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Cientistas denunciam favorecimento de empresas na Conferência sobre Biotecnologias Agrícolas

rótulo transgênico

A Via Campesina da América do Norte, a Rede em Defesa do Milho e a Assembléia Nacional de Afetados Ambientais realizaram uma conferência pública e uma entrevista coletiva para fixar sua posição em relação à Conferência sobre Biotecnologias Agrícolas nos países em desenvolvimento, da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), que começou no dia primeiro de março em Guadalajara, Jalisco, no México.

Pat Mooney, membro do Grupo ETC, com sede no Canadá, se manifestou decepcionado porque durante 40 anos assistiu a reuniões da FAO e esta reunião – onde se falará da biotecnologia como suposta solução ao problema da fome no mundo – ignora o que acontece no país. Não considera em absoluto o problema de contaminação transgênica do milho no México, que já tinha denunciado ante FAO mais de mil organizações em nível mundial. A FAO respondeu que este era “um problema nacional” e que, portanto, não tinha por que intervir ante o governo mexicano. Agora, o paradoxal é que a FAO realiza uma reunião técnica internacional no México e não convida as organizações nacionais que impugnaram a liberação do milho transgênico por parte do governo mexicano e a contaminação impugnada nem sequer se menciona.

Esclareceu que sua renúncia ao comitê assessor da Conferência se deve, em parte, ao fato que a FAO vem ao México favorecer a biotecnologia como suposta solução ao problema da fome, sendo que a partir dos Estados Unidos se pressiona dentro da FAO para resistir à oposição global aos cultivos transgênicos e dar legitimidade às empresas biotecnológicas. Neste contexto, a Conferência se torna muito conveniente para estas empresas e para o governo mexicano, que tem impulsionado a liberação do milho transgênico em território nacional. Outra razão é que as primeiras minutas preparatórios da Conferência eram muito falidas e, apesar de Mooney ter enviado 14 comentários de fundo, estes nunca foram levados em consideração. Além disso, nas reuniões preparatórias com organizações mexicanas, a FAO lhes advertiu que não poderiam participar da Conferência de Guadalajara, mas que não tinham por que se preocupar, dado que Pat Mooney estaria presente e falaria em seu nome, “o que é completamente falso”.

Verónica Villa, do Grupo ETC e membro da Rede em Defesa do Milho, falou do que a Conferência organizada pela FAO e o governo mexicano significa para as comunidades indígenas e camponesas do México, centro de origem do milho. Ela serve como justificativa para que o governo mexicano autorize a sementeira experimental (e com o tempo a sementeira generalizada) de milhos transgênicos, propriedade de um pequeno grupo de empresas transnacionais (como Monsanto, Syngenta, Dow e Dupont) que contaminarão irremediavelmente as dezenas de raças e milhares de variedades de milhos nativos que existem em território mexicano. Os transgênicos, independentemente da definição oficial que se queira dar, representam para a agricultura nacional a imposição de sementes desfiguradas e estranhas às necessidades soberanas das comunidades locais. Com estas sementes transgênicas, as empresas pretendem despojar as comunidades daquilo que constitui a verdadeira riqueza do México: sua capacidade de dar-se de comer a si mesmo a partir do que produzem, há milhares de anos, os povos indígenas e camponeses do país. Lembrou que no início de 2007, quando no México explodiu a crise da omelete, muitas comunidades camponesas resistiram aos aumentos de preços, pois ainda conservam sua agricultura tradicional. Já nas cidades, a população se viu muito mais afetada, porque depende de ter dinheiro para comprar os alimentos que consome. O governo mexicano divulga que a espécie de milho que se produz no México é insuficiente, que os camponeses são pouco produtivos e que são indispensáveis tecnologias como os transgênicos para produzi-los em quantidade, mas essa noção é falsa. Olhando para a questão desde a perspectiva das empresas, nenhuma quantidade de milho produzida pelos agricultores nacionais será suficiente, porque as empresas e o governo pensam no milho não para alimentar aos mexicanos, mas para produzir gasolinas, plásticos e outros insumos industriais.

Reforçou que, no México, há anos, não é possível recorrer às leis para deter a invasão transgênica porque as leis relativas a muitos aspectos da vida nacional são contrárias à maioria da população e favorecem a diversos interesses corporativos. Assim ocorreu com a Reforma ao artigo 27 da constituição, que permite a venda das terras públicas e comunais, com a Lei de Águas Nacionais, a Lei Florestal, a Lei de Biossegurança e a Lei de Sementes, entre outras. “Ante a cerração legislativa do Estado mexicano, a Rede em Defesa do Milho, a Assembléia de Afetados Ambientais e a Via Campesina vemos necessário impulsionar uma audiência pública para obter provas que nos permitam para os tribunais internacionais”.

Octavio Rosas Landa, da Casifop e da Assembléia Nacional de Afetados Ambientais (ANAA) lembrou que na mais recente sessão da Assembléia, realizada em Chichicuautla, em novembro de 2009, mais de 1.300 delegados de 130 organizações de 15 estados do país se pronunciaram unanimemente contra a autorização à liberação da sementeira de milho transgênico no México e a favor da agricultura camponesa. Afirmou que a sementeira de OGM representa uma agressão à sociedade e ao ambiente, que se acumula a tantas outras que empreende o governo mexicano com total impunidade, como são os despojos de águas, a contaminação dos solos, o desflorestamento, a privatização dos recursos naturais e sua entrega a grandes empresas transnacionais de origem norte-americana, canadense, espanhola, japonesa, australiana e mexicana. Desde a assinatura e entrada em vigor do Tratado de Livre Comércio da América do Norte, o governo mexicano ofereceu como “vantagem competitiva” do país para atrair investimentos estrangeiros a mais completa impunidade ambiental às empresas, isto é, que em caso de afetações sociais ou ambientais pelas atividades das transnacionais no México, o governo não faria absolutamente nada para detê-las, mas, pelo contrário, se encarregaria de facilitar-lhes sua operação, livres de toda oposição social. Advertiu que “a autorização da sementeira de milho transgênico no México é, além de um crime de lesa-humanidade, um crime de lesa meio ambiente, por isso hoje é indispensável a convergência de todas as organizações da sociedade para defender os camponeses e indígenas que produzem nossos alimentos, porque “eles são a única e real alternativa frente à crise múltipla que vivemos”.

Eutimio Díaz, da comunidade de San Sebastián do povo wixárika, afirmou que os povos indígenas do México resistem à agressão ao milho e por isso “nós estamos organizando dentro da Rede em Defesa do Milho e outras redes, pois o governo vai contra nossa agricultura. No governo há leis que podem acabar com nossos cultivos. Na Rede em Defesa do Milho achamos que podemos começar a dar mais atenção a nosso milho: defendendo nosso milho podemos defender tudo o que existe. Necessitamos curá-lo da doença que representam os transgênicos, porque se deixamos que o governo acabe com nossas sementes, acabará com a cultura e a história, terminariam as chuvas, a floresta e a humanidade, mas nós não vamos a permiti-lo”.

Evangelina Robles, do Coletivo Coa e membro da Rede em Defesa do Milho, expôs que, há dois anos, no México, o governo federal deu por terminada a moratória que impedia a sementeira de milho transgênico em território nacional e hoje existem 24 solicitações de autorização de sementeira de milho transgênico no norte do país, que o governo mexicano outorgará porque considera que o norte não é “centro de origem”. No entanto, “para nós, todo o México é centro de origem e por isso rejeitamos qualquer sementeira de transgênicos, seja experimental ou de qualquer outro tipo. Isto representa uma grave ameaça à alimentação, à autonomia dos povos e à soberania alimentar das comunidades e do país no seu conjunto, e exige de nós um esforço para documentar todas estas agressões a partir de evidências científicas, jurídicas, técnicas, sociais e diretas, com o fim de construir um caso jurídico que permita sua apresentação nos tribunais internacionais”.

Ante a pergunta sobre a quais tribunais se apresentaria o caso, a advogada respondeu que se reservavam o direito a não dizer ante que instância o fariam, porque “em nenhuma estratégia jurídica se avisa de antemão qual é o passo seguinte”.

Por último, Alberto Gómez, membro da Via Campesina a América do Norte, reivindicou o direito dos camponeses a “seguir vivendo do que fazemos, isto é, semear alimentos. Somos mais de dois milhões de famílias camponesas que seguimos usando, guardando e intercambiando mais de 61 raças e milhares de variedades de milho em mais de 6 milhões de hectares. Em nível mundial, estamos falando de mais de 1 500 milhões de camponeses que seguimos reivindicando nossas sementes cultivadas em mais de 1 400 milhões de hectares. Por outro lado, as políticas dos governos como o mexicano e de organizações como a FAO buscam desestimular a produção própria para que ela fique em mãos de umas quantas empresas transnacionais e que estas terminem definindo quem come, como nos alimentamos. Portanto, nos somamos à rejeição à sementeira experimental de transgênicos e nossa exigência é a proibição de qualquer experimento e cultivo deste tipo de milho, a revogação – porque não basta uma simples reforma – da Lei de Biossegurança e também da Lei de Sementes. E, ao mesmo tempo, exigimos a valorização da produção camponesa de alimentos, mesmo que para isso seja necessário outro contexto econômico e outras políticas de fomento à nossa capacidade de produzir alimentos. Saibam que nós, os pequenos produtores do campo, temos toda a capacidade de produzir os alimentos na quantidade e qualidade que seja necessário”.

Fonte: Portal Biodiversidad en América Latina y El Caribe

Nota socializada pelo MST – Movimento dos Trabalhadores Sem Terra e publicada pelo EcoDebate, 04/03/2010

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