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‘Uma escola boa é onde a criança pode ser feliz’. Entrevista com Euclides Redin

O provão feito nas universidades, depois de dez anos, já provou que não serve para nada. Então, o MEC resolveu alterar a modalidade de avaliação e, até hoje, nós, os professores universitários, não sentimos qualquer vantagem”, assim Euclides Redin analisa a questão das avaliações dos alunos brasileiros, sejam eles do ensino fundamental, médio ou superior. Em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line, Redin reflete sobre o processo de educação no país e fala sobre o que está por trás das diversas formas de avaliar o ensino. “Na última década, houve uma neurose de avaliações escolares. Tanta estatística, apontamento e resultados me parecem muito suspeitos porque não são neutros. Em geral, as avaliações não mostram onde a escola vai bem e onde ela vai mal. Ela leva os resultados para gráficos que vão acabar montando apenas um ranking e sempre que nós classificamos, estamos discriminando”, explicou.

Euclides Redin é graduado em Pedagogia pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras Nossa Senhora da Imaculada Conceição. É especialista em Orientação Educacional e mestre em Educação pela PUCRio e doutor em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo. Atualmente, é professor da Escola Superior de Teologia – EST, em São Leopoldo, RS.


IHU On-Line – O que a nota mais alta diz sobre o processo de educação?

Euclides Redin – Essa questão é muito séria. Se observarmos os testes que são feitos hoje de avaliação das escolas, perceberemos que são contraditórios. Eles nunca conseguem indicar que o aluno está aproveitando os processos da escola porque depende de quem faz a avaliação. Para uma escola que teve bom desempenho, eu perguntaria, em primeiro lugar, quem fez a avaliação. Depois questionaria quais são os objetivos da equipe que está avaliando. De fato, quem avalia quer ver alguma coisa que o interessa. Respondido isso, poderemos saber o que significam as notas que a escola recebeu. A escola pode estar bem, por exemplo, apenas nas disciplinas que se propõe e não necessariamente mostra ser um espaço de experiência de cidadania.

Na última década, houve uma neurose de avaliações escolares. Tanta estatística, apontamento e resultados me parecem muito suspeitos porque não são neutros. Em geral, as avaliações não mostram aonde a escola vai bem e aonde ela vai mal. Ela leva os resultados para gráficos que vão acabar montando apenas um ranking e sempre que nós classificamos, estamos discriminando.

IHU On-Line – Quais os limites do sistema de avaliação feito aqui no Brasil?

Euclides Redin – Eu tenho uma reserva muito grande quanto a isso. Nos últimos tempos, o Brasil tem avaliado de forma radical desde a pós-graduação até a educação infantil. Acho ridículo querer dar números para a aprendizagem de uma criança de quatro ou cinco anos. Há uma neurose de avaliações que não estão servindo para nada. Aliás, elas estão humilhando nossos professores, nossas escolas e convencendo os alunos que eles não prestam para aprender.

O provão feito nas universidades, depois de dez anos, já provou que não serve para nada. Então, o MEC resolveu alterar a modalidade de avaliação e, até hoje, nós, os professores universitários, não sentimos qualquer vantagem. Apenas nos sentimos ameaçados e constrangidos. Estes testes acabam colocando um curso contra o outro, uma universidade contra a outra, alimentando vaidades. Hoje, existe um novo sistema de avaliação do ensino superior que é mais sofisticado, portanto pior ainda, porque, quanto mais se entra de forma positivista no sistema da educação, menos nos ajuda.

IHU On-Line – E o Enem, professor?

Euclides Redin – Ele me assusta. Se gasta fortunas para que uma empresa imprima sob sigilo absoluto as provas. Até o quartel faz parte do processo para garantir a contribuição. Isso não é educação, isso é uma discriminação. Há um motivo muito sério por trás disso: controlar o que as crianças aprendem e o que querem aprender. Por que o exército tem que entrar no processo? Que ameaça é essa? Parece uma coisa de filme de terror!

E esse Enem está aí, vai acontecer e determinar o funcionamento do Ensino Médio e, ainda, como vai ser o vestibular, quem pode e quem não pode entrar na universidade. Toda a autonomia dos educadores fica atrelada a uma condição criada por uma comissão de empresas que tem por especialização elaborar e aplicar provas. O Brasil está numa posição muito ruim ao aderir a essa neurose de resultados que não ajuda em nada e, ainda por cima, custa muito ao país. Esse dinheiro poderia ser usado para melhorar as escolas, comprar equipamentos, pagar e formar melhor nossos professores… Isso sim poderia contribuir para melhorar as condições do Ensino Médio.

O mesmo ocorre com a avaliação da Capes. Hoje, nós nos perguntamos: qual é o melhor doutorado do Brasil? E a resposta é: todos são absolutamente iguais porque a avaliação determina como eles devem funcionar. O que pode mudar de uma universidade para outra são algumas condições de relacionamento entre professores e alunos. O resto tem que ser de acordo com a tirania da avaliação da Capes.

IHU On-Line – O censo escolar 2008 aponta que 74 mil crianças de seis anos foram reprovadas naquele ano. O que isso significa?

Euclides Redin – Significa que essas crianças não aprenderam aquilo que os avaliadores queriam que eles aprendessem. É impossível imaginar que esses milhões de jovens não tenham aprendido nada. Não aprenderam o que a escola impôs, mas certamente aprenderam outras coisas. A avaliação não mostra isso. Eu não estou dizendo que as escolas são incapazes de ensinar ou que as crianças não têm capacidade de aprender.

Uma das últimas avaliações analisou a questão da comunicação e da matemática e o resultado não foi muito positivo. Mas se fizermos uma análise de como as crianças são capazes de fazer contas e a trabalhar com dinheiro, nos surpreenderemos. As mães, que vivem em bairros muito pobres, conseguem passar um mês com um salário mínimo e sobrevivem, elas ensinam isso aos filhos. E para viver com um salário mínimo o mês todo nesse contexto em que estamos, tem que ser muito bom em matemática. Porém, essa não é a matemática do sistema escolar.

Já a questão da linguagem pode ser analisada da seguinte forma: os bandidos conseguem enganar a polícia de dentro das prisões porque usam outro tipo de linguagem. Eles sabem muito bem se comunicar e, além disso, conseguem criar linguagens que confundem qualquer sistema de segurança. Há algo que nós ensinamos e queremos que as crianças aprendam que está falhando. Não é isso que nossas crianças precisam. Essas estatísticas precisam indicar que escola nós temos, que escola queremos, para que fazemos escolas e quais são os ideais da nossa escola. Competência nossos professores e nossas crianças têm. Nossa escola vai para onde? Essa é a questão.

IHU On-Line – Uma vez o senhor nos disse que o jovem gosta da escola, mas não gosta da sala de aula. Como pensar numa reforma educacional a partir desse contexto?

Euclides Redin – Há experiências, em diversas partes do mundo, de escolas construídas na relação com o estudante de tal maneira que ele possa participar e gostar de todo o projeto. A escola por ciclos também é interessante. Porto Alegre viveu um momento bom nesse sentido onde a escola avalia constantemente para saber o que e como a criança está aprendendo para organizar possíveis reforços. Quando se tira da escola a avaliação, a reprovação e a nota, ela se torna boa. O conhecimento traz prazer, mesmo os mais difíceis. Os jovens são curiosos, mas podem não se motivar quanto a conhecimentos que não têm significado para suas vidas. O conhecimento tem que ter sentido para a criança. Seria possível nós avaliarmos a escola, mas com outras perguntas: O que é uma escola boa? E uma escola boa é onde a criança pode ser feliz. Essa seria a resposta certa.

(Ecodebate, 17/08/2010) publicado pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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