Árvores escalam montanhas para fugir do calor, artigo de Fernando Reinach
foto: Corbis
À medida que a temperatura na Europa aumentou, as árvores da faixa mais baixa não conseguiram sobreviver, mas em compensação as sementes que germinaram em alturas antes inóspitas agora encontraram um ambiente propício
[O Estado de S.Paulo] Mesmo quem nunca esteve nos Alpes sabe como é o verão na região. Cartões-postais mostram vacas pastando ao lado de riachos em vales verdejantes. Ao fundo, observamos montanhas com florestas nas encostas e neve nos picos.
Se você caminhar do fundo de um desses vales em direção ao topo da montanha vai observar que a vegetação se altera à medida que você sobe. O pasto é substituído pela floresta, e esta vai se tornando mais rala até que desaparecem as árvores. Após certa altura deixa de existir qualquer vegetação.
A mudança é conhecida dos ecologistas. Como o clima se altera à medida que subimos, diferentes espécies de vegetais ocupam cada nível da montanha. Espécies adaptadas ao frio ficam próximas ao pico, espécies adaptadas à temperaturas mais altas ficam próximas ao vale. A mesma distribuição ocorre horizontalmente quando viajamos da região tropical em direção aos pólos. Perto dos trópicos predominam espécies adaptadas ao calor.
À medida que nos aproximamos dos círculos polares encontramos, na mesma altitude, espécies que nas montanhas ocupam a região próxima aos picos nevados. O paralelo é tão claro que nos cursos de ecologia aprendemos que um deslocamento vertical de algumas centenas de metros equivale a um deslocamento horizontal de alguns milhares de quilômetros.
Nas montanhas européias esse fenômeno tem sido estudado há mais de cem anos. Cada espécie de árvore tem sua altitude preferencial. Para medi-la, o cientista sobe a montanha e mede a densidade (número de árvores por metro quadrado) de uma espécie de árvore a cada altitude. A densidade, que inicialmente é baixa, aumenta, chega ao máximo e finalmente diminui quando a temperatura fica muito baixa. A altitude preferencial é a altitude onde a densidade de árvores é máxima.
Recentemente um grupo de ecologistas coletou os mais de 28 mil levantamentos do tipo feitos entre 1905 e 2005 para 160 diferentes espécies de plantas nas seis cordilheiras européias. Eles dividiram os levantamentos em dois grupos: antes e depois de 1985.
Quando os grupos foram comparados, eles observaram que a altitude preferencial da maioria das espécies se deslocou para altitudes maiores ao longo do século. Todas as árvores “subiram” a montanha. Na média, subiram 30 metros por década durante o século XX.
Os cientistas acreditam que isso ocorreu por causa do aquecimento global. À medida que a temperatura na Europa aumentou , as árvores da faixa mais baixa não conseguiram sobreviver, mas em compensação as sementes que germinaram em alturas antes inóspitas agora encontraram um ambiente propício.
Essa é mais uma conseqüência do aquecimento global, as árvores são obrigadas a subir as montanhas para escapar do calor. É fácil imaginar o que vai ocorrer quando, após subirem 30 metros por década, elas não tiverem mais para onde ir.
Fernando Reinach é biólogo.
Artigo originalmente publicado pelo O Estado de S.Paulo, 31/07/2008.
[EcoDebate, 02/08/2008]