O julgamento do Padre Dino e a AIEA na Bahia, artigo de Zoraide Vilasboas
[EcoDebate] O que tem a ver o julgamento de um líder popular, numa Serra encravada no semi-árido nordestino, com uma Agência Internacional de Energia Atômica, a AIEA? Pode parecer absurdo, mas em algum ponto no sudoeste baiano, onde a questão nuclear é efervescente, eles se cruzaram. Foi na quarta-feira, que a passagem da AIEA pelo sertão adiou o julgamento do Padre Osvaldino Barbosa, da Comissão Paroquial de Meio Ambiente de Caetité, processado por difamação e calúnia, pela Indústrias Nucleares dos Brasil (INB), que opera a única unidade de produção de urânio em atividade no Brasil.
O Padre está sendo processado, depois de uma entrevista na Rádio Educadora Santana de Caetité, em outubro/08, quando alertou a população da região para os perigos da exploração de urânio e sobre a contaminação da água no entorno da mineradora, denunciada pelo Greenpeace, naquele ano, e já confirmada, diversas vezes, pelo Instituto de Águas do Estado da Bahia.
Para qualquer cidadão comum, compromisso com a Justiça está em primeiro lugar, especialmente para o acionante de um processo. Mas parece que a INB não pensa assim. O julgamento de Padre Dino, como é conhecido na Serra Geral, deveria ter acontecido na manhã do dia 3 de fevereiro, mas o gerente Hilton Mantovani, que ingressou com as duas ações (em seu nome, e em nome da empresa), não compareceu.
Recorrendo à grife internacional da AIEA, alegou compromisso com os inspetores da agência, encarregada de fiscalizar o setor nuclear em países que têm programas atômicos. A AIEA policia o Tratado de Não-Proliferação Nuclear para evitar que outras nações, além das chamadas “potências atômicas” (EUA, URSS, Inglaterra, França e China) produzam armas nucleares. Aliás, os técnicos da Agência deixaram a cidade logo cedo, na manhã do julgamento, enquanto o gerente foi visto dando entrevista a um canal de TV.
Ao contrário de notícias atribuídas à INB e Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) que anunciaram, com estardalhaço, que a AIEA daria um veredicto final sobre a contaminação da água do sertão, ela saiu, como chegou: distante das comunidades afetadas pela mineradora e em silêncio. Daquela água, com certeza, seus técnicos não beberam, como o secretário de Recursos Hídricos do Município, que recusou o copo de “Água INB: gostosa de Morrer!”, oferecida pelo Greenpeace.
Se ajudou no cancelamento da audiência, a AIEA não impediu que o ato de solidariedade ao religioso se transformasse numa vigorosa demonstração de coragem e determinação dos sertanejos, diante da violenta repressão, que tenta silenciar aqueles que apontam os perigos da mineração de urânio e denunciam a omissão do estado, ante a grave situação das comunidades afetadas pela exploração desse minério, na Bahia.
Na manifestação, a faixa da paróquia de Santo Antônio, de Guanambi, com o lema “Se calarem a voz dos profetas, as pedras falarão”, reforçou a resistência anunciada nos cânticos e falas de representantes de organizações sócio ambientais e movimentos populares de Caetité, Pindai, Brumado, Palmas de Monte Alto, Riacho de Santana, Livramento e Lagoa Real. Cerca de 500 pessoas lotaram a frente do Fórum, recebendo, com aplausos, o religioso. Depois, a multidão, de trabalhadores rurais, pastorais, líderes religiosos e comunitários, usando tarja preta na boca, em repúdio aos absurdos processos, entrou, em silêncio, no Palácio da Justiça para aguardar o julgamento, sem se intimidar, porque sabe que “a mineração dá lucro, mas a natureza e o povo valem mais”.
A ausência da INB foi vista como mais um desrespeito ao Judiciário e ao povo da região, e o momento serviu para mostrar que o Padre não está só e que o apoio à luta pela vida e pela proteção ao meio ambiente cresce cada dia mais. Foi um sinal que muito mais gente voltará no dia do julgamento, adiado para 4 de março, para reafirmar que “Uma vida digna é direito desta população. Vida sim. Urânio, não!”, como inscreveu em sua faixa a Igreja Católica e Movimentos Sociais de Riacho de Santana.
Zoraide Vilasboas, jornalista e membro da Associação Movimento Paulo Jackson – Ética, Justiça, Cidadania, é colaboradora e articulista do EcoDebate.
EcoDebate, 08/02/2010
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