Temas para o novo ano, artigo de Washington Novaes
Imagem: FreeDigitalPhotos.net
[O Estado de S.Paulo] Em 2010 muito provavelmente o Brasil ouvirá, a partir do mundo da política, um discurso bastante diferente – seja por causa das eleições presidenciais, seja pela situação muito crítica em diversas áreas.
Na área da política, um primeiro ensaio já ocorreu na reunião da Convenção do Clima. Em Copenhague, o presidente da República, os ministros Dilma Rousseff (candidata a presidente) e Carlos Minc falaram muito sobre a prioridade de uma visão “ambiental” no processo de desenvolvimento, condicionadora do crescimento econômico, da política energética e de vários outros setores. Dois outros candidatos presidenciais – a senadora Marina Silva e o governador José Serra – também bateram nessa tecla. E isso certamente gerará desdobramentos importantes na campanha.
Já não é sem tempo que se chegue a essa “transversalidade”, com as questões básicas do clima e dos recursos naturais assumindo a indispensável primazia, pois sem equacionar os problemas nas duas áreas, no meio físico, não haverá solução para nada. E além de avançar no combate ao desmatamento, na geração de energias “limpas” e renováveis, precisamos de políticas na área de ciência e tecnologia que nos levem à prevenção e mitigação de mudanças climáticas. Temos urgência de implantar sistemas capazes de nos avisar com muito mais antecedência sobre “eventos extremos” (chuvas intensas, tornados, secas, etc.), para que se possam tomar providências a tempo. Da mesma forma, precisamos avançar muito com a defesa civil, para socorrer populações atingidas.
Uma atuação competente nessas áreas exigirá também rever nossas políticas em relação às grandes cidades. Cuidar da impermeabilização do solo, que hoje favorece as inundações; impedir que os rios continuem a ser canalizados (reduzindo sua capacidade de receber água) e assoreados (pelo despejo de esgotos); tornar obrigatória a retenção de água em cada imóvel (para utilização posterior e para reduzir o volume de água no momento das chuvas fortes). Mas não é só. Como tantos autores têm observado, não podemos continuar sem macropolíticas para grandes cidades, que determinem o rumo da expansão, criem obstáculos a formatos inadequados de ocupação do solo, gerem políticas setoriais eficientes no setor de transportes.
Por esses caminhos, as discussões políticas inevitavelmente chegarão aos recursos hídricos, ao saneamento, ao lixo. Não dá para seguirmos inermes diante da notícia de que dois terços das cidades brasileiras operam no limite da capacidade de fornecimento de água, ao mesmo tempo que a perda nessas mesmas cidades continua na faixa dos 40% do que sai das estações de tratamento. E sem que haja sistemas de financiamento para a conservação das redes. Também não é possível aceitar o atual quadro do saneamento no País, com cerca de 50% das pessoas sem terem seus domicílios ligados a redes de esgotos. E sabendo ainda que de R$ 40 bilhões teoricamente destinados ao setor entre 2007 e 2010 apenas 15% foram desembolsados (O Globo, 12/12).
Será interessante ver as discussões sobre o lixo, já que todas as regiões metropolitanas estão com seus aterros esgotados, assim como uma em cada três cidades do interior de São Paulo (Estado, 15/3). A maioria das cidades no País nem de aterro dispõe, despeja os resíduos em lixões problemáticos, embora se gastem a cada dia R$ 12,8 milhões na coleta e destinação do lixo. E não se toma o caminho mais indicado de basear uma política no setor em cooperativas de catadores, que, financiadas, se encarreguem da coleta seletiva, da reciclagem de muitos itens em usina, da redução dos resíduos destinados a aterros. Além de gerarem trabalho e renda.
A gravidade da situação climática no mundo exigirá que governantes e candidatos se posicionem quanto à nossa matriz energética. Não faz sentido continuar destinando a usinas termoelétricas, altamente poluidoras, boa parte dos leilões de energia. É preciso dar muito mais força à energia eólica e solar, além de biocombustíveis produzidos adequadamente. Não é possível ignorar – como tem sido comentado tantas vezes aqui – estudos científicos que indicam ser possível ganhar até 30% no consumo de energia com políticas eficazes de eficiência e conservação, mais 10% com redução de perdas em linhas de transmissão, outro tanto com repotenciação de geradores defasados. Esses caminhos custariam algumas vezes menos que o da implantação de novas megausinas e ainda evitariam conflitos sociais e ambientais.
Para que todas essas questões assumam o primeiro plano será indispensável que se atribua a indispensável prioridade ao tema dos recursos naturais, no momento em que, no mundo, eles já são consumidos em volume maior que a capacidade de reposição do planeta, segundo os diagnósticos do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. E isso exigirá que a suposta incompatibilidade entre “ambientalistas” e “ruralistas” seja posta de lado, até porque pode levar a situações indesejáveis para os próprios produtores rurais, com a perda do meio físico de que dependem. As discussões sobre Código Florestal, porcentagem de reserva em cada propriedade, etc., precisam ser tratadas de forma adequada, sem cuidar apenas de interesses financeiros limitados.
E o Brasil, nessas novas discussões, terá de se aproximar do patamar em que já se situam no relatório da comissão Stiglitz-Sen-Fitoussi, encarregada pelo presidente da França de definir novos critérios para um desenvolvimento econômico compatível com a sustentabilidade. Nesse documento, como tem sido comentado, mostra-se quão insuficiente e precário é o parâmetro do crescimento do produto econômico bruto, isolado, que ignora importantes ângulos sociais e ambientais.
Por estranho que possa parecer, a campanha eleitoral tende a colocar em plano destacado a mal chamada questão ambiental. Alvíssaras.
Washington Novaes é jornalista. E-mail: wlrnovaes{at}uol.com.br
Artigo originalmente publicado no O Estado de S.Paulo.
EcoDebate, 06/01/2010
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