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Notícia

Poluição, destruição de matas e retirada de areia já causaram a redução de 73% do volume do Itapecuru, no Maranhão

Um rio ameaçado de sumir – O Itapecuru corta 52 municípios e liga o sul do Maranhão ao Atlântico. A bacia é a mais importante das 12 que abastecem a região

São Luís (MA) – Com 1,2 mil km de extensão, o Rio Itapecuru, que liga o sul do estado do Maranhão ao Atlântico, corta 52 municípios e abastece cerca de 65% da população da capital, São Luís, corre o risco de desaparecer. O processo de poluição da água, o assoreamento, a destruição das matas ciliares e a retirada ilegal de areia já fizeram o rio perder 73% do seu volume. Além de um iminente desabastecimento, a queda na qualidade da água castiga principalmente as comunidades tradicionais da região, tais como indígenas, pescadores, agricultores e quebradeiras de coco. Renata Mariz, Enviada especial do Correio Braziliense, 08/03/2008.

Os 52 municípios que integram a bacia do Itapecuru, a mais importante das 12 que banham o estado, reúnem uma população de, aproximadamente, 3 milhões de pessoas. Muitas delas tiram o sustento das águas do rio. “Antigamente o pescador saía cedo e na hora do almoço estava em casa com o peixe na mesa. Agora, passa um, dois dias inteiros no rio para trazer quase nada”, conta Erinaldo dos Santos, nascido e criado em Cantanhede, banhado pelo Itapecuru.

Técnico em agropecuária, Erinaldo trabalha em um projeto de reflorestamento de matas ciliares. “As árvores das duas margens se encontravam, fechavam mesmo a visão. Agora está tudo aberto”, diz o jovem de 25 anos. Embora seja o rio mais importante do Maranhão, os órgãos locais não sabem ao certo o ritmo de desmatamento na região nem o nível de poluição das águas. “Queremos iniciar esse diagnóstico o quanto antes. Mas observamos que o problema está cada vez mais sério”, afirma o secretário estadual de Meio Ambiente, Othelino Neto.

Para angariar apoio ao projeto de revitalização da bacia do Itapecuru, o governo do Maranhão, com a ajuda da Agência Brasileira de Cooperação, ligada ao Itamaraty, reuniu, esta semana, representantes de seis ministérios e vários organismos internacionais. Acordos de intenção foram firmados. Raphael Singer, primeiro-secretário da Embaixada de Israel, adiantou que seu país vai estudar uma maneira de atuar.

Esgoto

Todos os 52 municípios cortados pelo Itapecuru despejam esgoto sem tratamento no rio. O problema, segundo Othelino Neto, é um dos mais graves e de difícil solução. “Tratar esgoto é relativamente caro. Então, os projetos nessa área terão de levar em consideração o custo com o qual o município precisará arcar. Estamos falando de municípios, em grande parte, pequenos e carentes de recursos”, explica o secretário de Meio Ambiente. Segundo ele, dentro do projeto de revitalização está previsto um estudo para avaliar a quantidade de esgoto lançado no rio, informação ignorada hoje pelas autoridades.

A dependência da cidade de São Luís, que retira 65% da água consumida do Itapecuru, é outra pressão no sentido de revitalizar a bacia. O problema de abastecimento da capital maranhense, no entanto, não se resume às condições críticas do rio. O que tira o sono dos técnicos é um defeito na rede adutora, que puxa a água do Itapecuru. Dos 62km de extensão que essa tubulação tem, 18km estão em processo avançado de corrosão, por problemas de engenharia, com perda de 50% da espessura da parede do duto.

Quanto mais grave a corrosão, maior a probabilidade de rompimentos. Só nos primeiros dois meses deste ano foram duas ocorrências. “Quando isso ocorre, gastamos de 24 horas a 72 horas para resolver. Mas, se houver um rompimento em grandes proporções, a cidade entra em colapso”, admite José Augusto Soares, técnico da Companhia de Águas do Maranhão. Ele ressalta que o governo estuda atualmente como substituir a rede adutora problemática, construída há apenas 27 anos. A obra custará R$ 80 milhões.

Prejuízos sociais

O impacto da destruição ambiental na bacia do Itapecuru vai além dos peixes, dos animais, das plantas. Atinge em cheio o homem. É o morador ribeirinho quem mais sofre com doenças, desemprego e fome. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) nos 52 municípios banhados pelo rio varia entre 0,49, considerado muito baixo pela Organização das Nações Unidas e semelhante ao de países africanos como o Gabão, até 0,66, inferior à média nacional, de 0,8.

A taxa de analfabetismo entre jovens e adultos é de 36%. Há registros de trabalho análogo à escravidão em pelo menos 18 dos 52 municípios que a bacia abrange. Doenças como tuberculose, leishmaniose, hanseníase e dengue preocupam a Secretaria de Saúde. O secretário da pasta, Edmundo Gomes, afirma que todas as patologias de veiculação hídrica são acentuadas na região. “Muitas são doenças que acompanham a pobreza”, afirma o secretário, sem, no entanto, mencionar números de casos.

Sílvia Teresa Melonio mora e trabalha na região da bacia do Itapecuru na área agrícola. Ela relata os inúmeros casos de doenças de pele surgidos na área. “Os que mais sofrem são as crianças e os velhos com diarréias, infecções. Nossa água, nesta época de chuvas, fica escura”, afirma Sílvia.

Latifúndio

O padre Valdeci Mendes, de Coruatá, um dos municípios cortados pelo rio, afirma ser evidente que a situação social dos moradores da região tem ficado cada vez mais complicada. “Em época de SAFRA, toda sexta-feira tem ônibus saindo da cidade levando gente para o corte de cana em São Paulo, onde pessoas chegam a morrer por exaustão”, lamenta. O religioso também aponta a expansão dos latifúndios como causa das mazelas que acometem a região. “Se esse projeto ambiental não envolver os latifundiários, não vai dar em nada”, sentencia.

A repórter viajou a convite do governo do Maranhão