Plâncton ignorado
Por não realizar monitoramento sistemático do plâncton, como se faz no Atlântico Norte há 50 anos, Brasil não pode avaliar impacto das mudanças climáticas sobre a cadeia alimentar marinha e recursos pesqueiros, segundo Jean Louis Valentin, da UFRJ (foto: Fabio de Castro)
Há mais de 50 anos o plâncton do Atlântico Norte é monitorado periodicamente. Estudos baseados nesses dados têm mostrado que as mudanças climáticas globais estão afetando a distribuição das comunidades planctônicas, com conseqüências sobre toda a cadeia alimentar marinha e, portanto, sobre a pesca. Por Fábio de Castro, da Agência FAPESP, 24/07/2008.
No Atlântico Sul, no entanto, a falta de longas séries históricas impede a realização de estudos que avaliem a dimensão desses impactos. O alerta foi feito pelo professor Jean Louis Valentin, do departamento de Biologia Marinha da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), na semana passada, durante a 60ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
“Observamos muitos fenômenos que podem estar sendo causados pelo efeito das mudanças climáticas sobre o plâncton, que é a base da cadeia alimentar marinha e fonte essencial dos recursos pesqueiros. Mas não podemos tirar conclusão alguma porque não temos séries temporais longas. Recomendo fortemente um monitoramento sistemático do plâncton”, disse Valentin à Agência FAPESP.
De acordo com Valentin, o declínio da produção de sardinha na região de Cabo Frio, no litoral fluminense, é um exemplo de fenômeno que pode estar sendo causado por impactos do clima sobre o plâncton.
“A sardinha só existe ali por causa do fenômeno da ressurgência, que é um afloramento das águas do fundo, ricas em nutrientes. Isso faz crescer o plâncton, que é o único alimento da sardinha. O aumento da temperatura torna a água menos densa, provocando uma estratificação da coluna d’água, diminuindo a ressurgência”, explicou Valentin.
Segundo o professor, outros fenômenos ocasionados pelas mudanças climáticas podem estar também afetando as comunidades plantônicas na região do estuário do Rio da Prata. “Com o aquecimento, há uma maior descarga de água continental, que altera a composição do plâncton. Isso tem diversos efeitos sobre a cadeia alimentar oceânica, podendo levar ao aparecimento de espécies exóticas e tóxicas”, disse.
Nenhuma conclusão poderá ser tirada, no entanto, enquanto não houver um monitoramento contínuo do plâncton. “Não podemos saber se essas alterações estão relacionadas às mudanças climáticas, pois no Atlântico Sul não há coleta contínua de dados por mais que um ou dois anos. Precisaríamos de séries de 40 a 50 anos”, disse Valentin.
O aquecimento global, de acordo com o professor, causa o deslocamento de comunidades planctônicas, levando espécies de águas frias a desaparecer, enquanto as de áreas quentes ocupam novas regiões. “Essa substituição de populações, que muda todas as relações tróficas, tem sido observada no hemisfério norte”, disse.
Segundo o cientista, como há necessidade de várias décadas de monitoramento sistemático, é preciso que ele comece a ser feito imediatamente. Para ele, isso poderia ser feito a partir de pontos de coleta próximos a laboratórios distribuídos pela costa brasileira.
“Bastaria uma coleta semanal. O custo não passaria de R$ 30 mil, incluindo o financiamento de bolsas de mestrado e o aluguel de barcos. É irrisório para um benefício tão grande”, disse.
Um orçamento maior permitiria, segundo ele, adquirir um CPR (Continuous Plankton Recorder) – o aparelho utilizado para recolher de amostras desde 1958 no Atlântico Norte. “O ideal seria também investir em bolsas para taxonomistas, ampliar os programas já existentes e melhorar métodos de coleta e processamento das amostras”, declarou.
O pesquisador lembra que há projetos de excelência atuando no país, como o Projeto Laplata – que estuda os mecanismos físicos que influenciam o processo biológico nos oceanos – e o Programa Goos Brasil, componente brasileiro do Sistema Global de Observação dos Oceanos (Goos). Mas nenhum deles faz coleta de plâncton.
“No Atlântico Norte temos uma realidade diferente. Quando consultamos a base de dados global do governo norte-americano sobre plâncton, vemos claramente que estamos carentes de informação sobre o Atlântico Sul”, disse o cientista, referindo-se à Base de dados de observação, produção e ecologia de plâncton costeiro e oceânico (Copepod, na sigla em inglês).
[EcoDebate, 25/07/2008]