Usina de Belo Monte reabre debate sobre política energética brasileira
Instalação da usina hidrelétrica de Belo Monte no rio Xingu (PA) deverá inundar uma área total de 440 km2 – um terço da área de Itaipu. Estudos dos anos 80 previam a inundação de 1.225 km2. Imagem: Terra Magazine
Liberação prévia do Ibama permite que governo faça licitação de usina no rio Xingu. A Usina de Belo Monte evidencia ambiguidade da política energética brasileira, diz especialista alemã.
Os números são de alto impacto: terceira maior usina do mundo, 11 mil MW de potência e um investimento que pode chegar a 30 bilhões de reais. A construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte parece estar a caminho: o projeto recebeu a licença prévia nesta semana do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, o Ibama.
Isso significa que o governo federal tem sinal verde para licitar a usina – outra licença será exigida para o início das obras de instalação. E essa só sairá quando a empresa vencedora atender às 40 exigências impostas pelo Ibama: são questões relativas à qualidade da água, fauna, saneamento básico, população atingida, compensações sociais e recuperação de áreas já degradadas.
Pedro Bignelli, chefe da seção de licenciamento do Ibama, acredita que a licença prévia contemplou todas as partes envolvidas. “O que é necessário, o que é preciso e tem que ser feito está claro na licença. Agora o empreendedor vai dizer a forma que vai fazer. Por exemplo, a remoção de ribeirinhos na área alagada é uma negociação entre empreendedor e ribeirinho. Se vai ser indenização, relocação, se vai ser construída uma casa num novo local, a escolha do local.”
A usina será instalada no rio Xingu, que atravessa o estado do Mato Grosso e corta o Pará até desembocar no rio Amazonas. Apesar da liberação prévia das autoridades brasileiras, a discussão sobre a instalação de Belo Monte, que já se arrasta há 20 anos, parece estar longe de um consenso.
Viabilidade do projeto
Desde 2001, o Ministério Público Federal do Pará questiona o projeto na Justiça brasileira. O órgão move oito processos contrários à instalação da usina. As principais queixas são o desrespeito aos povos indígenas, os impactos ambientais e a questão financeira que envolve Belo Monte.
A viabilidade econômica da usina intriga especialmente o Ministério Público Federal. Segundo Ubiratan Cazzeta, procurador que acompanha o caso, no início do processo de licenciamento a obra estava orçada em 9 bilhões de reais. O governo brasileiro, por sua vez, já admite que o custo não será inferior a 20 bilhões – e o mercado cogita que o investimento possa chegar a 30 bilhões.
O projeto de construção de Belo Monte aprovado pelo Ibama segue o conceito chamado “fio de água” – ou seja, dispensa a edificação de grandes barragens. Apesar da capacidade máxima da usina ser de 11 mil MW, o documento oficial aponta uma potência média de 4 mil MW. E um dos grandes temores, aparentemente afastado pelo governo brasileiro, é o barramento sucessivo do rio Xingu para garantir uma produção estável em Belo Monte próxima ao pico.
“Se você constrói uma obra de 30 bilhões e ela se mostra economicamente insustentável por essa alteração de vazões, isso pode ser usado no futuro como justificativa para um sucessivo barramento do rio Xingu, para fazer valer aquele investimento feito no passado”, argumenta Cazzeta.
Samuel Barreto, coordenador do programa Água para Vida da WWF Brasil, destaca ainda outro ponto. “O impacto das mudanças climáticas não está colocado nessas análises. E alguns estudos que estamos desenvolvendo apontam que construção desse tipo de barragem, a fio de água, pode gerar problemas de vazão por não ter, portanto, o volume necessário para gerar energia – considerando a variação hidrológica na bacia do rio Xingu.”
Cultura indígena ameaçada
Segundo informações do Ibama, 12 comunidades indígenas residem em áreas que serão afetadas pelo empreendimento de Belo Monte. No entanto, até o ano passado, o processo de licenciamento da usina ocorreu sem que essas comunidades fossem consultadas: elas só foram ouvidas depois que o Ministério Público Federal interferiu.
Ubiratan Cazzeta revela que há sérias divergências com o governo brasileiro nesse ponto. Uma delas é o fato de a administração federal não considerar a área da usina como reserva indígena. Para o Ministério Público, não há dúvidas. “Nós entendemos que sim. E isso gera um efeito concreto, que é o das comunidades terem direito a algum tipo de royalty, algum tipo de remuneração desse aproveitamento hídrico, o que nunca foi discutido.”
Inicialmente, o governo havia reconhecido que se tratava de uma reserva indígena, mas voltou atrás – o que gerou impasse e um processo judicial.
Impacto humano na região
Belo Monte deve atrair um fluxo migratório intenso. Estima-se que 85 mil novos moradores instalem-se na área. Segundo o procurador Cazzeta, isso implica um desenvolvimento longe de ser sustentável: já há empresas como a Alcoa e a Vale do Rio Doce de olho na produção de energia de Belo Monte, para poderem construir siderúrgicas para exploração da bauxita.
“Esse modelo da região não está sendo discutido claramente. Essa atividade eletrointensiva das usinas, atividade mineral forte, acaba atraindo para o fluxo migratório todo um modelo que, para uma região, o Estado brasileiro já demonstrou várias vezes não ter capacidade de gerenciamento”, critica Cazzeta.
Desafio energético brasileiro
A tradição brasileira em construir hidrelétricas – o que faz a base enérgica do país ser considerada como “limpa” – coloca o governo numa posição ambígua. Para Christina Stolte, pesquisadora do departamento de estudos latino-americanos do Instituto Alemão de Estudos Globais e Regionais (Giga) o Brasil tem um grande desafio à sua frente.
“É preciso distinguir entre a política energética interna e externa. Internamente, a meta principal do governo brasileiro é fornecer o máximo possível de energia para a economia em expansão. Na política externa, o Brasil tenta se posicionar como potência verde, ao contrário de outros emergentes, como a China e a Índia, que apostam em fontes energéticas tradicionais, como carvão e petróleo. O Brasil se destacou ao anunciar que pretende obter quase 50% de sua energia de fontes renováveis, e a energia hidrelétrica tem um impacto ambiental especialmente pequeno”, declarou.
Matriz energética
A organização WWF diz não ser contrária à construção de barragens, mas defende critérios mais críticos na hora de definir onde elas serão instaladas. “É preciso ter um olhar mais amplo sobre a matriz enérgica. E nesse sentido há alternativas, como energia eólica, por exemplo, que diminuíram a pressão sobre a construção de barragens nesse momento, mesmo reconhecendo que o Brasil ainda tem um potencial hidrelétrico muito grande”, pondera Barreto.
Para a WWF Brasil, a licença poderia ter sido concedida posteriormente: a bacia do Xingu precisaria de análises mais profundas, por suas características ambientais e importância biológica, além das características sociais.
Pedro Bignelli, do Ibama, rebate. “A questão do tempo, o amadurecimento técnico da análise foi muito grande. Para o empreendedor, por exemplo, nós demoramos demais, para algumas ONGs, nós fomos muito rápidos. Mas o amadurecimento técnico dessa análise foi bastante esmiuçado, e saiu na data que foi possível sair.”
Autora: Nádia Pontes
Revisão: Carlos Albuquerque
Matéria da Agência Deutsche Welle, DW-WORLD.DE, publicada pelo EcoDebate, 04/02/2010
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