Emergente lucra com aluguel de terras aráveis
Vários países emergentes estão tentando lucrar com a crise mundial de alimentos atraindo grandes importadores agrícolas para alugar suas terras aráveis – uma nova tendência que motiva reclamações de produtores em alguns países já preocupados com o seu próprio suprimento de comida.
O exemplo mais recente é um plano do governo indonésio para desenvolver uma área com o dobro do tamanho da Região Metropolitana de São Paulo na Ilha de Papua com culturas de arroz, cana-de-açúcar e soja. Defensores do projeto reuniram-se com investidores sauditas na esperança de receber centenas de milhões de dólares e, em troca, direcionar parte da colheita ao país deles. Por Tom Wright, Mariam Fam e Patrick Barta, The Wall Street Journal, de Jacarta, Cairo e Bancoc.
A Arábia Saudita e outros países no Golfo estão vasculhando o mundo para investir em projetos agrícolas que lhes garantam fornecimento de produtos essenciais – como trigo, milho e arroz-, da mesma maneira que países como a China investiram bilhões para assegurar fornecimento estável de petróleo.
Há um grande risco nessa tendência. Países como a Indonésia vêm lidando com protestos internos por causa do aumento dos alimentos este ano. A idéia de atrair investimento em troca da exportação de produtos alimentícios politicamente delicados, como o arroz, pode provocar mais descontentamento e acusações de que países ricos estão sendo favorecidos às custas do mercado interno.
Isso se mostrou uma questão polêmica no ano passado, quando líderes filipinos anunciaram acordos agrícolas com investidores chineses, de cerca de US$ 5 bilhões, para o cultivo de grãos como arroz, milho e sorgo. Nos últimos anos, lavradores filipinos têm lutado para sustentar suas famílias por causa de uma falta crônica de investimento na agricultura e não querem que chineses invistam em suas terras para exportar os alimentos.
Em carta à presidente Gloria Macapagal-Arroyo, eles pediram o bloqueio do acordo e os planos foram suspensos. Mas o governo espera enviar uma delegação à China para discutir mais possibilidades de investimento agrícola.
A questão fundamental é garantir que os investimentos estrangeiros atendam a população local. Os investidores chineses precisam desenvolver produção “não só para a mesa dos chineses, mas também para a mesa dos filipinos”, diz o senador Edgardo Angara, presidente do comitê de agricultura no Senado filipino.
Os sauditas também estão cientes da potencial reação política. Khalid Zainy, empresário saudita envolvido no esforço do seu país para buscar investimentos agrícolas, diz que acordos com governos estrangeiros provavelmente vão reservar parte da colheita para venda no mercado local. “Isso é para assegurar que os projetos não sejam interrompidos e que os países e as pessoas de lá não nos causem problemas”, diz ele.
Muitos desses acordos devem ter resultado nos próximos anos. Investidores da China, que importa enorme quantidade de soja e óleo de palma, estão comprando áreas de terra cultivável na África e no Sudeste Asiático. A Coréia do Sul também considera investir num projeto agrícola de 270 mil hectares na Mongólia.
Mas até mesmo os países exportadores de alimentos que enfrentam a falta de terras agrícolas têm buscado investir no exterior para aumentar a produção. A Malásia, importante produtora de óleo de palma (também conhecido no Brasil como óleo de dendê), tem desenvolvido plantações na África e América Latina. Esta semana, a Felda, agência do governo malaio de desenvolvimento agrícola, anunciou que plantará 100 mil hectares de palma em Tefé, a 570 Km de Manaus, em sociedade com a Braspalma.
Com o aumento dos preços internacionais de alimentos, a conta que a Arábia Saudita paga para importá-los cresceu em média 19% ao ano nos últimos quatro anos, chegando a US$ 12 bilhões em 2007, o que faz dela maior importadora de alimentos do Oriente Médio, segundo recente estudo do banco saudita SABB.
Autoridades sauditas estudam a criação de um veículo de investimento – uma parceria entre governo e setor privado – para procurar projetos agrícolas em países com grandes áreas de terra cultivável. Investidores sauditas também estão de olho em projetos agrícolas nas Filipinas, no Senegal e Sudão – alguns dos lugares onde a inflação dos alimentos tem causado problemas.
Defensores desses planos dizem que uma entrada de capital e conhecimento técnico em regiões africanas ou no Sudeste Asiático, onde a produtividade das terras é relativamente baixa, pode aumentar a produção e beneficiar toda a indústria agrícola local, além do que for exportado.
Abdul Rahim Hamdi, ex-ministro da Economia do Sudão e membro de um grupo governamental que promove investimentos no país, diz que a aposta de estrangeiros na agricultura cria empregos e reforça o suprimento interno de alimentos, mesmo se a maior parte da colheita for exportada. “No Sudão, não nos preocupa que esses projetos exportem as colheitas”, diz ele. “Não acho que isso incomode as pessoas no país.”
Mas, como mostra a experiência recente da Indonésia, exportar alimentos e ao mesmo tempo garantir que haja o suficiente para o mercado doméstico pode ser algo difícil de equilibrar.
Em maio, eclodiram na capital Jacarta protestos por causa do custo do óleo comestível. A Indonésia é a maior produtora mundial de óleo de palma, que pode ser usado para fabricar óleo de cozinha, mas as empresas preferem vender a maior parte da produção no exterior, onde os preços são melhores do que internamente. O governo reagiu aos protestos com a imposição de tarifas altas para a exportação do óleo.
Mesmo que a Indonésia e outros países consigam equilibrar a situação, levará anos e polpudos investimentos até que projetos em áreas remotas como Papua consigam decolar.
A província indonésia de Papua, na metade oeste da Ilha de Nova Guiné, tem o dobro do tamanho do Paraná e só 3 milhões de habitantes. É uma das regiões mais pobres do país, com poucas estradas e onde a maior parte do transporte é por barco ou avião.
No ano passado, o governo local de Merauke, um distrito pantanoso na costa sul de Papua, traçou um plano para transformar a área, de baixa população, num centro de produção de alimentos. Nos últimos anos, a Indonésia passou a ser um importador líquido de arroz como conseqüência do avanço da urbanização sobre terras cultiváveis de Java, a principal de suas 17.508 ilhas. As autoridades de Merauke esperavam cobrir a deficiência.
Com o aumento dos alimentos no começo deste ano, o Medco Group, conglomerado indonésio com operações em petróleo e gás, se ofereceu para apoiar financeiramente o plano de Merauke e ajudá-lo a encontrar investidores estrangeiros. Além de participar das plantações, a Medco também propôs a criação de instalações para produção de álcool combustível.
“Antevemos uma oportunidade de negócios relacionada à atual crise de alimentos e petróleo”, diz Yani Panigoro, conselheiro da Medco Group.
Em abril, alguns dos principais executivos do grupo promoveram a idéia num encontro com o presidente da Indonésia, Susilo Bambang Yudhoyono. Propuseram que o governo central, que tem a última palavra sobre o uso da terra, deveria alocar pelo menos 1 milhão de hectares de Merauke para a produção de cana, sorgo doce, arroz, soja e milho. Cerca de dois terços das colheitas iriam para a produção de álcool e o restante ficaria para alimentação. O governo de Merauke quer que o governo central permita o uso de 1,6 milhão de hectares.
Yudhoyono prometeu apresentar o plano para investidores estrangeiros. Ainda não há uma estimativa oficial de quanto dinheiro o plano vai precisar, mas com certeza vai ser um empreendimento enorme: estão na prancheta 2.200 Km de estradas, três portos, 400 Km de sistemas de irrigação e uma usina de energia elétrica de 500 megawatts.
No mês passado, uma delegação oficial da Indonésia teve reuniões no Oriente Médio com investidores sauditas, entre eles o empresário Khalid Zainy, um dos envolvidos nos esforços de seu país na busca de investimentos agrícolas. Zainy confirmou as conversas com os representantes indonésios, mas disse que falta finalizar um acordo com eles.
O Ministério da Agricultura da Indonésia estima que o projeto possa aumentar a produção interna de arroz em 6 milhões de toneladas por ano. (A previsão de produção total este ano é de 33 milhões de toneladas, totalmente para consumo interno.) No futuro, a demanda local de arroz será coberta antes de qualquer exportação, diz Hilman Manan, diretor geral da divisão de administração de terras e água do ministério. “A Indonésia tem de vir em primeiro lugar.”
Há quem diga que esses planos podem prejudicar o meio ambiente, com a destruição de florestas naturais de eucalipto que cobrem muitas áreas de Merauke. Os pântanos da região também armazenam grande quantidade de dióxido de carbono; a drenagem para transformá-los em terra cultivável pode liberar enormes quantidades de dióxido de carbono, o gás responsável pelo aquecimento global.
Conseguir que os papuas concordem com o projeto também pode não ser fácil. A maioria deles ainda depende da floresta para caçar e tem direitos tribais de propriedade da terra que freqüentemente se sobrepõem às leis indonésias. A Medco propõe que o país siga políticas implementadas no Brasil, onde o arrendamento por longo período é reconhecido por lei e os proprietários se beneficiam de investimentos agrícolas por meio de acordos de divisão de lucros.
Rizal Ramli, ex-ministro da Economia da Indonésia, diz que cerca de 40% da população da província vive com menos de US$ 14 por dia e, a menos que o plano para Papua melhore o padrão de vida local, provavelmente vai fracassar. “Como modelo de negócios, parece realista”, diz Ramli. “Mas a questão é como os papuas serão beneficiados por esse investimento”.(Colaborou Yayu Yuniar, de Jacarta)
Matéria do The Wall Street Journal, publicada pelo Valor Econômico, 11/07/2008
[EcoDebate, 12/07/2008]