Divergências marcam debate sobre mineração em terras indígenas
Substitutivo sobre o tema aguarda votação há meses em comissão especial da Câmara. Relator afirma que o texto é equilibrado e concilia diversos interesses.
Desde que começou a tramitar na Câmara, há 14 anos, o projeto que regulamenta a exploração de minérios em terras indígenas (PL 1610/96) já acumula mais de 130 emendas e um histórico considerável de pontos polêmicos. O longo período de discussão se justifica por divergências entre as expectativas dos povos indígenas e os interesses das empresas de mineração.
A principal preocupação dos índios se concentra nos possíveis impactos socioambientais que a atividade causaria nas aldeias. As mineradoras, por sua vez, afirmam que a pesquisa e a lavra de minerais nobres, como ouro, diamante e nióbio – utilizado em usinas nucleares -, atendem interesses nacionais e são fundamentais para o desenvolvimento do País.
Encarregado de propor um ponto pacífico para a questão, o relator dos projetos de lei sobre mineração em terras indígenas (PLs 1610/96, 7099/06 e 5265/09), deputado Eduardo Valverde (PT-RO), acredita que o seu texto substitutivo é capaz de satisfazer aos anseios de ambas as partes. O substitutivo está pronto para votação na comissão especial que analisa o tema.
[Leia na íntegra]“O texto é equilibrado e tenta conciliar o interesse econômico da mineração com a preservação de valores, tradições e direitos originários dos índios”, diz Valverde.
Se comparado ao texto original dos projetos, o substitutivo incorpora 40 emendas, atende outras 30 de forma parcial, rejeita 62 e considera 4 inconstitucionais.
Segundo Valverde, algumas inovações propostas, como a possibilidade de licitar a exploração de áreas de alto rendimento, vão permitir que as comunidades indígenas negociem mais benefícios com empresas exploradoras.
Outro fator considerado pacificador é a previsão de um fundo de desenvolvimento étnico para os índios, tomando por base recursos da exploração mineral.
Para alguns especialistas, no entanto, a criação do fundo seria inconstitucional, por retirar do poder público o dever de prestar assistência aos índios. Segundo eles, o fundo se valeria da apropriação de riquezas de comunidades indígenas específicas para financiar demandas de outras comunidades.
Direito de recusa
Além da licitação e do fundo de desenvolvimento, Valverde destaca que o substitutivo concede aos índios a palavra final em relação à exploração de recursos minerais em suas terras. “Esse direito de recusa retirou boa parte da resistência das nações indígenas à proposta”, diz o relator.
Valverde não descarta, entretanto, que o texto seja alterado para permitir exceções nos casos em que haja interesse estratégico para o Brasil.
Opinião dos indígenas
O representante da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), Maximiliano Menezes, diz que é contra a ideia de utilizar o conceito de interesse nacional para viabilizar atividades de mineração nas aldeias. “Para explorar o subsolo, eles vão ter que mexer no solo. Portanto, o ‘não’ da população indígena precisa ser respeitado”, afirma.
Para Menezes, a possibilidade de recusa é fundamental, mas não encerra a discussão. “Quando se fala em ouvir a comunidade indígena é que começa o problema. Um cacique que responde apenas por cinco ou seis famílias pode autorizar a pesquisa e a lavra sem que o resto da comunidade esteja de acordo”, afirma Menezes. Ele defende mais representatividade, ao sugerir que as consultas sejam feitas às entidades habilitadas a representar e a negociar em nome dos povos indígenas.
Menezes também critica o fato de o Congresso discutir a exploração de minérios antes de aprovar o projeto que cria o Estatuto dos Povos Indígenas (PL 2057/91), cuja tramitação está paralisada desde 1994, quando foi aprovado por uma comissão especial. Na época, houve requerimento para que o texto fosse a Plenário, mas esse pedido nunca foi votado.
“O estatuto regulamenta uma série de garantias constitucionais concedidas aos índios e não apenas a mineração. Por isso, ele deveria ser aprovado antes”, afirma Menezes.
De acordo com o artigo 231 da Constituição, “são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.”
Já em relação à pesquisa e à lavra de recursos minerais, a Carta Magna estabelece que o aproveitamento só pode ser feito com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas e assegurando a elas participação nos resultados da lavra, na forma da lei. A Constituição também determina que a exploração dos recursos hídricos em áreas indígenas, incluídos os potenciais energéticos, fiquem sujeitos às mesmas exigências.
Reportagem de Murilo Souza / Edição de Pierre Triboli, da Agência Câmara, publicada pelo EcoDebate, 29/09/2010
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