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Peixe é usado como bioindicador de contaminação causada pelo pesticida endosulfan

Peixes mortos em razão do derramamento de 8 mil litros de endosulfan no rio Paraíba, na cidade fluminense de Resende, em novembro de 2008: acidente provocou mudanças na lei (Foto: Felipe Vieira / Folha Imagem)
Peixes mortos em razão do derramamento de 8 mil litros de endosulfan no rio Paraíba, na cidade fluminense de Resende, em novembro de 2008: acidente provocou mudanças na lei (Foto: Felipe Vieira / Folha Imagem)

Bióloga analisa concentração de endosulfan por meio de exames em órgãos vitais de pacus

O pacu, Piaractus mesopotamicus, revelou-se como um bioindicador eficiente na verificação de toxicidade aguda ao endosulfan em peixes. O uso do produto foi proibido em diversos países da Comunidade Europeia por ser nocivo ao ambiente e à saúde humana. Amostras de órgãos de pacu analisadas por Aline Tagliaferro em sua dissertação de mestrado, orientada pela professora Sarah Arana, do Departamento de Histologia e Embriologia do Instituto de Biologia da Unicamp, apresentaram lesões danosas mesmo quando expostos a baixas concentrações do pesticida. A partir de uma análise anatomohistopatológica em órgãos vitais dos peixes, a pesquisa permitiu comprovar que também neste caso o fígado é um biomarcador eficiente para determinar a intensidade da contaminação. Os resultados devem auxiliar futuras pesquisas com agrotóxicos e contribuir nas decisões de órgãos competentes, como a Anvisa, que já elaborou projeto para a proibição do composto, além de colaborar no mapeamento das alterações induzidas por agrotóxicos deste tipo.

O projeto teve como objetivo inicial avaliar os efeitos da toxicidade aguda e subletal do endosulfan em pacu, espécie, segundo a orientadora, de grande importância para o ecossistema e também para a pesca esportiva e a piscicultura. Além do fígado, a pesquisadora estudou as alterações histopatológicas nas brânquias e no rim. “Mas o rim e as brânquias concentram muitas alterações por parasitas, das quais algumas podem ser confundidas com as lesões por contaminação química”, disse Aline. A orientadora complementa, afirmando que as informações sobre o biomarcador facilitarão o trabalho de pesquisadores em estudos futuros sobre contaminação química em peixes.

A expectativa de Aline é que a pesquisa estimule uma fiscalização mais eficiente e a exigência do cumprimento da lei por parte das empresas. O agrotóxico já foi banido há alguns anos da Comunidade Europeia e dos Estados Unidos por ser comprovadamente nocivo ao ambiente e à vida humana, segundo a pesquisadora. Na sua opinião, a rigorosidade no cumprimento da lei evitaria acidentes como o ocorrido no Rio Paraíba. “Gostaria muito que esses resultados contribuíssem para a conscientização da sociedade, das empresas e para o cumprimento da lei, bem como para sua fiscalização”, diz Aline.

A preocupação de Aline e Sarah está no residual que fica nas águas a longo prazo, e não apenas em impactos imediatos, como os provocados em Resende, Rio de Janeiro. Outros acidentes são recorrentes em proporção menos alarmante, deixando resíduos na água. “Essas substâncias são lançadas, e os peixes ficam expostos por muito tempo, embora em baixas concentrações”, informa. Mas a investigação feita a partir de exposição aguda por Aline, focada no comprometimento de órgãos vitais (análise histopatológica) de alevinos de pacu, sugerem que os sinais comportamentais do animal podem mudar quando avaliados por mais tempo. A pesquisadora observou os exemplares durante 96 horas para investigar a possibilidade de recuperação. “Muitos indivíduos morreram, mas alguns resistiram até o fim da análise”, declara Sarah. Ela acrescenta que o agrotóxico pode se diluir pelo rio e os peixes podem migrar para um ambiente não-contaminado.

Aline Tagliaferro, autora da dissertação: “Gostaria que esses resultados contribuíssem para a conscientização da sociedade”? (Foto: Antoninho Perri)“Por isso é importante analisar o comportamento desses exemplares a longo prazo”, acrescentou Sarah.

Os resultados da pesquisa são uma mostra de como a histologia, antes conhecida pela eficiência na área médica, tem aplicação importante também em estudos sobre impacto ambiental. Uma série de projetos desenvolvidos sob coordenação ou orientação de Sarah, desde que ela optou pela linha de pesquisa relacionada a doenças de peixes, serve de subsídios para que os órgãos competentes estabeleçam normas mais rigorosas de utilização de pesticidas. A pesquisa também é importante para mapeamento da exposição da ictiofauna brasileira a contaminantes. Ela acrescenta que os experimentos que mantêm a legislação brasileira indicam como bioindicadores espécies não-ativas, como o zebrafish, a truta arco-íris, aceitas como modelo animal internacionalmente, porém, distintas das espécies brasileiras. Então a pesquisa torna-se importante também por trabalhar com espécies nativas, como o pacu.

A concentração de atividades agrícolas na Bacia Pantanal Mato Grosso intensifica a presença de pesticidas em águas de córregos, rios e sedimento na região do Pantanal. De acordo com Sarah, o endosulfan desperta maior preocupação por sua ação muito danosa sobre organismos aquáticos e ser um dos inseticidas mais utilizados na agricultura.

Acidente no Paraíba fez Anvisa proibir importação

Anvisa proibiu, em setembro do ano passado, a importação e o registro de agrotóxicos à base de endosulfan. A proibição foi acelerada depois do acidente corrido no Rio Paraíba, em Resende, em novembro de 2008, em que o derramamento de 8 mil litros de endosulfan provocou a morte de toneladas de peixes, além da interrupção do abastecimento de água ao longo de 400 metros do Rio Paraíba.

O acidente em Resende teve proporções nunca registradas em nenhum lugar do mundo, segundo Sarah, mas outros acidentes que acontecem, em números menores, acabam deixando resíduos nas águas dos rios. Ao saber do acidente, a professora se colocou à disposição do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e de outros órgãos para levantamento de dados. “Fiquei chocada. A concentração era altíssima.

Bióloga de formação, Sarah doutorou-se em patologia para dedicar-se ao trabalho com doenças de peixes. “Não havia muito interesse nessa aplicação da histologia em patologias de peixes. Hoje tem mais profissionais envolvidos, mas na época em que iniciei os estudos havia pouca literatura”, diz.

Em 1989, com a criação da Associação Brasileira de Patologistas de Organismos Aquáticos, outros jovens foram estimulados a desenvolver pesquisas na área. Hoje, muitos problemas enfrentados pelos piscicultores, até mesmo com relação è qualidade de peixes que vão para o mercado, foram resolvidos, graças à orientação dos especialistas. Uma das instruções importantes diz respeito à qualidade da ração que deve ser oferecida aos animais, pois não havia controle da qualidade.

Ela enfatiza que o Brasil é um grande produtor de pescado, e o brasileiro, um potencial consumidor. E, com a ajuda dos patologistas de peixes, esta variedade tem sido oferecida com qualidade cada vez melhor à população.

Reportagem de Maria Alice da Cruz, no Jornal da Unicamp Nº 455, publicada pelo EcoDebate, 24/03/2010

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