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Notícia

RJ: Todos os dias são do caçador

A cada 12 minutos, um animal silvestre é retirado das matas para ser vendido em feiras livres do estado. Por Daniel Engelbrecht, Elenilce Bottari, Paulo Marqueiro e Tulio Brandão, do jornal O Globo, 17/03/2007.

O canto de curiós, trinca-ferros, coleiros e canários foi abafado, de repente, por gritos de “polícia!”, “polícia!”.

Na manhã de 23 de fevereiro, 25 agentes da Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente prenderam nove pessoas e apreenderam 200 pássaros na feira de Honório Gurgel, no subúrbio do Rio.

— Isso está parecendo a Polinter — disse um policial, referindo-se a um alçapão superlotado com dez coleiros.

A cada 12 minutos, um animal silvestre é retirado das matas das regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste ou Sudeste para ser revendido nas feiras do Rio ou exportado com notas fiscais frias. O tráfico de animais silvestres é tema da segunda reportagem da série “A impunidade é verde”, sobre os dez anos da Lei de Crimes Ambientais. Para cada ave apreendida, estima-se que dez morram no caminho.

Levantamento feito pelo GLOBO com dados da Delegacia de Meio Ambiente, do Batalhão Florestal e do Ibama mostra que, nos últimos cinco anos, pelo menos 22.540 animais foram apreendidos em feiras, criadouros ilegais e cativeiros particulares.

Essas apreensões se refletem nos tribunais. Quase 60% das sentenças da Justiça estadual no ano passado com base na Lei de Crimes Ambientais diziam respeito a delitos contra a fauna, especialmente caça (18%), venda (22%) e maus-tratos (14%).

Outros números confirmam a tese do Ibama e da Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas) de que o Rio é a capital do tráfico de animais. Com cerca de cem feiras, o estado movimenta o maior mercado interno do país.

Segundo a Delegacia de Meio Ambiente, apenas 40 dessas feiras oferecem cerca de oito mil aves por semana, incluindo espécies ameaçadas de extinção que depois serão revendidas no mercado formal por até R$ 50 mil.

Em 2007, o Zoológico de Niterói, um dos únicos do país que trabalham especificamente com recuperação da fauna silvestre, recebeu 875 animais levados pela polícia e pelo Ibama.

Desse total, 860 eram pássaros.

A maior parte das apreensões é resultado de operações policiais que, muitas vezes, enxugam gelo.

Na blitz do dia 23, em Honório Gurgel, foi detido Eduardo Alves da Silva, que já tinha sido flagrado no mesmo delito no ano passado.

— Se não trabalhar, vou morrer de fome. A maior parte da minha família atua nesse ramo. É melhor vender passarinho que roubar — alegou ele.

Dos presos, 30% são reincidentes  Em 2007, Eduardo se livrou do processo pagando cesta básica de R$ 130 e prestando um mês de serviço comunitário numa creche. Agora, diz que precisa mudar. Gato escaldado, sabe até o tipo de punição que o aguarda: — Tenho que deixar essa vida.

Não dá para ficar pagando cesta básica o tempo todo.

Eduardo e os outros oito presos foram levados para a delegacia e liberados duas horas depois. Os pássaros seguiram para o Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas), do Ibama.

Para algumas aves, o salvo-conduto chegou tarde demais. Algumas morreram dentro dos alçapões, na própria feira. Outras 20, a caminho do Cetas.

Uma semana depois, vendedores de pássaros estavam de volta à feira de Honório. Outra blitz, desta vez do Batalhão Florestal, prendeu duas pessoas e apreendeu cerca de 200 aves.

— Pelo menos 30% das pessoas que nós prendemos nessas feiras são reincidentes — atesta o tenente Érico Santos Cardoso, do Batalhão Florestal.

O delegado Luiz Marcelo Xavier, titular da Delegacia de Meio Ambiente, defende o endurecimento da lei para os traficantes de animais. Dados da Renctas mostram que o tráfico é o terceiro mais rentável do mundo, atrás apenas da venda de drogas e armas.

— A Lei de Crimes Ambientais não prevê o tráfico. Põe na mesma situação aquela senhora que cria um pássaro em cativeiro e o traficante. É necessário agravar a pena nos casos de tráfico, deixando cestas básicas e serviços comunitários para os pequenos infratores — afirma Luiz Marcelo.

Em 27 de fevereiro, policiais do Batalhão Florestal acabaram com um encontro de passarinheiros num clube em São Gonçalo. Havia cerca de 80 pessoas no lugar, mas apenas cinco foram presas. Ao perceberem os PMs, os que não tinham licença do Ibama abandonaram suas gaiolas, onde estavam pássaros, como o trinca-ferro, que chegam a ser vendidos por R$ 10 mil. Um passarinheiro eliminou a prova matando o próprio coleiro. Os presos foram levados para a 74aDP (Neves) e liberados horas depois. Já os policiais que fizeram a ocorrência deixaram a delegacia somente às 3h.