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O dia sem carro e a mobilidade (in)sustentável, artigo de Uirá Lourenço

trânsito

[Correio Braziliense] Neste mês, celebra-se em diversas cidades o Dia Mundial sem Carro (22/9), data em que se busca mostrar a importância de cidades pensadas para pessoas e não para motores. Infelizmente, no Distrito Federal ainda se mantém a lógica rodoviarista da década de 1950. Ao contrário de outras cidades que despertaram para a mobilidade sustentável, a exemplo de Londres, Copenhague, Nova York e Bogotá, aqui ainda se prioriza o transporte por automóvel. Criação e ampliação de vias, construção de viadutos e túneis fazem do DF um canteiro de obras viárias. Para completar, vagas de estacionamento gratuitas e possibilidade de estacionar o carro em calçadas, canteiros e outros locais proibidos.

O transporte coletivo é uma lástima, caro e desintegrado. Longa espera, falta de informação sobre linhas e itinerários, ausência de abrigos, terminais e corredores exclusivos são características do transporte por ônibus. No metrô, superlotação, espera relativamente longa e baixa extensão. Aos que optam por caminhar, faltam calçadas. Quando existem, estão em mau estado ou invadidas por carros. Dos 600km de ciclovias prometidos até 2010, foram concluídos 42km. Não existe ligação entre as poucas ciclovias, faltam vagas para bicicletas, campanhas educativas e fiscalização voltadas à segurança de quem pedala.

[Leia na íntegra]Enquanto isso, nas vias expressas, os carros ganham ainda mais espaço. EPGU, Epar, Epia e EPTG foram ampliadas. Apesar dos 2 mil pedestres e ciclistas mortos em 10 anos, apenas no DF, o governo continua com a política de transporte voltada à fluidez motorizada, que inclui o aumento do limite de velocidade nas vias e a conversão de acostamentos em terceira pista para a circulação de carros.

Em cidades civilizadas, ciclistas e pedestres têm mais liberdade e segurança para circular. Copenhague, uma cidade europeia com inverno rigoroso, ostenta a marca de 40% dos deslocamentos diários feitos de bicicleta. Nas cidades da Holanda, a bicicleta é o veículo principal de jovens, crianças e idosos. Na América Latina, Bogotá se destaca. Investimentos em ciclovias e no transporte coletivo transformaram a cidade. Graças ao sistema rápido de ônibus (Transmilenio), que inclui corredores exclusivos, 70% dos deslocamentos motorizados são feitos de ônibus.

No Brasil também há bons exemplos de mobilidade urbana. Sorocaba, cidade no interior paulista, passou a investir em rotas seguras para ciclistas e instalou vagas públicas de estacionamento para bicicletas. A tinta vermelha usada nas ciclovias colore boa parte da cidade. A região da Grande Vitória, no Espírito Santo, possui sistema integrado de ônibus com terminais, linhas expressas e executivas. Com o valor de uma tarifa (R$ 2,15), pode-se cruzar de norte a sul a área metropolitana, uma distância de 90km.

O Dia sem Carro seria um momento de mostrar que uma Brasília mais humana é possível. Restringir o espaço dos automóveis e criar áreas de lazer e convívio são ações adotadas em diversas cidades que celebram a data. Vagas de estacionamento para carros transformam-se em pontos de leitura, com poltronas e livros, e passam a se denominar vagas vivas. Espaços para descanso, alongamento e práticas esportivas são espalhados pela cidade. No Distrito Federal, apesar de a data ter sido instituída em lei de 2005, nunca foi feito algo de relevante por parte do governo.

Justamente no mês em que se celebra o Dia sem Carro, os usuários de bicicleta do DF receberam um péssimo presente. A Estrada Parque Taguatinga (EPTG), chamada pelo governo de Linha Verde, passa por mega-ampliação aos carros e não terá ciclovia. Apesar da via para bicicletas estar toda projetada, a rodovia será entregue apenas para atender o fluxo de carros. As centenas de usuários de bicicleta que usam a via todo dia continuarão a dividir espaço com os motoristas. E os usuários de ônibus não terão, no início, o prometido corredor exclusivo, que daria maior rapidez ao transporte coletivo.

Mesmo com fama de moderna, a capital do país resiste aos rumos da sustentabilidade. É difícil reduzir a pressa automotiva e incentivar as formas coletivas e não motorizadas de locomoção num único dia do ano.

*Uirá Lourenço, Consultor legislativo da Comissão de Meio Ambiente da Câmara Legislativa do Distrito Federal e ciclista por opção.

Artigo originalmente publicado no Correio Braziliense.

EcoDebate, 22/09/2010

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