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Artigo

Agrotóxicos e saúde, por Waldir Bertúlio

É relevante a contaminação pelos agrotóxicos direta e indiretamente (pessoas, água, alimentos e solos) causando desde doenças e alterações genéticas (ver trabalhos do professor Flávio Lewgoy, geneticista da UFRGS), enxaquecas, abortos precoces, câncer, até a morte por intoxicação aguda e crônica. Existe de fato uma rede intrincada e desregulada de venda e aplicação de agrotóxicos no país (Mato Grosso é campeão), representando um dos maiores faturamentos na agropecuária, com majestosos interesses financeiros. Seus impactos sobre o ambiente e a população são insidiosos, suas planilhas superfaturadas (o governo deixa as portas abertas) comprometem por custos excessivos até o agronegócio. Há veneno para todos (democrático?).

1. Estas empresas interligam-se para vender agrotóxicos, adubos e sementes, com apoio dos bancos financiadores e estímulos às vendas em quantidades desnecessárias. Quando coordenamos e implantamos o projeto de Controle de Agrotóxicos no Paraná, eram feitas em torno de 12 aplicações de veneno durante o ciclo da cultura do algodão, e, em um ano, passamos para três aplicações sem prejuízo da produção. Aqui em Mato Grosso são aplicados na cultura do algodão em torno de 16 aplicações, e a maioria dos responsáveis por isso são os mesmos que lá no Sul do país há muito tempo deixaram de praticar este tipo de exagero. É preciso diminuir as taxas de aplicação, e a maioria dos técnicos sabe disso, mas tem que seguir a política do Estado consolidada no último governo, que abre mão de seu papel de controle ambiental, subordinando-se só à lógica dos lucros e arrecadação de impostos. O Receituário Agronômico e o de Biocidas (que precisa ser criado) são também instrumentos para isto, desde que pequenos e médios agricultores tenham garantia da assistência técnica pública (a Empaer está saindo da UTI? )

2. Este uso desregrado de agrotóxicos tem três efeitos imediatos reais visíveis:
2.1. O empobrecimento dos solos, pela morte dos microorganismos, com tendência crescente a médio prazo de queda de produção e aumento do uso de adubos e corretivos. A fórmula é: agrotóxicos+adubos e corretivos = aumento de lucro nas vendas (ver trabalhos do professor Adilson Paschoal, da Esalq, Piracicaba-SP).
2.2. Resistência dos insetos vetores, transmissores de doenças (como a malária, leishmaniose, dengue) a estes produtos, inclusive com possíveis mutações genéticas, ampliando e urbanizando insetos vetores e dificultando o controle de doenças deste tipo.
2.3. Coincide o período das altas taxas de aplicação de venenos com a época das chuvas e da “lufada”, tão grave para a reprodução e sobrevivência da fauna aquática (e terrestre) e da disponibilidade de peixes. Então, estes produtos químicos vão ser carreados para os cursos d”água (e aqüíferos subterrâneos), encontrando peixes em reprodução e filhotes. Imaginem os efeitos disto sobre a população aquática! Faltam estudos sobre isto. Reafirmo que é preciso colocar a agricultura industrial no seu devido lugar.

O Estado brasileiro e o Estado de Mato Grosso precisam ter uma política eficaz de licenciamento, monitoramento e controle destes produtos, sob pena dos lucros de hoje não chegarem nem perto dos investimentos que são gastos e que serão necessários para mitigar os efeitos individuais e coletivos dos agrotóxicos, a curto, médio e principalmente longo prazo. Lembremos da propaganda na TV, com um desenho animado com bichinhos “simpáticos” recomendando a lavagem tríplice de vasilhames.

O problema de fundo é outro. Esta é uma estratégia rigorosamente mercadológica, de vendas e faturamento dos lobbies e cartéis da indústria de venenos agrícolas. Fere a ética da propaganda, empurrando “goela abaixo” um entendimento errôneo através de uma mensagem que sugere serem os vasilhames de agrotóxicos o único problema (e o Conar?). Qual é o papel do Estado nisto? Isto não é propaganda enganosa?

Waldir Bertúlio é professor universitário, sanitarista, mestre em Saúde e Ambiente e escreve neste espaço aos sábados

(ED) Publicado originalmente em Gazeta Digital, MT, 01/10/2005