Dendê é opção energética para comunidades isoladas
Áreas afastadas de centros urbanos, que não têm acesso à rede de distribuição de energia elétrica, podem ser beneficiadas pela geração de energia a partir do óleo de dendê in natura. É o que apontam pesquisas realizadas por Valéria Said de Barros Pimentel, chefe da Divisão de Engenharia de Avaliação, do Instituto Nacional de Tecnologia (INT). Por Marina Mezzacappa, da ComCiência.
Carioca de ascendência nortista, Pimentel desenvolveu em seu doutorado, defendido na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), uma análise do funcionamento de geradores à diesel operando com óleo de dendê in natura. “Meu interesse era ajudar as comunidades amazônicas isoladas”, lembra.
Segundo ela, quando deu início às suas pesquisas, em 1995, os óleos vegetais, em especial os in natura, ainda eram pouco pesquisados como fonte energética, realidade que mudou drasticamente com a criação do Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel, em 2003. “Hoje, temos pesquisas sobre óleos derivados de muitas plantas não só no Brasil, mas em diversos países”, aponta.
Para a pesquisadora, o óleo in natura é a opção mais viável para a geração de energia nas comunidades isoladas devido à dificuldade que suas populações têm de acesso ao conhecimento, aos equipamentos e aos insumos industrializados, como o diesel. Muitas dessas localidades só podem ser acessadas após longos percursos de barco e de acordo com a vazão dos rios, o que encarece o transporte e muitas vezes demanda a estocagem de diesel para manter o gerador funcionando. Ao optar pelo dendê, a comunidade pode tornar-se auto-suficiente, pois tem condições de cultivar, extrair e produzir todo o óleo de que necessita. “Além disso, o óleo vegetal também já faz parte da cultura dessas comunidades”, ressalta Pimentel.
Ao contrário do biodiesel, em que o combustível é que sofre transformações para garantir uma maior eficiência, no caso dos óleos in natura, é o motor que passa por algumas modificações para se adaptar a esse tipo de combustível. A opção que Pimentel fez de trabalhar com o óleo de dendê deveu-se às suas características físico-químicas similares às do diesel e também à vocação da região amazônica na sua produção.
De acordo com ela, são necessárias poucas adaptações no motor à diesel para que ele esteja apto a operar com o óleo de dendê de forma eficiente: aumentar a taxa de compressão do combustível em cerca de 4%, para facilitar sua queima, a temperatura de admissão do ar e o débito de combustível. Além disso, o óleo precisa ser ministrado na temperatura ideal. “A viscosidade do óleo de dendê in natura em temperatura ambiente é maior que a do diesel”, explica Pimentel. Por isso, detectou-se que o óleo deveria ser aquecido a uma temperatura de 85 graus para obter viscosidade similar à do diesel e permitir o melhor funcionamento do motor.
“O poder calorífero do dendê é menor do que o do diesel”, relata a pesquisadora. Sendo assim, o volume de óleo consumido supera em cerca de 10% o de diesel. Por outro lado, nas condições analisadas, o dendê apresentou emissões de monóxido de carbono, dióxido de carbono e hidrocarbonetos menores que a do outro combustível. A fuligem gerada, entretanto, foi maior.
Uma das desvantagens encontradas foi o maior desgaste das peças do motor em decorrência do uso do óleo de dendê in natura, o que demanda maiores gastos com manutenção preventiva do equipamento. Além disso, mesmo operando com o óleo, o diesel-gerador ainda precisa de pequenas quantidades de diesel para dar a partida no motor e limpar o sistema na hora de ser desligado.
A viabilidade da técnica já está sendo comprovada. A pesquisa de Pimentel foi implementada duas vezes pelo Centro Nacional de Referência em Biomassa (Cenbio), da Universidade de São Paulo (USP), nas comunidades de Vila Soledade e Igarapé-Açu, no município de Moju, Pará, com resultados bastante favoráveis. Em ambos os casos, contudo, o motor utilizado não passou por nenhuma adaptação, que se restringiu apenas ao aquecimento do óleo. “Ainda existe muito a ser explorado. Esse é um campo muito vasto”, finaliza.
Da ComCiência, Revista Eletrônica de Jornalismo Científico, SBPC/LABJOR, Unicamp