-chefe americano, Jonathan Pershing, que chegou a Cancún na sexta-feira, já disse que o sucesso das reuniões vai depender de um “equilíbrio”, no qual “americanos, chineses, indianos e brasileiros” façam concessões. As provocações entre ricos e países em desenvolvimento quase terminaram com a COP-16 na noite de sábado. Assim como aconteceu no ano passado, quando o bloco dos africanos se recusou a participar das reuniões, emperrando as negociações, representantes da Alba, que inclui Venezuela, Bolívia e Cuba, entre outros, disseram que abandonariam o encontro se não houvesse um documento “crucial” para substituir Kyoto. Segundo eles, um “punhado de países, que não são nem cinco”, estão bloqueando as negociações. Além dos EUA e do Japão, a Austrália e a Rússia seriam os outros dois. A negociadora da Dinamarca, Connie Hedegaard, criticou as brigas políticas: “Viemos aqui para negociar, não para reiterar as posições nacionais”, afirmou.
Procurando aparar as arestas, o governo mexicano garante que Cancún não será o fracasso de Copenhague. “Precisamos continuar trabalhando com um senso de urgência. Estou otimista de que vamos conseguir avançar muito rápido nos próximos dias”, afirmou a ministra de Relações Exteriores, Patricia Espinosa. Ela também garantiu total transparência na divulgação do documento final. No ano passado, reuniões a portas fechadas durante a madrugada, encabeçadas pelo presidente americano Barack Obama, terminaram no “Acordo de Copenhague”, um documento de duas páginas, sem força jurídica, que desagradou os países em desenvolvimento e frustrou os ambientalistas.
BILHÕES DE PREJUÍZO
A partir de 2030, a mudança climática causará indiretamente cerca de um milhão de mortes por ano, trazendo, também, prejuízos anuais de US$ 157 bilhões, de acordo com estudo divulgado ontem em Cancún, durante a COP-16. A miséria se concentrará em mais de 50 dos países mais pobres do planeta, mas os Estados Unidos vão pagar o maior preço econômico, diz o relatório da Dara, uma organização não governamental sediada em Madri.
“Se não houver ações corretivas”, diz uma nota à imprensa que acompanha o estudo, o mundo “se dirigirá a uma triste situação”. Mais da metade dos US$ 157 bilhões em perdas — em termos da economia atual — terá lugar nas potências industrializadas, encabeçadas por EUA, Japão e Alemanha. Mas em termos de custo para o PIB, a proporção será muito menor nessas nações.
“Em menos de 20 anos, quase todos os países do mundo perceberão sua alta vulnerabilidade ante o impacto do clima, à medida que o planeta se aqueça”, adverte o relatório, que avaliou a forma como 184 nações serão afetadas em quatro áreas: saúde, desastres climáticos, perda do hábitat humano devido à desertificação e à elevação do nível do mar, além do estresse econômico. Os que enfrentam “aguda” exposição são 54 países pobres ou muito pobres, incluindo a Índia. São os que sofrerão desproporcionalmente em relação a outros, porque são os últimos culpados pela emissão de gases de efeito estufa que provocam as mudanças, diz o informe.
REPUBLICANOS DIFICULTAM DEBATES
Se nem com a maioria na Câmara dos Representantes, no ano passado, Barack Obama conseguiu costurar um acordo ambicioso em Copenhague, agora que os Republicanos venceram as eleições legislativas, as chances de os EUA se comprometerem com corte de CO2 estão próximas de zero. Declarações de parlamentares de oposição ao governo dão o tom do que se pode esperar: ceticismo em relação às mudanças climáticas e nenhuma vontade de avançar nos debates.
Um dos mais ricos congressistas americanos, o deputado Darrell Issa, da Califórnia, quer investigar os cientistas que trabalham com dados climáticos. Para ele, os alarmes da ciência não passam de mentiras, como se chegou a suspeitar, no ano passado, quando uma série de e-mails trocados por pesquisadores da Universidade de East Anglia vazaram, dando a impressão — já comprovadamente falsa — de que os indicadores sobre mudanças climáticas eram manipulados. Mesmo depois de o “Climagate” ter acabado em nada, Issa insiste na tese.
A opinião do californiano é compartilhada pela maioria da Câmara dos Representantes. Chega a parecer piada, mas, no ano passado, John Boehner, de Ohio, deu uma entrevista à rede ABC na qual afirmou que “a ideia de que o dióxido de carbono é cancerígeno, que é perigoso para o ambiente, é quase cômica”. Já o candidato a presidente da Comissão de Energia e Comércio John Shimkus apelou às figurativas passagens bíblicas para contestar os efeitos do aquecimento global. Citando Gênesis, capítulo 8, versículo 22, ele fez pouco das mudanças climáticas, durante uma audiência no Congresso, em 2009: “Enquanto a Terra durar, não deixará de haver sementeira e ceifa, frio e calor, verão e inverno, dia e noite”. Fazendo da Bíblia suas palavras, Shimkus acrescentou: “Acredito que essa é a palavra infalível de Deus”.
Outro candidato ao posto, Joe Barton, do Texas, argumenta que as emissões de CO2 não têm nada a ver com mudanças climáticas. Se tiverem, segundo ele, as pessoas se adaptarão. “Quando chove, encontramos um abrigo. Quando está quente, vamos atrás da sombra. Quando está frio, encontramos um lugar quente para ficar.” É nesse espírito que os EUA chegarão à África do Sul no ano que vem, quando, espera-se, saia um acordo vinculativo pós-Kyoto. (PO)
EcoDebate, 08/12/2010
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