Haiti, uma tragédia e algumas lições, por Henrique Cortez
Vista aérea do centro de Port-au-Prince, arrasado pelo terremoto. Foto: ONU/Logan Abassi
Vista aérea do centro de operações da ONU em Port-au-Prince, logo após o terremoto. Foto: ONU/Logan Abassi
[EcoDebate] Já muito se disse sobre a imensa tragédia humanitária que se abateu sobre o já frágil e debilitado Haiti, lamentavelmente o país mais pobre das Américas, mas, ainda assim, há muito que aprender com o desastre em si mesmo e com todos os problemas, erros e falhas no processo de reação ao terremoto.
Antes de entrar no assunto, propriamente dito, é necessário destacar, com toda a justiça e respeito, o sacrifício da própria vida de muitos que lá estavam em missão de paz. É o caso da Dra. Zilda Arns e de 15 militares brasileiros participantes da Missão das Nações Unidas para Estabilização do Haiti (Minustah). Além deles, também perderam a vida 300 funcionários da ONU, incluindo o tunisiano Hédi Annabi e o brasileiro Luiz Carlos da Costa , respectivamente o n° 1 e o n° 2 da missão da ONU, além de outros 19 militares das forças internacionais participantes da Minustah.
Lá estavam em missão de paz e é isto que deve, antes de tudo, ser destacado e valorizado. Doaram suas vidas na tentativa de ajudar, de apoiar e resgatar a dignidade e a qualidade de vida do povo mais sofrido das Américas. São verdadeiros heróis, no seu melhor e mais humano sentido.
A eles o nosso respeito e reconhecimento.
Voltando ao que pretendemos discutir, o caos causado pelo terremoto pode e deve ser compreendido e estudado como parâmetro do que pode e, certamente, ainda acontecerá ao longo deste século em outros países pobres e igualmente expostos a severos desastres nacionais.
O problema inicial surgiu com a equipe técnica da ONU sendo dizimada e o mesmo acontecendo com boa parte do já frágil governo do Haiti. Sem liderança e capacidade de organização, os sobreviventes passaram as primeiras 48 horas sem qualquer perspectiva de ajuda.
A Minustah foi menos atingida e reagiu na medida de suas possibilidades, principalmente no resgate das vítimas, soterradas aos milhares.
Três dias após o terremoto a ajuda humanitária era incipiente e desorganizada, com os sobreviventes ainda sem água e comida. Imaginem o que isto significa em uma cidade com 70% de suas construções literalmente demolidas, com 40 ou 50 mil mortos (possivelmente mais), mais de 250 mil feridos e, pelo menos, 1,5 milhão de desabrigados.
O absoluto colapso da já debilitada infraestrutura do Haiti colaborou para o caos e dificultou a resposta humanitária e este é um fator a ser considerado em outros desastres naturais que, no futuro, atingirão outros países pobres.
O tsunami, no oceano índico em 2004, também gerou caos e foi uma outra tragédia humanitária, com mais de 200 mil mortos, 120 mil feridos e 1,5 milhão de desabrigados. Lá também estavam presentes a destruição da infraestrura, a fragilidade das construções e a paralisia governamental nos primeiros e mais difíceis momentos após o desastre.
Em 2008, a China foi atingida pelo ‘terremoto de Sichuan’, um violento sismo que abalou a zona de Wenchuan, na província de Sichuan, às 14:28:04, hora local, (06:28:04 GMT) em 12 de Maio de 2008. De magnitude 8,0 na Escala de Richter, de acordo com o Centro de Pesquisas Sismológicas da China e o United States Geological Survey, o terremoto foi sentido em localidades tão longínquas quanto Beijing e Xangai (onde edifícios de escritórios balançaram com o impacto), Paquistão, Tailândia e na capital do Vietnã, Hanói. A maior cidade próxima ao epicentro do terremoto foi Chengdu, capital da província de Sichuan.
Mapa da área do ‘terremoto de Sichuan’. Fonte Wikipedia.
Estima-se o número de mortos em mais de 85 mil pessoas, com 358 mil feridos. Na área de Mianzhu, perto do epicentro do sismo, e da cidade de Mianyang, houve um grande número de vítimas, assim como perto do condado de Beichuan Qiang, onde 80% das construções foram destruídas. [fonte Wikipedia]
No entanto, apesar da gravidade do sismo, a capacidade de reação do governo chinês não foi afetada e milhares de militares foram deslocados para a área, com toda a logística e ajuda necessária já nas primeiras horas após o terremoto. O terremoto foi um grande desastre, mas a tragédia humanitária foi evitada.
De algum modo, precisamos desenvolver uma capacidade global de reação, suficientemente capaz de superar as dificuldades da destruição da infraestrutura e até mesmo a fragilidade ou incapacidade temporária de governos nacionais.
Terremotos, tsunamis, vulcões não são causados pela ação humana, mas furacões, tornados, ciclones e inundações são, reconhecidamente, agravados pelo aquecimento global, este sim com significativa influência antropogênica.
Segundo a ONU, em 2008, aumentaram os desastres naturais relacionados às mudanças climáticas, e isto deve crescer ao longo do século, na exata medida em que se agravarem os efeitos das mudanças climáticas.
A ONU já havia relatado que os países em desenvolvimento são as principais vítimas dos desastres naturais decorrentes do aquecimento climático . Entre 1975 e 2008, ela listou 8.866 desastres que mataram 2.284.000 pessoas. A respeito das inundações, o risco de morte aumentou 13% entre 1990 e 2007.
Agora é hora de agir, de fazer o melhor para oferecer à sofrida população do Haiti a ajuda humanitária necessária e depois ajudar no que for possível pela reconstrução do país. Mas também precisamos aprender e nos preparar para outros desastres que se seguirão ao longo deste ameaçador século XXI.
Por Henrique Cortez, do EcoDebate, 18/01/2010.
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Caríssimo Henrique,
No visando enriquecer, descupa-me pelo trocadilho, este teu artigo-reflexão-indagação, envio abaixo o comentário de um amigo jornalista, radicado nos EUA, de nome César Barroso, denominado:TEM FUTURO UM HAITI INDEPENDENTE?
Encontrei uma hatiana pela primeira vez em 1971, em Nova York. Era uma mulher calada, modesta. Trabalhávamos no mesmo escritório de tradução. Tive dificuldade em reconhecer que nacionalidade era aquela, quando me disseram que ela era “Haitian”.
Em Miami conheço e convivo com dezenas de haitianos. Alguns considero mais do que apenas conhecidos: o Joe da Bakehouse, o Rémy da Bally, o Antoine da portaria, a April que foi minha modelo no estúdio de fotografia. Já falei com todos eles, pessoalmente ou através de email, e estão arrasados, mesmo aqueles que não tiveram parentes e amigos desaparecidos.
Quando quero matar a saudade da rabada, vou ao Bamboche II, um restaurante hatiano despretencioso, como aliás tudo o que é haitiano.
Os haitianos são diferentes do negro americano. Mostram modéstia, não chamam a atenção. Entre si falam o crioulo, seu dialeto herdado do francês, e, ao contrário dos cubanos, todos falam bem o inglês.
Sempre passo de carro pelo Pequeno Haiti, o bairro de Miami que concentra a comunidade, com suas dezenas de igrejas, casas de venda de suplementos para o vodu, lojas para remessa de dinheiro para o Haiti.
Quase 1 milhão de haitianos vivem nos Estados Unidos, com maiores concentrações em Miami e Nova York.
Sem dúvida os hatianos são diferentes, de uma maneira bastante positiva. Trabalham duro, lutam por seus direitos e têm fortes ligações com seu país, para onde mandam dinheiro e todo o tipo de mercadorias para parentes e amigos.
Essa diferenciação tem raiz na história: foi a primeira nação independente da América Latina, a primeira nação negra independente da era pós-colonial, e a única nação cuja independência foi conseguida por uma rebelião de escravos.
Mas depois… nada nunca funcionou bem. O território pouco maior do que a metade do Estado do Rio de Janeiro, é habitado por 10 milhões. A renda per-capita é de US$790.00 e a taxa de desemprego é muito alta. A natureza também tem sido madrasta com o Haiti. Furacões violentos e inundações devastadoras são uma constante na vida do país. Esse terremoto achatou a capital, Port-au-Prince.
A instabilidade política faz parte da história do país, por interferência externa e dissensões internas.
Os Estados Unidos ocuparam o Haiti de 1915 a 1934.
Por 30 anos, de 1957 a 1986, a ditadura brutal e corrupta de François “Papa Doc” Duvalier continuou a destruição da economia local.
O Pe. Jean-Bertrand Aristide foi eleito presidente duas vezes, em 1990 e 2000, mas suas gestões não contribuiram em nada para a estabilização política e econômica do país. Ele foi mandado para o exílio na África pelos Mariners. Nessa época os americanos estiveram perto de invadir e tomar conta novamente. René Préval, o atual presidente, se mantém no poder graças às tropas das Nações Unidas, com forte participação administrativa e militar brasileira.
O terremoto de poucos dias atrás destruiu fisicamente um país fraco e vulnerável. O desgoverno e falta de infra-estrutura básica ficaram tristemente patentes.
O Haiti poderá continuar independente legalmente, mas na prática, a reconstrução terá o seu preço.
Fonte: Blog Leia Junto, 16/01/10
Abraços,
Jorge Barros
A propósito: Estou escrevendo o artigo: Revolta da Natureza contra o bicho homem III, como continuação quase que profética do artigo II. Por que?
A tragédia do Haiti do ponto de vista socioambiental planetária é uma espécie de resposta da mãe natureza contra os pedantes, pernósticos e prepotentes líderes mundiais na suas desastrosas e desastradas participações em Copenhague, particularmente os EUA.
Pergunto: Quanto estará custando essa ajuda ao Haiti obrigatoriamente pelas mesmas nações que se recusaram em consenso tomar uma posição em prol do planeta e sobretudo das pessoas mais carentes que habitam nesse mesmo planeta, até mesmo com a criação de um fundo de 150 bilhões de dólares, lembram?