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Artigo

A luta pelo direito à terra, artigo de João Pedro Stedile


O Brasil é uma das sociedades mais injustas e desiguais do mundo. Em nenhum outro lugar há tanta diferença entre os mais ricos e os pobres. Os ricos acumulam cada vez mais riquezas e são menos de 1% da população. Acumulam patrimônio em terras, empresas, imóveis e saldos bancários. Estão cada vez mais associados ao capital estrangeiro. Os pobres, os 40% que estão na base da pirâmide social, amargam a luta quotidiana por emprego, alimentar-se, ter escolas para seus filhos e viver melhor. E só não passam mais fome, porque o governo lhes alcança uma bolsa-família salvadora. Essas injustiças sociais têm raízes históricas, na forma como se organizou o capitalismo dependente e superexplorador de nosso povo e de nossas riquezas.

E, certamente, uma das principais causas é a forma concentrada da propriedade da terra. A maioria das sociedades sempre garantiu aos seus cidadãos direitos iguais no acesso à terra. Isto é um dos princípios republicanos: direitos iguais de acesso à terra a todos os cidadãos.

A maioria dos países desenvolvidos garantiu a democratização da propriedade da terra e seu acesso aos mais pobres, através de reformas agrárias. As reformas agrárias têm o objetivo máximo de garantir o acesso à terra a todos cidadãos, para que, trabalhando e dominando a natureza, possam sair da pobreza e melhorar suas condições de vida. Outros países usaram a reforma agrária também como uma forma de distribuição de renda, geração de emprego e fortalecimento do mercado interno, constituindo-se na base do desenvolvimento econômico industrial. Assim foi, nos Estados Unidos, com sua lei de 1862; em todos os países da Europa ocidental, entre a Revolução Francesa e a Segunda Guerra Mundial; no Japão, em 1946; na Coréia do Sul, em 1956. No Brasil, a classe dominante, sempre negaram aos cidadãos o direito de ter acesso à terra. Ao contrário, sempre usaram o Estado, as leis e a repressão para garantir seus privilégios e para acumular ainda a propriedade da terra. Daí resultou que, hoje, 1% da população, formado pelos mais ricos, controle 46% de todas as terras.

Perdemos a oportunidade de fazer reforma agrária no fim da escravidão. Depois, na revolução política de 30, com o inicio da industrialização. Na crise de1964, quando o saudoso Celso Furtado apresentou a melhor proposta de reforma agrária até hoje. Perdemos, na crise de 80. E o governo Lula, ao optar pelo agronegócio, perde mais uma oportunidade histórica de corrigir a estrutura da propriedade da terra. Assim, a terra vai se concentrando ainda mais. E, pior, passando para empresas estrangeiras, que segundo estimativas do jornal Folha de S.Paulo, já teriam mais de 24 milhões de hectares.

Infelizmente, a classe dominante brasileira acha que vai “resolver o problema” dos pobres do campo aumentando a repressão. Atiça os setores conservadores do Poder Judiciário e do Ministério Publico para controlarem os movimentos e suas lideranças, com processos e intimidações. E usam a imprensa para criminalizar os movimentos sociais. Ledo engano. Enquanto não se atacar o mal pela raiz de nada adiantará reprimir suas conseqüências. O problema só se agrava.

Temos uma lei de reforma agrária. Temos trabalhadores que querem ficar na terra. Temos necessidade de mais alimentos. Falta-nos apenas consciência social de como resolver pela raiz os males de nossa sociedade.

João Pedro Stedile, Coordenação nacional do MST

[Ecodebate, 31/07/2008]