Acidentes nucleares lançam a França em um pesadelo de filme sci-fi
As empresas nucleares francesas, principalmente a Areva, esperavam desempenhar um papel central nos planos do governo de desenvolver e vender ao mundo uma nova geração de reatores, mas diversos acidentes ameaçam a credibilidade do setor.
Um campo de girassóis em frente à central nuclear Areva em Tricastin, em Bollene, no sul da França. Foto: Fred Dufour / AFP / Getty Images
Os acidentes em Tricastin, uma central nuclear controlada pela EDF, empresa que está prestes a comprar a British Energy e assumir o controle da maior parte das centrais nucleares britânicas, impede o consumo e utilização da água do sistema municipal de distribuição, obrigando a população a recorrer à água engarrafada. Por Henrique Cortez, do EcoDebate, com Agências.
Ao lado usina da EDF está um centro nuclear tratamento, pertencente a uma filial da Areva, o grupo nuclear que projetou muitos dos novos reatores nucleares britânicos. No mês passado, um acidente no centro de tratamento, durante uma operação de drenagem, derramou líquidos radioativos. Cerca de 75 kg de urânio contaminaram a terra e os rios Gaffiere e Lauzons, afluentes do Ródano.
A maioria das casas no entorno da central nuclear é abastecida por poços subterrâneos, o primeiro sistema de abastecimento a ser proibido, como pescar e nadar nos dois rios atingidos. Os monitoramentos diários, realizados por técnicos com trajes anti-radiação, além de contribuir a sensação de insegurança da população, também lembram a situação, diversas vezes descrita, de filmes de ficção cientifica.
Sylvie Eymard, proprietária rural residente a 100 metros do rio Gaffiere, tal como um punhado de casas rurais perto do sítio nuclear, diz sentir-se em um episódio de Os Simpsons, em Springfield. “Eu sempre confiei que a energia nuclear era totalmente segura. Mas agora me pergunto, se pode ter havido outros acidentes no passado, que não nos foram informados?”
Como ela, até agora, a maior parte dos habitantes aceitava as centrais como livres de risco em suas vidas cotidianas. Mais de 80% da energia elétrica da França é gerada pelos 58 reatores nucleares do país, o maior índice do mundo. Mas o vazamento abalou a confiança francesa na segurança nuclear e está envergonhando Nicolas Sarkozy, em seus esforços para um renascimento francês pela energia nuclear.
O presidente francês pretende exportar know-how nuclear em todo o mundo, inclusive para a Grã-Bretanha, em que a energia nuclear fornece 19% da eletricidade. A Areva, 90% controlada pelo governo francês, está no cerne da cooperação nuclear visando acordos com a Europa, mas também com países como os Emirados Árabes Unidos, Argélia e Líbia. No ano passado, ela assinou o maior contrato comercial nuclear, com valor de € 8 mil milhões (R$ 19,8 bi), para abastecer China, com dois reatores e fornecer combustível nuclear por quase duas décadas.
Areva tem sido criticada na França por não informando adequadamente as autoridades locais e por insatisfatórias medidas e procedimentos operacionais. O vazamento classificado no nível de um, de uma escala de sete em incidentes nucleares.
Foi detectado na noite de 7 julho, mas as autoridades e a população continuaram a beber água contaminada com urânio, porque não foram informados, até a tarde seguinte. A presidente da Areva, Anne Lauvergeon, afirmou que o vazamento foi uma “anomalia”, que não representava qualquer perigo para o homem ou o ambiente.
Mas nos últimos dias tem havido outros incidentes em instalações nucleares. Em Romans-sur-Isère, ao norte de Tricastin, em uma outra usina de uma filial da Areva, os agentes descobriram uma explosão subterrânea, em um duto que havia se rompido há anos e não cumpria as normas de segurança. Uma pequena quantidade de urânio levemente enriquecido vazou, mas não para fora da fábrica. Esta semana, cerca de 100 funcionários em Tricastin, no reator número quatro foram contaminados por partículas radioativas que também vazaram de um tubo. Os administradores da usina classificaram a contaminação como “leve”.
O ministro do Ambiente, Jean-Louis Borloo, disse que ocorreram 86 incidentes nucleares na França no ano passado e 114 em 2006.
Em uma entrevista ao jornal Le Parisien, publicada na quinta-feira, Borloo informou a criação de uma comissão especial, para garantir a total transparência sobre incidentes nucleares e rever as informações do o acidente. “A comissão irá acompanhar as conseqüências do incidente, especialmente no nível local”, disse o jornal.
“Mas eu quero que seja para avaliar a situação ambiental e de radioatividade em todas as centrais nucleares e gostaria, sobretudo, que seja estudado o estado dos lençóis freáticos do solo francês em torno de todas as centrais nucleares a seres analisadas”, disse ele.
O IRSN, Institut de Radioprotection et de Sûreté Nucléaire, agência de segurança nuclear da França, informou que os níveis elevados de urânio nas águas subterrâneas de Tricastin não poderiam ter sido causados pelo recente vazamento sozinho. Uma outra comissão levantou a possibilidade de que esta contaminação pode estar ligada a resíduos nucleares militares em enterrados em Tricastin de 1964 a 1976.
Sarkozy anunciou recentemente que a França irá construir uma segunda nova geração de reatores nucleares, um reator europeu de água pressurizada ou EPR. Ele disse que a energia nuclear da França foi a melhor resposta rápida Á subida dos preços da energia e de aquecimento global.
Enquanto isto, o IRSN expandiu a área de vigilância Tricastin e publicou um novo mapa dos resultados das medições
Desenvolvido pelo IRSN, a pedido do Ministério da Saúde, a vigilância da área de Tricastin foi ampliada, para reagir em caso de detecção de um valor superior ao valor de referência da OMS (máximo de 15 microgramas de urânio por litro de água) e de pôr em prática medidas adequadas.
O IRSN é responsável pela centralização dos resultados da monitorização das águas subterrâneas, águas superficiais e rios, sedimentos e vegetação, e de informar as autoridades em caso de aumento anormal de urânio em níveis medidos. Os resultados das medições feitas pelo IRSN em Socatri e Areva serão comunicados regularmente em seu website.
Veja o mapa interativo dos resultados da medição expandida e do dispositivo de vigilância da área de Tricastin atualizada em 28 de julho às 18h00.
Arquivo do IRSN sobre acidente em Socatri Tricastin
[Ecodebate, 29/07/2008]