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Artigo

Segundo desafio para Dilma Rousseff. Desenvolvimento sustentável e meio ambiente, artigo de Raimundo Caramuru Barros

Depois de descrever a redução das aviltantes desigualdades sociais do Brail, como primeiro desafio do governo Dilma Rousseff, Raimundo Caramuru Barros, economista, descreve o segundo desafio do novo governo.

Raimundo Caramuru Barros é mestre em economia pelo Boston College, EUA. Foi consultor do Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID e atuou como especialista nas áreas de transportes, trânsito e meio ambiente, dedicando-se em seguida à assessoria de diversas organizações não-governamentais. É autor de Desenvolvimento da Amazônia – como construir uma civilização da vida e a serviço dos seres vivos nessa região (Editora Paulus, 2009). Publicou livros e artigos sobre a Igreja no Brasil, entre eles, Dom Helder: Artesão da Paz, uma publicação do Senado Federal, volume 120.

O sistema de capitanias hereditárias – em que pese a sua curta duração de 15 anos, quando foi substituído pela figura de um Governador Geral centralizador – constituiu na prática a base institucional da estrutura política e administrativa do Brasil ao longo dos últimos cinco séculos. Dele decorrem as províncias do regime imperial e as Unidades da Federação do Brasil republicano. Deste sistema nasceu também o latifúndio – que caracterizou a posse da terra no Brasil rural – legitimado pela Lei da Terra de 1850. Nele também teve origem a dicotomia entre o Brasil litorâneo dotado de uma economia orientada para o comércio exterior e sustentada pela mão de obra escrava, e o Brasil interiorano, dotado de uma economia, de uma sociedade e de uma cultura próprias, ignoradas durante séculos pela sociedade dominante, instalada no litoral atlântico.

Ao longo das últimas décadas tem se firmado e crescido a tomada de consciência da originalidade excepcional do território brasileiro, localizado inteiramente no interior da Placa Tectônica Sul-Americana que se estende da cordilheira do Andes até a cadeia de montanhas oceânicas do Atlântico Sul, cujos picos emergem das águas em forma de ilhas e separam a Placa Sul – Americana da Placa Africana. Esta localização peculiar tornou o território brasileiro livre de erupções vulcânicas e abalos sísmicos violentos; e criou condições para que este território viesse a abrigar uma das mais diversificadas e pujantes biodiversidades hoje conhecidas. Essa biodiversidade está estruturada em nove conjuntos de ecossistemas:

• ecossistemas amazônicos;
• ecossistemas da região dos cerrados;
• ecossistemas do pantanal;
• ecossistemas da região das caatingas (Nordeste);
• ecossistemas do meio norte (Piauí e Maranhão);
• ecossistemas da Região de maior densidade econômica do país, situada entre a Floresta Atlântica, o Nordeste, os Cerrados e os Pinheirais;
• ecossistemas da Região dos Pinheirais;
• ecossistemas do Extremo Sul (metade sul do R.G.S);
• ecossistemas da Região Costeira e da Floresta Atlântica.

Esta exuberância e diversidade de seres vivos devem ser levadas em conta no planejamento e execução das atividades humanas nesses conjuntos de ecossistemas. Este planejamento, porém, é chamado a optar entre dois processos e modelos distintos de “desenvolvimento sustentável”. Na realidade, cada um desses modelos corresponde a um conceito e a um paradigma específico de civilização.

O primeiro modelo corresponde ao paradigma de civilização, oriundo das revoluções industriais dos séculos XIX e XX, que conferem prioridade total à transformação da matéria bruta inorgânica para colocá-la a serviço do ser humano, mesmo que este empreendimento elimine irremediavelmente cadeias inteiras de seres vivos. Seu único cuidado é utilizar tecnologias que destruam o menos possível essas cadeias biológicas e ao mesmo tempo assegurem a rentabilidade econômica e financeira do empreendimento. Por esse motivo esse modelo conduz na prática a um pseudo-desenvolvimento sustentável.

O segundo modelo confere prioridade total à vida e aos seres vivos e leva o ser humano a desenvolver e aplicar tecnologias que aperfeiçoem as cadeias biológicas que contribuem para o seu bem estar. Este aufere os frutos gerados por essas cadeias biológicas sem destruí-las e eliminá-las irremediavelmente. Os protagonistas deste modelo utilizam tecnologias que transformam a matéria inorgânica tão somente quando estas conduzem ao aperfeiçoamento das cadeias biológicas em coerência com a solidariedade do ser humano para com os seres vivos que lhe proporcionam bem-estar individual e social. Este modelo assegura o verdadeiro desenvolvimento sustentável e constitui a base de uma civilização a serviço da vida e do aperfeiçoamento dos seres vivos.

Apoiando-se sobre as estruturas políticas vigentes (União, Unidade da Federação, Municípios e Acordos Internacionais) este modelo de desenvolvimento pautar-se-á pelas exigências de cada ecossistema e bioma no que diz respeito:

• ao processo de urbanização;
• à gestão dos recursos hídricos;
• á ocupação e exploração do solo,
• à manutenção da qualidade do ar;
• à implantação da infra-estrutura econômica (energia, transporte e meios de comunicação) e social (educação, habitação, saneamento básico e demais serviços de saúde).

Todas essas políticas devem ser concebidas e implementadas de maneira integrada e convergente na cooperação estreita entre o Poder Público, a Iniciativa Privada e o conjunto da Sociedade. Igualmente indispensável é a implantação de um monitoramento permanente das condições climáticas que, como se sabe, dependem em grande parte da interação entre os oceanos e atmosfera.

Um empreendimento desse calibre e natureza requer ao menos três décadas para sua implantação e deve constituir uma política de Estado a ser levada à frente sem deformações e adiamentos pelo Governo de plantão. A consolidação crescente do processo democrático é uma condição sine qua non deste ambicioso e mega-programa. A Amazônia pela sua dimensão continental e pela sua interconexão com relevantes ciclos planetários merece uma consideração peculiar.

(Ecodebate, 18/11/2010) publicado pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]


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