Desastres e desenvolvimento, artigo de José Natanson
Atualmente, “os desastres não são simples fenômenos meteorológicos, mas o produto de processos sociais que não garantem uma adequada relação com o ambiente – natural e construído – que dá sustentação à vida em comum. Os desastres são problemas não resolvidos do desenvolvimento, e a vulnerabilidade frente a eles representam mais de 53% no total das mortes registradas”, escreve o jornalista José Natanson em artigo publicado no jornal argentino Página/12, 17-01-10. A tradução é do Cepat.
Segue o artigo.
Durante anos houve a tendência de ver os desastres como o resultado automático das forças da natureza. Baseando-se, sobretudo, nas pesquisas das ciências duras, os estudiosos do tema analisavam as catástrofes como golpes da natureza sobre uma sociedade considerada inocente, neutra. A própria ideia de “desastre natural”, a maneira como se costuma identificar automaticamente um episódio meteorológico – um furacão, por exemplo –, com um desastre, é reveladora desta concepção, por trás da qual se encontra a ideia de inevitabilidade do desastre, como se fosse um simples ato de Deus, e a consequente desresponsabilização da sociedade.
A partir dos anos 1970, entretanto, os estudos sobre o desenvolvimento derrubaram este paradigma e colocaram no foco a relação entre desenvolvimento (ou subdesenvolvimento) e desastres naturais. Como sustenta o especialista Allan Lavell (Desastres e desenvolvimento. Para um entendimento das formas de construção social de um desastre), os desastres não são simples fenômenos meteorológicos, mas o produto de processos sociais que não garantem uma adequada relação com o ambiente – natural e construído – que dá sustentação à vida em comum. Os desastres são problemas não resolvidos do desenvolvimento, e a vulnerabilidade frente a eles representam mais de 53% no total das mortes registradas.
Os desastres acontecem em todos os lados, mas impactam sobretudo nos países pobres através de uma série de mecanismos criadores de vulnerabilidade. Os assentamentos informais nos corações urbanos expandem entornos habitacionais instáveis e precários, muitas vezes localizados nas zonas mais perigosas das cidades: barrancos, ladeiras empinadas, áreas inundáveis ou próximas a indústrias ou sistemas de transporte nocivos ou perigosos. Nas áreas rurais, o desmatamento produz deslizamentos, potencializa as inundações (as árvores não absorvem a água) e degrada os solos. A falta de mecanismos de alerta preventivos impede o Estado de antecipar os efeitos de um terremoto ou furacão. E se os mecanismos preventivos existem, muitas vezes as dificuldades de infraestrutura não permitem realizar as ações preventivas necessárias (por exemplo, evacuações massivas) ou responder adequadamente às catástrofes. A fragilidade da infraestrutura física impede de fazer frente aos possíveis efeitos, por exemplo, através de barreiras contra as inundações. As deficiências do sistema sanitário multiplicam o risco epidemiológico em momentos de crise.
A relação entre desastres e desenvolvimento é clara. Não é casual que Cuba, apesar de ser uma ilha exposta regularmente às inclemências do Caribe, seja o país da subregião que melhor sabe enfrentar os desastres naturais, como resultado de seu relativamente alto nível de desenvolvimento (posto 49 no último Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), mais que qualquer outro país do Caribe não anglófono) e às obras de infraestrutura realizadas durante anos pelo governo. E não é casual que tenha sido Nova Orleans – com uma pobreza de 28%, três vezes maior que a média nacional, e taxas de desemprego e analfabetismo superiores à media norte-americana – o epicentro da catástrofe provocada pelo Katrina, o que demonstra que as catástrofes afetam não apenas os países pobres, mas também os setores mais pobres dos países ricos (Nova Orleans não é Miami).
Neste marco, todos os índices concordam em que Haiti é o país latino-americano mais vulnerável às catástrofes naturais. Em seu Indicador de Vulnerabilidade e Desastre para a América Latina, Isaías Chang Urriola lhe assinala 100% de probabilidade. O índice elaborado pelo BID, que combina aspectos que favorecem o impacto físico direto com outros referidos ao impacto indireto (fragilidade, fraqueza estatal, etc.), também situa a ilha no pior lugar do continente. É que o Haiti sofre o duplo efeito da má sorte geográfica – uma ilha exposta às perigosas águas do Caribe, aos tornados e aos terremotos – e uma absoluta incapacidade de resiliência. Isto faz com que 34% da população esteja exposta às inundações, que uma porção menor, mas considerável seja vulnerável aos efeitos de movimentos sísmicos e que o Estado seja incapaz de responder às catástrofes humanitárias: com uma pobreza de quase 80%, a última colocada do continente no IDH, uma história política marcada pelo autoritarismo e pela instabilidade e uma economia destruída, o Haiti é o melhor exemplo de como o fracasso de um modelo de desenvolvimento é – mais que as iras de Deus ou a natureza – o verdadeiro responsável pelo desastre.
(Ecodebate, 20/01/2010) publicado pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
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