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Mudanças no Código Florestal atendem a interesses particulares, artigo de Maria de Lourdes Nunes

[Correio Braziliense] A reforma do Código Florestal volta a ser debatida no início da próxima semana, na Comissão Especial da Câmara dos Deputados, agora com um novo parecer de seu relator, o deputado Aldo Rebelo, que anunciou alterações no texto na última terça-feira. A mais substancial diz respeito à obrigatoriedade das reservas legais em propriedades com até quatro módulos rurais, mas elas só serão exigidas nas áreas onde ainda há vegetação remanescente. As propriedades que já eliminaram a vegetação nativa estão dispensadas de recompor as reservas legais.

Apesar de o novo parecer trazer modificações importantes — como essa, que visa à preservação de áreas remanescentes — ele traz diversos equívocos. O fato de os produtores que já devastaram suas reservas não precisarem recompô-las é um deles. A anistia proposta privilegia quem descumpriu a lei e, consequentemente, penaliza quem sempre investiu tempo e dinheiro na conservação. Se for aprovada dessa forma, mais uma vez assistiremos à conquista de quem destrói com aquela sensação de que, no Brasil, não há punição para quem descumpre a lei, principalmente a ambiental.


O deputado Aldo Rebelo já admitiu dar voz aos ruralistas em seu texto. Ao afirmar isso, ele atesta o fato de que ainda prevalece no Brasil uma política voltada a interesses particulares em detrimento dos interesses coletivos. Infelizmente, com as atuais propostas de alteração do Código Florestal — com a previsão de redução das Áreas de Preservação Permanente (APP) e reservas legais — não vamos superá-la.

Quem defende essas propostas de mudanças não mede as consequências delas para a manutenção dos ciclos ecológicos, que garantem não só a vida no planeta, mas também, a curto e médio prazos, as atividades econômicas que são as justificativas para essas mesmas alterações. Um exemplo claro disso é que a falta de cobertura vegetal natural diminui os nutrientes do solo e o deixa vulnerável a processos erosivos, o que o empobrece e inviabiliza a atividade agrícola em pouco tempo.

A qualidade da água também é afetada. Com o solo mais exposto, ela fica mais suja, pois recebe maior quantidade de sedimentos, restos de culturas agrícolas e agrotóxicos, provocando, inclusive, o aumento dos custos de tratamento.

O Código Florestal brasileiro é um dos mais modernos e avançados do mundo e, ao contrário do que se tem dito, tem fundamento. As suas indicações de tamanhos de área de reserva legal e APPs que precisam ser mantidas para conservar a biodiversidade local eram válidas em 1965, quando entrou em vigor, e continuam sendo pertinentes até hoje.

Estudos recentes validam a legislação e indicam, inclusive, que se fosse para alterá-la, a mudança deveria ser feita ampliando as áreas mínimas de preservação, jamais as diminuindo. As APPs ao longo de rios deveriam ser ainda maiores, com pelo menos 200 metros de área florestada de cada lado, para que haja uma plena conservação da biodiversidade.

Outra proposta de alteração é a sobreposição das reservas legais às APPs, o que também seria um equívoco, pois elas são complementares em termos de conservação. A primeira propicia importantes serviços ecossistêmicos, como o controle de pragas, e aumento da polinização e da produtividade de algumas culturas. Já as APPs têm como função ambiental preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas, conforme especificado no artigo primeiro do Código Florestal.

Incorporar essas propostas de redução das áreas naturais seria um retrocesso e uma demonstração clara de que ainda nos falta a consciência de que dependemos da natureza para garantir o fornecimento de água doce, a regulação do clima, a qualidade do ar e a produção de alimentos. Precisamos ter limites e respeitá-los para vivermos em equilíbrio e preservarmos a vida na Terra.

Maria de Lourdes Nunes é Engenheira florestal, mestre em conservação da natureza e diretora-executiva da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza

Artigo originalmente publicado no Correio Braziliense.

EcoDebate, 12/07/2010

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