Tempo de acumulação. Tempo de dissipação. artigo de Mayron Régis
[EcoDebate] A certa altura da novela “O Pantanal”, reprisada pelo Sistema Brasileiro de Televisão, a atual esposa do fazendeiro e a cunhada deste do primeiro casamento digressionam ao verem-no viajar de avião rumo a Campo Grande para vender seu gado enquanto que anos atrás ele saia em cortejo com seus vaqueiros numa viagem que duraria semanas.
A novela “O Pantanal” data de 1990, justamente, o primeiro ano do governo Fernando Collor de Mello que prenunciou os anos subseqüentes de modernização conservadora a que foi submetida a sociedade brasileira. Nela, o autor Benedito Ruy Barbosa roteirizou o Pantanal e seus atributos (vegetação, gado, vaqueiros, aves, animais terrestres e água) como uma realidade monocórdia, sem maiores tensões sociais a não ser breves comentários sobre reforma agrária.
Os fazendeiros prestariam um favor a si mesmo, caso tivessem prestado atenção à cena do vôo. Nela se percebe o papel da tecnologia em integrar mercados distantes, como a zona do Pantanal, ao mercado de São Paulo. Este condensa ao seu redor e para seu usufruto todas as conveniências de comportar o maior mercado consumidor brasileiro. Nos bons tempos, o fazendeiro, representado por Cláudio Marzo, viajava com os vaqueiros para vender o seu gado em Campo Grande. Nos tempos atuais, a sua única preocupação é assinar contratos com grandes frigoríficos que exportarão a carne para Europa e Ásia. Aparenta que a única mudança primordial está no envelhecimento do fazendeiro tradicional que envelhece assim como envelhece a terra de onde ele tira seu sustento. As mudanças aconteceriam mesmo sem o consentimento dele, pois elas vêm quando as classes médias urbanas desejam consumir produtos de ponta. Então, o fazendeiro precisa vender rapidamente o gado que amealhou para que a sua fazenda adquira mais produtos industrializados e mais aparato tecnológico.
Modernizar o mercado brasileiro foi preciso, diríamos a respeito do governo Fernando Collor de Mello. O tiro disparado por este governo se direcionava para o aceleramento do consumo de produtos importados das classes médias porque só deste modo a indústria nacional se sentiria provocada a produzir bens de qualquer espécie em curto espaço de tempo. Essa modernização continuou e continua nos governos do PSDB e do PT que a vem aprofundando principalmente no uso intensivo dos recursos naturais, na flexibilização das legislações ambientais e na uniformização do cidadão. O tempo de acumular receita foi posto na berlinda para porem em seu lugar o tempo do dissipar. O que isso significa? O que isso resulta? O fazendeiro ou o industrial via a sua propriedade como um reservatório de onde se tirava pouco a pouco recursos para investir. De uma hora para outra, esse reservatório se revelou contraproducente: uma fazenda que possui milhares de hectares e que produz em ¼ da sua extensão ou uma fábrica que tem capacidade para fabricar e exportar muita mercadoria e que só vende no mercado interno.
No caso da economia brasileira, defasada tecnologicamente e endividada junto a bancos privados, a maneira pensada para capitalizá-la foi expropriar mais e mais os recursos naturais: terra, água, minérios e etc. Só que no intercurso, antes da chegada, havia populações tradicionais pelo meio, afinal desde o primeiro governo do PSDB as regiões mais visadas pelo poderio econômico são regiões onde moram populações tradicionais.
A análise da conjuntura sócio-econômica brasileira a partir de uma novela do fim dos anos 80 recomenda que deva se recusar o modelo estanque de realidade que muita das vezes é defendido pelos meios de comunicação de massa. O Mato Grosso do Sul é um dos estados onde as atividades econômicas que usam intensivamente os recursos naturais (eucalipto, soja, cana e siderurgias) trituraram a estrutura agrária tradicional e, por conseguinte, todo um modo de vida.
Deve ser posto em descrédito o discurso da sustentabilidade do processo produtivo do etanol quando se sabe que, observando o mapa da região onde se concentram os canaviais, este processo se dá a custa de consumo intensivo de petróleo. Como assim? Os governos estaduais e federal e a iniciativa privada investem pesado em atividades produtivas que usam derivados de petróleo e essas atividades acarretam a urbanização de áreas que antes eram florestas. Enquanto isso o etanol é exportado.
Mayron Régis, jornalista Fórum Carajás, colaborador e articulista do Ecodebate.
[EcoDebate, 19/07/2008]