Agricultura sustentável e a hidroeletricidade, artigo de Pedro Jacob Chistoffoleti
[Correio Braziliense] O blecaute ocorrido em novembro de 2009 em 18 estados brasileiros gerou uma avalanche de explicações que atribuíram a falha no sistema de transmissão de energia a possíveis motivos técnicos intrínsecos ao sistema de distribuição da energia elétrica de Itaipu. Mas a minha formação em ciências agrárias, associada ao compromisso com as boas práticas agrícolas, sugere reflexão diferente fundamentada em causas menos técnicas e evidentes — relacionada ao modelo agrícola praticado no entorno dos mananciais que abastecem a hidroelétrica de Itaipu. É importante relembrar que o Brasil investiu, acertadamente, no sistema hidroelétrico e esse é o modelo que responde hoje por pelo menos 90% da eletricidade consumida no país.
Um aspecto, no entanto, que não deve ser esquecido nesse modelo hidroelétrico é a necessidade de manutenção da qualidade da água e a capacidade efetiva dos reservatórios, que sustentam o sistema também nos períodos de estiagem. E uma das atividades que influi diretamente nesse aspecto são as práticas de cultivo. A agricultura tradicional, não sustentável, por exemplo, que ainda adota a técnica de revolvimento do solo, provoca a erosão e a contaminação de águas destinadas às hidroelétricas. Estima-se que 1,2 tonelada de solo/ha é arrastada pela água das chuvas até os mananciais mais próximos.
Na cultura da soja estima-se que, com esse sistema de baixa sustentabilidade, perde-se 0,4kg de solo por quilo de soja produzido. Considerando que o Brasil cultiva 24 milhões de hectares de soja, é possível estimar perdas de 28,8 milhões de toneladas de solo por ano. Considerando solo com densidade média de 1,4 g/kg, esse volume de solo erodido seria suficiente para reduzir o volume dos reservatórios de água em 20,6 bilhões m³, que equivale a uma superfície de lago, considerando 1m de profundidade, de 1.600 ha aproximadamente por ano. Nesse modelo, a estabilidade do sistema de abastecimento de água das hidroelétricas encontra-se em risco. É evidente que propriedades com adequação ambiental de matas ciliares têm os índices reduzidos, porém, com as chuvas torrenciais ocorridas, nem a proteção ciliar é suficiente para reter as perdas de solo.
Uma das técnicas de agricultura sustentável, baseada no “plantio direto”, reduz a perda de solo no mínimo seis vezes, ou seja, 0,2 ton de solo/ha. As razões do plantio direto reduzir as perdas de solo estão fundamentadas na redução do impacto das gotas de chuva e erosão do solo, manutenção da estrutura física do solo, maior infiltração e armazenamento da água do solo, incremento da agregação do solo por meio do incremento das propriedades físicas, químicas e biológicas do solo. A base do plantio direto é a formação de palhada mediante a rotação de cultivos e a dessecação pelo uso de herbicidas. Ressalta-se também que a técnica contribui com o sequestro de carbono da ordem de 500 a 750kg/ha/ano.
Na região dos mananciais de água que abastecem Itaipu, estão localizadas áreas extensivas de cultivos de soja e milho, portanto a qualidade e quantidade de resíduo de solo na água são dependentes da qualidade da agricultura praticada. É imperativo que agricultores da região procurem utilizar técnicas de plantio direto e, assim, contribuam para a melhor qualidade da água e consequente regularidade do fornecimento de água para a hidroelétrica.
Outro aspecto que torna imperativo o plantio direto é a possibilidade do excesso de nutrientes na água, principalmente o nitrogênio. O processo erosivo dos solos pode arrastar consigo grandes quantidades de nutrientes na água. Esses nutrientes, além de interferir significativamente na vida dos peixes na água, podem sustentar o crescimento de plantas daninhas aquáticas, como o aguapé, e outras plantas prejudiciais às atividades relacionadas com o uso da água. Há relatos no estado de São Paulo de paralisação de funcionamento da maioria das turbinas de uma hidroelétrica decorrente da infestação dessas plantas.
Apesar das vantagens incontestáveis do plantio direto, existem aspectos agronômicos que podem induzir o agricultor a retornar no sistema convencional. No Paraná e em outros estados onde a aplicação do herbicida glifosate serve de base para o manejo de plantas daninhas tem ocorrido a seleção de espécies de plantas daninhas resistentes ao herbicida. Entre elas, destacam-se a buva (Conyza) e o capim amargoso (Digitaria insularis).
Com o objetivo de remediar esse entrave tecnológico, agricultores têm adotado a alternativa menos recomendada de retorno ao sistema convencional de revolvimento do solo, contribuindo, assim, para a erosão dos solos. Melhores alternativas podem ser utilizadas pelos agricultores, como o uso de herbicidas residuais associados ao glifosate e uso de herbicidas dessecantes alternativos, como o paraquat. Essa técnica possibilita o controle das plantas daninhas resistentes, mantendo viável plantio direto.
Produzir de forma sustentável, econômica e ambientalmente segura deve ser o objetivo da agricultura, utilizando boas práticas agrícolas. O agronegócio traz divisas para o país e, sem dúvida, é um dos pilares de sustentação da nossa balança comercial positiva. No entanto, produzir sem sustentabilidade resultará em prejuízos não só para os agricultores, mas também para outros setores e atividades da sociedade com a instabilidade do sistema hidroelétrico.
# Pedro Jacob Chistoffoleti é Professor associado da Universidade de São Paulo.
Artigo originalmente publicado no Correio Braziliense.
EcoDebate, 12/01/2010
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Infelizmente para o Planeta, o Meio Ambiente e a Humanidade a grande maioria não acredita ainda nos benefícios da Agroecologia e vemos então tais recomendações como sendo AS MELHORES ALTERNATIVAS para o controle de “plantas daninhas”, conforme a citação do texto:
“Melhores alternativas podem ser utilizadas pelos agricultores, como o uso de herbicidas residuais associados ao glifosate e uso de herbicidas dessecantes alternativos, como o paraquat. Essa técnica possibilita o controle das plantas daninhas resistentes, mantendo viável plantio direto.”