Economia, sustentabilidade e novos indicadores de desenvolvimento. Entrevista especial com Clitia Helena Backx Martins
A professora da PUCRS e pesquisadora da FEE, Clitia Helena Backx Martins, acredita que estamos avançando no debate sobre economia e sustentabilidade. Entretanto, segundo ela, “ainda há muito para fazer em termos de educação ambiental e conscientização, especialmente no que diz respeito aos processos de reeducação para um consumo nos moldes de conforto essencial e simplicidade voluntária”. Na entrevista que segue, concedida, por e-mail, à IHU On-Line, ela aponta que “as Nações Unidas têm se empenhado (…) a valorar os recursos naturais, em especial a água. Evidentemente, esses recursos são uma fonte importantíssima de riqueza, mas há questões de geopolítica que impedem que os países que os concentram em seu território sejam considerados como os mais ricos potencialmente no planeta”.
“Economia e sustentabilidade: novos indicadores de desenvolvimento” será o tema a ser apresentado pela professora Clitia na próxima quinta-feira, na Unisinos, das 17h30min às 19h, na Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros – IHU.
Graduada em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Santa Catarina e doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Clitia Martins é pesquisadora da Fundação de Economia e Estatística do Governo do Estado do Rio Grande do Sul – FEE e professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, no Departamento de Economia e no Instituto do Meio Ambiente.
Também é diretora do Núcleo Sul da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica – ECOECO, vinculada à International Society for Ecological Economics – ISEE, participante da Red Iberoamericana de Investigadores sobre Globalización y Território e da Red Iberoamericana de Economia Ecológica REDIBEC.
É autora de Trabalhadores na Reciclagem do Lixo: Dinâmicas Econômicas, Socioambientais e Políticas na Perspectiva de Empoderamento (Porto Alegre: FEE, 2005); e organizadora de Indicadores Econômico-Ambientais na Perspectiva da Sustentabilidade (Porto Alegre: FEE/Fepam, 2005).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – De que forma podemos relacionar economia e sustentabilidade?
Clitia Martins – Levando em consideração a raiz grega comum dos termos Ecologia e Economia, constata-se que, se Ecologia significa o estudo (logos) da casa (oikos), Economia corresponde às normas (nomos) dessa nossa casa ampliada, que é o planeta Terra. Contudo, tanto a “economia convencional” quanto a “ecologia convencional” são insuficientes para prover uma análise integrada das conexões entre o sistema econômico e o ambiente natural. Assim, numa visão integradora, define-se economia como o estudo das formas através das quais as pessoas se organizam para sustentar a vida e melhorar sua qualidade. Nesse contexto, a Economia Ecológica, que se constitui a partir do final dos anos 1980 como um campo transdisciplinar, aponta para a necessidade do desenvolvimento de novos conceitos e instrumentos. Entendida como a ciência da gestão da sustentabilidade, essa corrente estuda as relações entre os sistemas econômicos e os ecossistemas, a partir de uma crítica ecológica da economia convencional.
IHU On-Line – Como podemos definir ecodesenvolvimento?
Clitia Martins – A noção de ecodesenvolvimento surge na década de 1970, através dos trabalhos de Ignacy Sachs , evidenciando uma crescente preocupação com a escassez dos recursos naturais e com o futuro das próximas gerações. Para tanto, centra-se na necessidade de um planejamento que garanta eficiência econômica, equidade social e prudência ecológica. Sua fundamentação, dentro do princípio de desenvolvimento endógeno, segue a linha defendida por M. Gandhi no processo de independência da Índia: “self-reliance”, ou seja, valorizar os recursos e os conhecimentos nativos de cada cultura e região.
IHU On-Line – Em que sentido a sustentabilidade ambiental pode ser contabilizada como um indicador de desenvolvimento em uma economia capitalista?
Clitia Martins – Em um planejamento para a sustentabilidade, o funcionamento dos ecossistemas e sua resiliência específica dariam a medida limite da escala dos processos econômicos, sendo este o indicador de desenvolvimento a ser utilizado. Alguns órgãos internacionais, como o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD e o Banco Mundial, atualmente, estão tentando criar indicadores ambientais e aplicá-los para medir qualidade de vida e bem-estar. Contudo, percebe-se que existe uma contradição básica nas economias capitalistas entre o princípio de sustentabilidade e o motor que alimenta esse sistema, baseado na expansão constante da produção e do consumo.
IHU On-Line – Qual o conceito de desenvolvimento sustentável na visão de um economista?
Clitia Martins – Depende da abordagem dentro do pensamento econômico. Há quem se refira a uma distinção entre duas visões no estudo das relações entre economia e meio ambiente:
a) a da “sustentabilidade fraca”, correspondente à Economia Ambiental de cunho neoclássico, que acredita ser possível a substituição irrestrita do capital natural por capital manufaturado, como, por exemplo: se uma madeira natural é usada até a extinção, sugere-se substituir por um material sintético; e
b) a da “sustentabilidade forte”, vinculada à Economia Ecológica, que coloca a necessidade de manutenção de um capital natural crítico, levando em conta a capacidade de suporte dos ecossistemas. Nesse ponto de vista, capital natural e capital manufaturado são complementares e não substituíveis; assim sendo, os recursos naturais possuem um valor intrínseco.
IHU On-Line – Quais são os sinais de uma possível mudança cultural que passe a considerar as riquezas ambientais como grandes valores econômicos?
Clitia Martins – As Nações Unidas têm se empenhado, através do seu Departamento de Estatísticas, a valorar os recursos naturais, em especial a água. Evidentemente, esses recursos são uma fonte importantíssima de riqueza, mas há questões de geopolítica que impedem que os países que os concentram em seu território sejam considerados como os mais ricos potencialmente no planeta.
IHU On-Line – Como a senhora qualifica as políticas públicas para a gestão ambiental no Rio Grande do Sul e no Brasil?
Clitia Martins – O Brasil e o Estado do Rio Grande do Sul contam com um arcabouço legal-institucional bastante completo e consistente, que vem dos anos 1980, em especial a partir da Constituição de 1988. Contudo, nos últimos anos, tem-se tornado evidente uma tentativa orquestrada de desmonte desse arcabouço, em termos tanto da legislação quanto das políticas públicas de proteção ambiental, igualmente no País e no Estado, a partir de interesses provenientes de alguns setores econômicos, que seguem com a mentalidade insustentável do “progresso” de caráter destrutivo da vida.
IHU On-Line – Quais os rumos que a senhora vislumbra em relação ao debate sobre economia e sustentabilidade?
Clitia Martins – Acredito, como alguns colegas e amigos, que estamos avançando no debate sobre economia e sustentabilidade. Entretanto, ainda há muito para fazer, em termos de educação ambiental e conscientização, especialmente no que diz respeito aos processos de reeducação para um consumo nos moldes de conforto essencial e simplicidade voluntária.
(Ecodebate, 12/05/2010) publicado pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
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