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Na 60a Reunião Anual da SBPC pesquisadores mostram que Amazônia não serve para produção de cana-de-açúcar para etanol

O desafio do aumento da produção de biocombustíveis do país sem envolver a região amazônica

Os três participantes da mesa-redonda Sustentabilidade na produção de etanol e alternativas aos biocombustíveis foram unânimes, segunda-feira, na “60ª Reunião Anual da SBPC”, na recomendação de que a Amazônia deve ser preservada e não se adequa à produção de cana-de-açúcar. Paulo Barreto, do Imazon, alertou para o risco de expansão da pecuária para a região amazônica, em conseqüência da substituição da atividade no Sudeste por cana-de-açúcar e no Centro-Oeste por soja. Flamínio Araripe escreve de Campinas para o ‘JC e-mail

Arnaldo César da Silva Walter, da Unicamp, analisou as restrições que os europeus fazem à produção de biocombustíveis no Brasil e concluiu que o país tem tudo para crescer no setor, desde que não afete biomas frágeis e não ponha em risco a sustentabilidade da atividade. “A Amazônia está seriamente ameaçada”, assinala Marcos S. Buckeridge, da USP, ao indicar novas rotas de tecnologia para triplicar a produtividade de etanol no Sudeste, sem necessidade de ocupar novas áreas com a atividade.

“Se quisermos nos tornar a potência ambiental que podemos ser no futuro, teremos que achar caminhos para produzir bioenergia e ao mesmo tempo preservar a biodiversidade”, afirmou Marcos Buckeridge. “Somos a locomotiva energética do planeta”, disse ele, ao observar que o país escolheu a cana-de-açúcar em 1532, e iniciou o pró-álcool em 1970.

Na sua intervenção sobre o tema Biocombustíveis e Biodiversidade – como atingir a sustentabilidade em um cenário de aquecimento global, Buckeridge afirmou que “hoje o Brasil é considerado como um exemplo de sustentabilidade do ponto de vista energético. No entanto, continuamos a queimar florestas”.

Buckeridge, que é pesquisador do Departamento de Botânica do Instituto de Biociências da USP, sugeriu que Homo sapiens está na fronteira para se transformar no Homo ambientalis. Para ele, já é possível com tecnologias dominadas no Brasil conciliar o aumento na produtividade de cana-de-açúcar com a regeneração de florestas e cerrado, e de gerar o que é chamado Environmental Friendly Ethanol, de alto valor agregado para exportação.

A cana sozinha, conforme Buckeridge, produz apenas bioetanol. Todavia, a cana com corredores de florestas pode resultar em maior produção de etanol e mais sequestro de carbono (CO2). É o que ele chama de corredores de biodiversidade. “Não precisamos da Amazônia para ganhar bastante dinheiro com etanol e ser ambientalmente corretos”.

“Temos a melhor tecnologia do mundo para regenerar florestas”, disse Buckeridge. Segundo ele, os estados de São Paulo, Minas Gerais e na Amazônia possuem conhecimento sobre as espécies que devem ser plantadas na regeneração, sabem como adubar e até como colocar pássaros para acelerar o processo.

O Brasil nos anos 2005 e 2006 produziu no total 400 milhões de toneladas de cana. No entanto, como a cana tem cerca de 90% de água, a produção gerou 40 milhões de toneladas de massa seca. Como 40% da biomassa é carbono, isso gerou aproximadamente 16 milhões de toneladas de carbono originário da cana.

“Isto significa que toda a nossa cana representa cerca de 0,01% de todo o CO2 das florestas sul-americanas”, acentua o pesquisador, ao observar que somente as florestas da América do Sul têm 70 bilhões de tons de C02. Segundo ele, só 8 milhões de toneladas viram etanol; a outra metade virá do açúcar.

Buckeridge pesquisa há cinco anos a produção de etanol de celulose. “Uma andorinha só não faz verão”, ele diz, numa alusão à condição solitária nestes anos. Com o patrocínio do Centro de Tecnologia Canavieira de Piracicaba, relata pesquisas realizadas para induzir o aumento de C02 nas plantas, que chegaram a aumentar em 60% o tamanho da cana-de-açucar. É o que ele chama de CO2 elevado, com mais fibras e açucares na planta.

Como conclusão, Buckeridge diz que a produtividade pode aumentar em até 50% só por causa do aumento do CO2 e mais ainda com o aumento de temperatura. Para ele, “talvez seja possível obter este efeito via uso da biotecnologia, ao produzir cana geneticamente modificada com maior expressão dos quatro genes de fotossíntese que aumentam expressão em CO2 elevado”. Daí, acrescenta que mais bioenergia será produzida a partir destas plantas, pois elas apresentarão maior biomassa, açúcares e fibras.

Arnaldo César da Silva Walter não considera que no curto e médio prazo existam alternativas à gasolina e diesel no país porque a estrutura de transporte vai permanecer a mesma. “Se vai haver redução, os biocombustíevis têm a contribuir”, observa.

Walter avalia que os europeus, como são compradores da produção de biocombustíveis, vão impor a necessidade da certificação. “Se a gente pensar em 15-20-25 anos em que a produção de biocombustíveis deve ser relevante, não faz sentido ter uma opção que não seja sustentável do ponto de vista ambiental e social. Acho que o Brasil e qualquer país que produza tem de se alinhar a essa questão de sustentabilidade”, afirmou.

No Brasil, a produção de biocombustíveis é sustentável, particularmente a de etanol, observa Walter. Os europeus, segundo ele, acham que é importante haver um ganho real efetivo na redução do gás de efeito estufa. “Isso a gente consegue nas condições que produzimos , desde que não haja desmatamento tanto por efeitos diretos e indiretas”, pondera.

Os europeus colocam ainda a questão importante dos biomas frágeis havendo desmatamento, e a competição de alimentos, disse Walter. “Pela extensão de terras, seria um atestado de incompetência do Brasil como nação se não conseguisse duplicar, triplicar ou quadruplicar a produção sem colocar em risco a produção de alimentos e biomas frágeis, pois o país tem muita terra disponível para essa finalidade”, assinala.

“Analisando as condições brasileiras, principalmente na região Sudeste, estas atenderiam os padrões mínimos da certificação sustentabilidade que os europeus impõem”, conclui Walter. Todavia, o pesquisador da Unicamp enfatiza que o país precisa ter política pública, o cumprimento de leis e planejamento para trabalhar na expansão.

Conforme Walter, o Brasil tem grande potencial. “Não vamos ser únicos produtores no mundo, mas temos condições de ser um grande produtor. Agora a gente precisa fazer as coisas direito, e temos condições adequadas”. Numa pesquisa comparativa de municípios com produção de cana-de-açúcar para usinas em São Paulo e Alagoas e outros sem o tipo de agroindústria, ele comprovou PIB, IDH e outros indicadores com a presença do etanol.

Paulo Barreto, pesquisador sênior do Imazon, pede mais ciência e menos propaganda no discurso do governo com relação ao etanol, para uma avaliação correta da sustentabilidade. A área projetada globalmente para produção de biocombustíveis, segundo ele, é de 32 milhões hectares em 2030, tendo o Brasil 11 milhões de hectares de cana.

Os biocombustíveis ampliariam o deslocamento da pecuária para a Amazônia, com a exploração da cana-de-açúcar onde antes havia pasto fora da Amazônia e a tendência para o cultivo de milho e soja em pastos dentro e fora da Amazônia, sugere Paulo Barreto. Para ele, há no Brasil 6 milhões de hectares de cana-de-açúcar, sendo metade para etanol e metade para açúcar.

Conforme Barreto, desde 2004 tem havido uma redução do rebanho bovino em São Paulo e ampliação da Área plantada de soja na Amazônia Legal de 1999 a 2006. Em contrapartida o pesquisador verifica que há um crescimento do rebanho bovino na Amazônia desde 1990 que em 2004 chega a 35% do total nacional. Também em 2004 a curva do crescimento do rebanho associado ao desmatamento na Amazônia se encontra.

A tese de aproveitamento das áreas de pastos na Amazônia com o investimento em tecnologia para aumento de produtividade, de acordo com Paulo Barreto não ocorre porque não há controle de ocupação de terras públicas. “O desmatamento tem a ver com o crescimento da pecuária”, afirma. Segundo ele, há 42 milhões de hectares de posse em 2003 cujos donos em parte o Incra desconhece.

De acordo com Barreto, o controle das leis ambientais não é eficiente. Em 2006, foram emitidos R$ 436 milhões em multas por madeira arrecadada, mas o Estado arrecadou com o pagamento de apenas R$ 8 milhões. No mesmo ano, foram apreendidos 81.872 metros cúbicos de madeira dos quais apenas 5.581 m3 foram destinadas a alguma finalidade pelo poder público.

O meteorologista Carlos Nobre (Inpe), pergunta da platéia se não existe risco da expansão de bioetanol ameaçar a Amazônia. A preocupação é relacionada ao fato de que se a produção crescer, não por aumento da superprodutividade mas pela expansão de 60 mil para 300 mil hectares para atender a 10% do mercado mundial de gasolina. Paulo Barreto compartilha a preocupação e informa que 75% da área desmatada vão para pasto.

Publicado pelo Jornal de Ciência, SBPC, JC e-mail 3554, de 15 de Julho de 2008.

[EcoDebate, 17/07/2008]