UHE de Estreito: O licenciamento que parou no tempo, por Mayron Régis
Que o licenciamento da hidrelétrica de Estreito parou no tempo, isso não resta dúvida, pois são mais de três anos que o Consórcio Estreito de Energia, entre idas e vindas, vem equacionando os primeiros estudos apresentados nas audiências públicas de julho de 2002, com novas informações ao Ibama e ao Ministério Público, que, por conta própria ou por pressão da sociedade civil, as requereram em várias reuniões com os representantes do consórcio.
Nestas reuniões, as recomendações por parte do Ibama e do Ministério Público, quase sempre, intrigavam os representantes que, seguramente, as tomavam como mais burocracia num processo já lento e cheio de nuances e, também, porque, na cabeça destes não faltava mais nada de estudos.
Uma das últimas hidrelétricas licitadas no governo FHC, e quase uma das últimas licenciadas, a hidrelétrica de Estreito entrou gestão atual adentro como diríamos “caída na vida”, com todos os vícios no licenciamento a que tinha direito e os que não tinha. Tendo por base outros processos de licenciamento viciados como o de Manso, o de Lajeado e o de Cana Brava, viciados em sua concepção e na sua construção, a visão que contaminou e que contamina até hoje o licenciamento ambiental afirma que nenhum impacto é tão grave que um programa básico ambiental não possa resolver ou, pelo menos, mitigar.
Esta visão foi amplamente censurada no seminário “Águas sem Barragens nas Bacias Amazônicas”, de dezembro de 2002, que aconteceu na cidade de Imperatriz, e que resultou em uma carta enviada, no começo de 2003, a várias autoridades pedindo moratória para novos empreendimentos hidrelétricos nas bacias Araguaia-Tocantins e Xingu.
O tratamento dispensado pelo atual governo às reivindicações dos movimentos sociais e ambientais difere de outros governos, mas em vez de tomarem de conta da democracia os movimentos são convocados para a sua festa. As decisões e discussões de real monta deste governo vão ao sentido de respeitar os contratos mesmo que haja sombras de desrespeitos ao meio ambiente e aos direitos humanos sobre estes. E não são poucos os contratos anteriores ao ano de 2003 sob suspeição de destruição do meio ambiente e não pagamento de indenizações, o que dá um ótimo caldo para ações civis públicas contra o Estado e a empresa concessionária.
Para não ficar apenas nestes dois itens, é de bom alvitre questionar os porquês dos direitos dos indígenas à informação sobre o seu meio ambiente e à manutenção das suas terras estarem sendo negados. As nações indígenas Krahô e Apinaje, na área de influência da hidrelétrica de Estreito, requerem estudos etno-ecológicos para as suas terras, o que afinal não foi feito, pois os estudos do Eia-Rima original são de base secundária, feitos de outras fontes e não colhendo dados in loco.
Este pedido, que conta com a Funai e o Ministério Público Federal como aliados, depõe contra todo o processo de licenciamento de Estreito, depõe contra o CNEC, como empresa contratada para a feitura do Eia-Rima, e contra o Ceste, consórcio do qual fazem parte a Tractebel, a Alcoa, a Vale do Rio Doce, a Camargo Côrrea e a Billiton.
Antes tão inquebrantável, o Consórcio Estreito de Energia vem rachando com a possível saída da Billiton, pelas dificuldades de licenciamento e pelos altos custos para a sua construção.
Mayron Régis, jornalista
Portal EcoDebate, www.ecodebate.com.br, 19/12/2005